mergulhar nas funduras de si, sem o medo paralisante das escuridões — um náufrago existencial —.
olhar-se como se um espelho à primeira vista, sofrendo espanto, horror, pela coisa avistada. mirar-se egresso do próprio espírito, da própria enfibratura.
precipitar-se ao abismo. à sua beira, tirar os pés do chão, e pular, saltar, arriscadamente. quedar-se em si, sem medo de onde irá parar. (livrar-se da mediocridade.)
ter a existência como um trampolim. o salto no escuro. o não entendimento. a complexidade dos sentimentos. a perplexidade ante a vida e seus acometimentos.
aprendendo a viver. (aprendendo a ser duas cadeiras e uma maçã, sem me somar.)
aprendendo a lição. mas quem o professor? e quem o aluno? (vida: escola onde o que aprende é o mesmo que ensina, sem diferenciações. um mestre aprendiz, a esfinge sem enigma decifrado.)
abaixo, mais um tanto de trechos das obras da grande e sempre espetacular clarice lispector. um tanto de poesia em prosa.
aproveitem toda a prosa poética, vale a leitura!
beijo em vocês,
paulo sabino / paulinho.
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(citações extraídas do livro: Aprendendo a viver — imagens. autor: Clarice Lispector. edição de texto: Teresa Montero. editora: Rocco.)
Se uma pessoa fizesse apenas o que entende,
jamais avançaria um passo.
***
O presente é o instante em que a roda do automóvel
em alta velocidade toca minimamente no chão.
E a parte da roda que ainda não tocou,
tocará num imediato que absorve
o instante presente e torna-o passado.
Eu, viva e tremeluzente como os instantes,
acendo-me e me apago, acendo e apago, acendo e apago.
***
Pelas plantas dos pés subia um estremecimento de medo,
o sussurro de que a terra poderia aprofundar-se.
E de dentro erguiam-se certas borboletas batendo
asas por todo o corpo.
***
Não nos temos entregues a nós mesmos, pois isso
seria o começo de uma vida larga e nós a tememos.
***
Saudade é um pouco como fome. Só passa quando
se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão
profunda que a presença é pouco: quer-se absorver
a outra pessoa toda. Essa vontade de ser o outro
para uma unificação inteira é um dos sentimentos
mais urgentes que se tem na vida.
***
Você de repente não estranha de ser você?
***
Vou continuar, é exatamente da minha natureza
nunca me sentir ridícula, eu me aventuro sempre,
entro em todos os palcos.
***
A revelação do amor é uma revelação de carência —
bem-aventurados os pobres de espírito porque
deles é o dilacerante reino da vida.
***
Esperança é como o girassol que à toa se vira
em direção ao sol. Mas não é à toa: virar-se
para o sol é um ato de realização de fé.
***
Não temos sido puros e ingênuos para não rirmos
de nós mesmos e para que no fim do dia possamos
dizer “pelo menos não fui tolo” e assim não ficarmos
perplexos antes de apagar a luz.
***
Quero escrever movimento puro.
***
Eu, gazela espavorida e borboleta amarela.
Eu não passo de uma vírgula na vida.
Eu que sou dois pontos. Tu, és a minha exclamação.
Eu te respiro-me.
***
Ah, milhares de pessoas não têm coragem
de pelo menos prolongar-se um pouco mais
nessa coisa desconhecida que é sentir-se,
e preferem a mediocridade.
***
Olha para mim e me ama.
Não: tu olhas para ti e te amas.
É o que está certo.
***
Não se pode falar do silêncio como se fala da neve.
O silêncio é a profunda noite secreta do mundo.
E não se pode falar do silêncio como se fala
da neve: sentiu o silêncio dessas noites?
Quem ouviu não diz. Há uma maçonaria do silêncio
que consiste em não falar dele e de adorá-lo sem palavras.
***
Parambólica — o que quer que queira dizer essa palavra.
Parambólica que sou. Não me posso resumir porque
não se pode somar uma cadeira e duas maçãs.
Eu sou uma cadeira e duas maçãs. E não me somo.
***
Respeite a você mais do que aos outros, respeite
suas exigências, respeite mesmo o que é ruim em você —
respeite sobretudo o que você imagina que é ruim em você
— pelo amor de Deus, não queira fazer de você uma pessoa
perfeita — não copie uma pessoa ideal, copie você mesma —
é esse o único meio de viver.
***
Eu te conheço até o osso por intermédio
de uma encantação que vem de mim para ti.
Só há uma coisa que me separa de você:
o ar entre nós dois. Às vezes para ultrapassar
esse quase cruel afastamento, eu respiro
na tua boca que então me respira e
eu te respiro. Mas só por um único instante,
senão sufocaríamo-nos: seria o castigo
que se recebe quando um tenta ser o outro.
***
Liberdade é pouco. O que desejo ainda não tem nome.
***
Não haverá nenhum espaço dentro de mim para
eu saber que existe o tempo, os homens, as dimensões,
não haverá nenhum espaço dentro de mim para notar
sequer que estarei criando instante por instante,
não instante por instante: sempre fundido, porque então
viverei, só então viverei maior do que na infância,
serei brutal e malfeita como uma pedra, serei leve
e vaga como o que se sente e não se entende,
me ultrapassarei em ondas.
***
Existir é tão completamente fora do comum que
se a consciência de existir demorasse mais de alguns
segundos, nos enlouqueceríamos. A solução para esse
absurdo que se chama “eu existo”, a solução é amar
um outro ser que, este, nós compreendemos que exista.
***
Mas o que é verdadeiramente imoral é
ter desistido de si mesma.
***
Amar os outros é a única salvação individual
que conheço: ninguém estará perdido se der amor e
às vezes receber amor em troca.
***
Eu vou lhe dar de presente uma coisa.
É assim: borboleta é pétala que voa.
***
Eu escrevo como se fosse para salvar a vida de alguém.
Provavelmente a minha própria vida. Viver é uma espécie
de loucura que a morte faz. Vivam os mortos
porque neles vivemos.
***
Ah, Deus, e que tudo venha e caia sobre mim,
até a incompreensão de mim mesma em certos
momentos brancos porque basta me cumprir e então
nada impedirá meu caminho até a morte-sem-medo,
de qualquer luta ou descanso me levantarei
forte e bela como um cavalo novo.
Prosa e poema….Paulinho….
Poemas assim como sorrisos sinceros e olhares cheios de presença emocionam, deixam uma sensação boa de que vale a pena existir!
Que delícia sentir isso! obrigada pela prosa e pelos poemas! Beijos
bianca, querida e doce e meiga e delicada bianca,
que prazer tê-la aqui!
venha sempre que quiser, as portas estão abertas!
beijo grande!
outro enorme no pedrinho!