meninos & meninas,
como nunca fiz, deixarei clara a admiração que possuo por este poeta e filósofo de primeira grandeza, hoje, super e querido amigo. sempre fui, desde antes de conhecê-lo, um grande admirador do seu trabalho. os temas tratados em suas letras para música sempre me atraíram e fizeram a minha cabeça.
conhecemo-nos em 99, por conta do seu primeiro livro de poesias – “guardar” -, e de lá para cá (quase 10 anos…) cultivamos uma amizade muito bonita, baseada no carinho e na admiração mútuos, e numa afinidade sem precedentes. talvez eu nunca tenha dado a chance de vocês saberem o quanto este homem, chamado antonio cicero, é importante na minha existência, para que esta cabeça esteja sadia, saradona, em forma (rs).
tudo nele me assombra: o conhecimento amplo que possui de diversos assuntos, o seu português garboso, o seu humor bom, a sua delicadeza, a sua capacidade de esclarecer o que desenvolve intelectualmente, a sua sagacidade de concatenar idéias e de fazer, sempre, as relações mais pertinentes. ler ou conversar com o cicero significa ir fundo no que é mirado, até que se esgotem todos os ângulos possíveis de enxergar o que está ao foco. com o cicero aprendi muito, amadureci muito, e ele sabe da sua importância na minha vida. é o meu ‘poeta porreta’, o meu ‘poetósofo’ (sempre o chamo assim, mistura de poeta e filósofo) de marca maior!
uma coisa que acho divertida é que ele sempre me diz que sou muito generoso com os seus textos, que sempre digo coisas ‘bonitas’ sobre o que ele escreve. imagina! eu, generoso com os seus textos!… sempre devolvo: “se o que digo é elogioso, o é porque, antes, generosos são os seus textos, generoso é tudo o que você escreve.” eu adoro tudo, aprendo e cresço muito, é uma maravilha. pra antonio cicero correa lima, olhos & ouvidos em alerta, porque a sua lucidez é bonita demais, sadia, de bem com o bem.
agora, vocês poderão constatar, com os seus próprios olhos, a generosidade deste que é, na minha vida, um grande ‘acontecimento’ (pescou, poeta? – rs).
beijo são em todos!
um outro enorme procê, meu porto de luz!
o preto,
paulinho.
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PRÓLOGO
Por onde começar? Pelo começo
absoluto, pelo rio Oceano,
já que ele é, segundo o poeta cego
em cujo canto a terra e o céu escampo
e o que é e será e não é mais
e longe e perto se abrem para mim,
pai das coisas divinas e mortais,
seu líquido princípio, fluxo e fim:
pois ele corre em torno deste mundo
e de todas as coisas que emergiram
das águas em que, após breves percursos,
mergulharão de novo um belo dia;
e flui nos próprios núcleos e nos lados
ocultos dessas coisas, nos quais faz
redemunhos por cujos centros cavos
tudo o que existe escoa sem cessar
de volta àquelas águas de onde surge:
não me refiro à água elementar
que delas mana e nelas se confunde
com os elementos terra, fogo e ar
mas a águas que nunca são as mesmas:
outras e outras, sem identidade
além do fluxo, nelas só lampeja
a própria mutação, sem mais mutante:
um nada de onde tudo vem a ser,
escuridão de onde provém a luz,
tal Oceano é a mudança pura.
Mas eis que a poesia nos conduz,
feito um repuxo e a seu bel-prazer,
de volta do princípio das criaturas.
(do livro “A cidade e os livros”)
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GUARDAR
Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.
Em cofre não se guarda coisa alguma.
Em cofre perde-se a coisa à vista.
Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por
admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.
Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por
ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela,
isto é, estar por ela ou ser por ela.
Por isso melhor se guarda o vôo de um pássaro
do que um pássaro sem vôos.
Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica,
por isso se declara e declama um poema:
Para guardá-lo:
Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda:
Guarde o que quer que guarda um poema:
Por isso o lance do poema:
Por guardar-se o que se quer guardar.
(do livro “Guardar”)
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O PAÍS DAS MARAVILHAS
Não se entra no país das maravilhas,
pois ele fica do lado de fora,
não do lado de dentro. Se há saídas
que dão nele, estão certamente à orla
iridescente do meu pensamento,
jamais no centro vago do meu eu.
E se me entrego às imagens do espelho
ou da água, tendo no fundo o céu,
não pensem que me apaixonei por mim.
Não: bom é ver-se no espaço diáfano
do mundo, coisa entre coisas que há
no lume do espelho, fora de si:
peixe entre peixes, pássaro entre pássaros,
um dia passo inteiro para lá.
(do livro “A cidade e os livros”)
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OBSESSÃO 1
Algumas coisas na terra
— como certa praia oculta
do mundo por árduas serras,
alcantiladas e plúmbeas,
e protegida de acesso
marítimo por escolhos
onde escuma um mar possesso,
que depois, tranqüilo e morno
dos corais até a areia
(cuja finura seduz),
por água tem luz azul —
que permaneçam secretas
e inacessíveis, senão
a alguma imensa obsessão.
OBSESSÃO 2
A nascente desse rio-
gigante está numa mata
densa que nenhuma estrada
corta e não há nenhum risco
de que corte, pois, a cada
agressão que sofre, a selva
vinga ainda mais espessa
e intratável, e arrecada
um tributo mais macabro
das vidas dos insolentes:
e ela fica assim, latente,
a jorrar de pedra ou barro,
inacessível senão
a alguma imensa obsessão.
(1 e 2, ambos do livro “A cidade e os livros”)
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ONDA
Conheci-o no Arpoador,
garoto versátil, gostoso,
ladrão, desencaminhador
de sonhos, ninfas e rapsodos.
Contou-me feitos e mentiras
indeslindáveis por demais:
eu todo ouvidos, tatos, vistas,
e pedras, sóis, desejos, mares.
E nos chamamos de bacanas
e prometemo-nos a vida:
Comprei-lhe um picolé de manga
e deu-me ele um beijo de língua
e mergulhei ali à flor
da onda, bêbado de amor.
(do livro “Guardar”)
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STROMBOLI
Dormes,
Belo.
Eu não, eu velo
Enquanto voas ou velejas
E inocente exerces teu império.
Amo: o que é que tu desejas?
Pois sou a noite, somos
Eu poeta, tu proeza
E de repente exclamo:
Tanto mistério é,
Tanta beleza.
(do livro “Guardar”)
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MARESIA
O meu amor me deixou
Levou minha identidade
Não sei mais bem onde estou
Nem onde a realidade.
Ah, se eu fosse marinheiro
Era eu quem tinha partido
Mas meu coração ligeiro
Não se teria partido
Ou se partisse colava
Com cola de maresia
Eu amava e desamava
Sem peso e com poesia.
Ah, se eu fosse marinheiro
Seria doce meu lar
Não só o Rio de Janeiro
A imensidão e o mar
Leste oeste norte sul
Onde um homem se situa
Quando o sol sobre o azul
Ou quando no mar a lua
Não buscaria conforto
Nem juntaria dinheiro
Um amor em cada porto
Ah, se eu fosse marinheiro.
(do livro “Guardar”)
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DITA (para Dedé Veloso)
Qualquer poema bom provém do amor
narcíseo. Sei bem do que estou falando
e os faço eu mesmo pondo à orelha a flor
da pele das palavras, mesmo quando
assino os heterônimos famosos:
Catulo, Caetano, Safo ou Fernando.
Falo por todos. Somos fabulosos
por sermos enquanto nos desejando.
Beijando o espelho d’água da linguagem,
jamais tivemos mesmo outra mensagem,
jamais adivinhando se a arte imita
a vida ou se a incita ou se é bobagem:
desejarmo-nos é a nossa desdita,
pedindo-nos demais que seja dita.
(do livro “Guardar”)
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NÊNIA
A morte nada foi para ele, pois enquanto vivia não
havia a morte e, agora que há, ele já não vive. Não
temer a morte tornava-lhe a vida mais leve e o dis-
pensava de desejar a imortalidade em vão. Sua vida
era infinita, não porque se estendesse indefinidamente
no tempo mas porque, como um campo visual, não
tinha limite. Tal qual outras coisas preciosas, ela não
se media pela extensão mas pela intensidade. Louvemos
e contemos no número dos felizes os que bem
empregaram o parco tempo que a sorte lhes emprestou.
Bom não é viver, mas viver bem. Ele via a luz do
dia, teve amigos, amou e floresceu. Às vezes anuviava-se
o seu brilho. Às vezes era radiante. Quem pergunta
quanto tempo viveu? Viveu e ilumina nossa memória.
(do livro “A cidade e os livros”)
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HISTÓRIA
A história, que vem a ser?
mera lembrança esgarçada
algo entre ser e não-ser:
noite névoa nuvem nada.
Entre as palavras que a gravam
e os desacertos dos homens
tudo o que há no mundo some:
Babilônia Tebas Acra.
Que o mais impecável verso
breve afunda feito o resto
(embora mais lentamente
que o bronze, porque mais leve)
sabe o poeta e não o ignora
ao querê-lo eterno agora.
(do livro “A cidade e os livros”)
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HUIS CLOS
Da vida não se sai pela porta:
só pela janela. Não se sai
bem da vida como não se sai
bem de paixões jogatinas drogas.
E é porque sabemos disso e não
por temer viver depois da morte
em plagas de Dante Goya ou Bosh
(essas, doce príncipe, cá estão)
que tão raramente nos matamos
a tempo: por não considerarmos
as saídas disponíveis dignas
de nós, que em meio a fazes e urina,
sangue e dor nascemos para lendas,
mares, amores, mortes serenas.
(do livro “A cidade e os livros”)
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SAIR
Largar o cobertor, a cama, o
medo, o terço, o quarto, largar
toda simbologia e religião; largar o
espírito, largar a alma, abrir a
porta principal e sair. Esta é
a única vida e contém inimaginável
beleza e dor. Já o sol,
as cores da terra e o
ar azul — o céu do dia —
mergulharam até a próxima aurora; a
noite está radiante e Deus não
existe nem faz falta. Tudo é
gratuito: as luzes cinéticas das avenidas,
o vulto ao vento das palmeiras
e a ânsia insaciável do jasmim;
e, sobre todas as coisas, o
eterno silêncio dos espaços infinitos que
nada dizem, nada querem dizer e
nada jamais precisaram ou precisarão esclarecer.
(do livro “A cidade e os livros”)
Prezado Paulinho,
Que alegria ter descoberto o seu blog, através do “Acontecimentos” do A. Cicero. Desde que frequento o blog do Cicero observo os seus comentários, sempre originais e iluminados. Adorei a seleção de poemas e passarei todos os dias por aqui. Vou “linkar” imediatamente o
“Prosa em poema” ao meu blog.
Parabéns.
Felicidades.
Grande abraço.
Mariano
mariano,
que alegria a minha de contar com a sua presença, também sempre iluminada e original!
por favor, sinta-se à vontade.
isto aqui é um abrigo para quem quiser!
beijo!