prezados,
o poema que segue deve a sua existência a dias como este, que, à primeira hora, desabou com uma luz atonal aguda do mais alto degrau do céu por sobre a cidade do rio de janeiro. o calendário marca a estação do estio, com seus fogos excessivamente facão — e sua lâmina afiada —, com seus fogos excessivamente balão — e suas luminosidades (artificiais) —.
uma manhã radiante, de um azul que quase arromba a retina de quem vê.
os versos abaixo confabulam uma ode ao gáudio que nos toma a visão, observando as nuances de um dia que se desflora avassaladoramente límpido, claro, sem véus.
e, junto à homenagem à pletora das cores, uma homenagem à poesia, capaz de descrever-nos
, entre um verso e
outro ,
a rua cintilante, silenciosa, que se abre à folha de papel, e que vai dar fora dela.
(atentem aos jogos poéticos, às brincadeiras propostas pela disposição das estrofes.)
percebam como a poesia vai se desvelando, deixando-se entrever, como se numa tela de cinema, cheia de planos & ângulos & contraplanos. o título do livro não é em vão. (sobre ele, o livro, sobre as poesias que o formam e sobre a importância do autor na minha vida, escreverei num outro momento.)
deixem que a l u z a z u l do dia, do poema, avance por suas bocas, narinas e olhos adentro, deixem que ela, a l u z a z u l, lhes tome todo o corpo, invada todos os jardins cultivados por sobre a estrutura corpórea composta de carne & vísceras.
beijo grande em vocês!,
muita luz em nossas jornadas!,
o preto,
paulo sabino / paulinho.
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(do livro: Cinemateca. autor: Eucanaã Ferraz. editora: Companhia das Letras.)
TRIUNFO
I
Da primeira hora do dia a luz atonal,
aguda do mais alto degrau
desaba. A manhã parece obrigar-se
por escrito a dissipar os covardes,
que rebentarão audazes, convertidos
em outros se um tal azul lhes avança
pela boca, narinas e olhos adentro.
Num dia assim, tudo parece novo,
perto, a história do mundo um traço
abstrato e, no entanto, inteligível:
movimento sem fim, o só abrir-se
do aberto: ritmo.
II
Os ponteiros têm pressa, nuvens
são trapos imprestáveis, o calendário
marca o início do verão e seus fogos
excessivamente facão, balão.
Herberto diz que Deus é o cubo
de açúcar que se dissolve no leite,
cito enquanto assisto ao medo
que sobrou da noite desprender
-se de meus cabelos e no mormaço
modificar-se num bicho manso.
Lembro-me de Gilliatt, doido, que
não podia crer que o ar fosse deserto.
Se o mar é cheio de criaturas, dizia,
também a atmosfera há de ter
seus peixes, cardumes diáfanos
de claridade traspassados, que,
sem sombra, seguem ignorados;
esvaziássemos a atmosfera,
pescando-se no ar como num tanque,
achar-se-iam milhões de seres inexplicáveis
e com eles muitas coisas se explicariam.
Quanto a mim, imagino que
talvez pudesse vê-la, a poesia,
naquele vazio, entre um verso e
III
outro, naquela (nesta) espécie de rua cintilante,
silenciosa, reta que vai dar fora da folha.
Paulinho,
Excelente! Adoro Eucanaã! Você sabia que a esposa do Eucanaã, a Graça, é irmã do Beto que foi casado com a minha irmã? Pois é! Como o mundo é pequeno, né?
Grande abraço,
Adriano Nunes.
caramba, adriano, que coincidência! e das boas!
de fato, o mundo é muito pequeno. veja esta outra coincidência aqui: há um tempo, uma amiga (chamada kédman) me contou, também por conta de um poema que enviei a ela, que conhece o eucanaã, se não me engano os dois foram vizinhos, moraram na mesma rua quando adolescentes(!).
beijo grande!