O DESEJO DO CONTEMPORÂNEO

queridos e queridas,
 
abaixo, um artigo publicado na coluna da ilustrada, de antonio cicero, do jornal a folha de são paulo, e depois em seu blog, o “acontecimentos”. o assunto em pauta nos é “contemporâneo” (rs).
 
depois do artigo, um texto com as minhas considerações, enviado ao meu amigo cicero.
 
deliciem-se com as linhas a seguir! deveras esclarecedoras!
 
beijo em vocês,
paulo sabino / paulinho.
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O desejo do contemporâneo (artigo de antonio cicero, publicado na sua coluna da ilustrada, folha de são paulo, em 30 de maio)
 
O FILÓSOFO Gilles Deleuze diz que “uma boa maneira de ler, hoje em dia, seria tratar um livro assim como se escuta um disco, assim como se vê um filme ou um programa de televisão, assim como se acolhe uma canção: qualquer tratamento do livro que exija para ele um respeito, uma atenção especial, corresponde a outra época e condena definitivamente o livro”.

Por mim, cada qual que leia o que quiser da maneira que lhe aprouver. Contudo, quando leio, por exemplo, as bobagens ou trivialidades que são cotidianamente escritas sobre Nietzsche por alguns dos seus fãs, tenho a impressão de que hoje praticamente todo o mundo já adotou a maneira de ler recomendada pelo autor de “Diferença e Repetição”. E então tendo a achar que Heidegger é que estava certo, quando recomendava aos seus alunos que adiassem a leitura de Nietzsche para depois que estudassem Aristóteles durante uns dez ou 15 anos.

Deleuze jamais concordaria com isso, pois considerava repressiva a história da filosofia. Segundo ele, as pessoas não se sentem no direito de pensar antes de terem lido Platão, Descartes, Kant e Heidegger. Talvez. Mas eu diria antes que quem não quer pensar sempre acha uma desculpa para tal. Se, na França, é a história da filosofia, no Brasil é a filosofia contemporânea que tem esse papel. Tradicionalmente o brasileiro, tendendo a considerar-se atrasado em relação ao que se discute no Primeiro Mundo, não se dá o direito a pensar antes de estar a par do “dernier cri” europeu ou norte-americano. Ora, mal se conhece o “dernier cri” e ele já deixou de o ser, de modo que, correndo-se atrás do próximo, deixa-se para pensar por conta própria mais tarde.

Além disso, quem só deseja estar “up to date” acaba por jamais ler os clássicos. A leitura dos contemporâneos toma-lhe todo o tempo. Tal pessoa espera que os autores da moda lhe indiquem quais dos autores do passado ainda devem ser respeitados (por exemplo, Spinoza e Nietzsche) e quais devem ser desprezados (por exemplo, Descartes e Hegel). E, no mais das vezes, como aquilo que os contemporâneos escrevem sobre os autores que recomendam é considerado justamente o supra-sumo destes, torna-se supérflua a leitura dos originais.

Pensemos no significado desse desejo de ser contemporâneo. “Contemporâneo” quer dizer “do mesmo tempo” ou “do mesmo tempo que”. Quando dizemos, por exemplo, “Mário e Oswald foram contemporâneos”, queremos dizer: “Mário e Oswald foram do mesmo tempo”; e quando dizemos “Leonardo foi contemporâneo de Michelangelo”, queremos dizer: “Leonardo foi do mesmo tempo que Michelangelo”.

Quando, por outro lado, digo que uma coisa ou pessoa é contemporânea, sem explicitar de quê ou de quem, fica sempre implícito que essa coisa ou pessoa é contemporânea de mim, que estou a dizê-lo. Se digo, por exemplo, “Giorgio Agamben é um filósofo contemporâneo”, quero dizer que ele é meu contemporâneo: o que poderia ser dito pelas palavras “Giorgio Agamben é um filósofo do mesmo tempo que eu”. Ou seja, o que quer que seja contemporâneo, sem mais, é contemporâneo de mim (seja quem eu for). É claro que, como a contemporaneidade consiste em uma relação comutativa, não posso deixar de, reflexivamente, me reconhecer contemporâneo das coisas ou pessoas que me são contemporâneas.

Isso significa que não tem sentido que eu – seja quem eu for – me diga contemporâneo, sem mais. “Eu sou contemporâneo” significa apenas: “Eu sou do mesmo tempo que eu”. Assim também, não tem sentido desejar ser contemporâneo, sem mais, pois “desejo ser contemporâneo” significa apenas: “Desejo ser do mesmo tempo que eu”. Finalmente, não tem sentido desejar ser contemporâneo de alguma coisa ou pessoa contemporânea, uma vez que eu já sou, evidentemente, contemporâneo de quem me é contemporâneo.

Assim, o desejo do contemporâneo não passa de sintoma de um agudo provincianismo temporal. Quando se manifesta no campo da filosofia, talvez o melhor antídoto para ele seja exatamente a leitura cuidadosa dos clássicos.

E, de volta a Deleuze, devo dizer que, no lugar de tratar um livro como normalmente se escuta uma canção, acho mais proveitoso, de vez em quando, escutar algumas canções com o respeito e a atenção especial que o bom leitor jamais deixará de dedicar aos bons livros.

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cicero cicero cicero cicero,

que DELÍCIA este seu texto! puta que pariu três vezes (rs)!

ri MUITO durante o desenvolvimento das suas linhas. porque você é tão lógico, tão claro — tão lúcido! —, que chega a ser divertido! é um tapa na cara de todos: suas palavras desvendam o que está na frente de todos, a um palmo do nariz, e que, muitas e muitas e muitas vezes, não se consegue ver.

quando iniciei a leitura, de pronto não gostei do tal filósofo gilles deleuze. pensei: “mas que pensamento torto! quem disse a ele que, ao escutar uma canção, ao assistir a um filme ou ao ver um programa de tv, escute tal canção ou assista ao tal filme ou ao tal programa de tv com uma atenção menor do que a dispensada na leitura de um livro?”

a atenção que dispenso a um livro do antonio cicero (rs), a um do drummond ou a um de clarice, é a mesma que disponibilizo às canções de caetano, às do chico buarque, às do gilberto gil, às de antonio cicero (rs).

de fato, só um mal leitor, apenas um leitor preguiçoso, dignifica uma postura como a defendida por deleuze.

belezas nunca se fazem excludentes. sempre sempre sempre: complementares, enriquecedoras, não importando a fonte — se um livro, um disco, um filme, um quadro, se uma peça de teatro, um encontro com amigos ou um programa de tv —.

tudo lindo, tudo benvindo, meu poetósofo de primeira grandeza!

beijo enorme em você!

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