queridões e queridonas,
abaixo, um texto que é, sem sombras de dúvida, um veneno antimonotonia; um texto iluminado e elucidativo.
linhas que falam sobre “poemas”, estas pílulas superpotentes, capazes de esmurrar o tédio, a monotonia das palavras, existente no uso cotidiano que fazemos delas, derrotando-o/a (o tédio, a monotonia) por nocaute.
linhas escritas para a apresentação do livro “veneno antimonotonia – os melhores poemas e canções contra o tédio”, debuxadas por um poeta que possui uma grande responsabilidade pelo meu esmero, pelo meu carinho, pelo meu cuidado para com a língua portuguesa. um poeta com o qual muito aprendi, e continuo aprendendo: eucanaã ferraz.
fartem-se com tamanha riqueza!
beijo bom em todos.
o preto.
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NOTAS DE UM ANTOLOGISTA (eucanaã ferraz)
Todo poema é, por princípio, um veneno antimonotonia.
O uso contínuo, repetitivo e mecânico da língua torna-a enfadonha, rotineira. O poema, ao contrário, faz-se por deslocamentos da língua e acarreta no seu ponto ideal uma ruptura da monotonia em vários campos da realidade: arte, política, subjetividade, comportamento, gosto, moral. Na escrita poética, suspende-se o valor lógico-utilitário das coisas cotidianas e com ela transportamo-nos em movimentos de fruição e reflexão novos, inesperados, anteriores mesmo à compreensão, pois antes de “entendermos” os versos, sentimos que com eles uma parte de nós — antes sedimentada — lançou-se para uma zona de prazer e surpresa.
Entendamos a monotonia como um fato da linguagem. Ou, ainda, como uma patologia nascida das repetições, do ramerrão de fórmulas e clichês. Contra ela, textos — sobretudo em versos, estas pílulas superpotentes — capazes de avançar contra o ritualismo do tédio com uma linguagem fundada no deslocamento, na verticalidade e na pluralidade.
O sentido único é a máxima monotonia. Aquilo que a envenena é o nosso antídoto: textos que nunca descansarão na horizontalidade de uma significação estática e fazem ver inequivocamente a dimensão que os caracteriza: serem ilimitados.
(…)
A alegria, a saúde, a sedução, o desejo, as intensidades.
Este seria, portanto, o que se chama livro “de auto-ajuda”. Algo possível, sim, desde que ajuizemos as obras de arte em geral como objetos capazes de fazer bem à alma, afiar a inteligência, ajudar a compreender o mundo, reafirmando-se com isso, especificamente, a vocação utópica da poesia.
Pondo em juízo, porém, os tais livros “de auto-ajuda”, percebemos sem esforço o quanto são uma fala-farmácia alicerçada no bom senso, na norma, na regularização e na satisfação otimista da opinião ordinária, a oferecer-nos ideais de equilíbrio, receitas de felicidade e sucesso, bem como adequações a uma normalidade social cujo caráter ideológico se dissimula numa áurea de (impossível) naturalidade psicológica, sociológica, estética e moral. O que procuram instituir, então, é uma espécie de quietude do imaginário, já que apaziguado pela orientação fácil e pela cessação da dúvida. Mas o que seria isto senão uma absoluta monotonia?
Uma reunião de poemas-venenos contra a monotonia deve, portanto, ser o inverso dos livros “de auto-ajuda”, caracterizando-se como uma orientação (uma desorientação?) para fora dos circuitos dos padrões convencionais. Em vez da economia restritiva dos afetos, da cautela diante do prazer, ponham-se o desperdício e a livre energia que faz passar à frente dos limites acanhados do que represa, do que é previsível, do que é apenas regular. O excesso antimonótono é o que estimula, seduz, incita a agilidade, sem nunca chegar ao fim.
(…)
A monotonia faz-nos sérios e aborrecidos.
Os poemas (…) têm espírito (palavra que nomeia a parte imaterial do humano que é ao mesmo tempo a alma, a inteligência, o afeto, o brilho, ou ainda o ânimo para um posicionamento inesperado da linguagem, capaz de seqüestrar o desgosto, a náusea).
(…)
Aqui, desde o início, a palavra poemas nomeia igualmente os versos escritos para o livro e aqueles feitos para a canção. Recuando de uma institucionalização imobilizadora, os versos, independentemente de seus suportes e de suas especificidades estruturais, podem ser pensados como peças do intertexto da cultura e viver (…) a vizinhança harmoniosa que experimentam em outras esferas. Suspensos os falsos conflitos e aceitas as diferenças essenciais, a conciliação faz brilhar um campo vasto, um horizonte de linguagens cuja potência magnífica nos promete a aventura e o conhecimento.
(…)
Veneno antimonotonia: designação genérica para aquilo que o verso traz vivo — beleza, rebelião, humor, delicadeza, espanto, entusiasmo, delírio, construção.
Este texto não é uma bula.
(texto de apresentação do livro veneno antimonotonia – os melhores poemas e canções contra o tédio. autores: vários. organização dos textos: eucanaã ferraz.)
[…] o texto de apresentação, belíssimo e escrito pelo poeta eucanaã ferraz, pode ser lido aqui: https://prosaempoema.wordpress.com/2009/09/18/notas-de-um-antologista/. nas linhas que seguem, as minhas estima e admiração pelos que ardem, pelos que queimam, […]