ainda que o poeta não receba os louros & louvores & bênçãos da platéia que a ele assiste, no conforto de assentos tugúrios, sua voz não pode ser calada, sua voz não consegue ser contida como água no aquário.
sendo ela ave rara, que não vive em gaiola nem em jaula, a melhor forma de retê-la é soltá-la, como quando se solta um grito no escuro.
mesmo que o poeta não seja aplaudido por um auditório tartamudo, assustado com a sua apresentação lírico-circense obscena e cheia de caretas — mostrando a bunda da sintaxe, dando bolachas nas palavras —, sua voz não pode ser detida. ela alça vôo no ar: um grito no escuro.
o poeta não canta. seu instrumento é a voz rasgada, falseada, de fera — mansa.
poesia não é canto; poesia é um grito no escuro. não se sabe nada. (alguém escuta tal grito? quem escuta tal grito? como tal grito é recebido por quem o escuta? para que serve o grito que ressoa? para onde o grito é lançado?)
abaixo, um berro belo, que, segundo a minha audição, merece ser ouvido (e ecoado).
beijo grande em vocês,
paulo sabino / paulinho.
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(do livro: Enquanto velo teu sono. autor: Adalberto Müller. editora: 7Letras.)
GRITO NO ESCURO (Para Ricardo Corona)
Ninguém aplaude o poeta
palhaço
de um circo em ruínas
que insiste em
dar bolachas nas palavras
mostrar a bunda da sintaxe
fazer caretas e gestos obscenos
para um auditório
tartamudo.
Não
ele não canta
seu instrumento é a voz
quebrada
rasgada
falsa
de fera mansa
sua fala
não convence
a platéia que se esconde
no conforto
de assentos tugúrios.
Ninguém aplaude o poeta
mas ele não cala
sua voz
ele não pode contê-la
como água no aquário.
Sendo ela ave rara
que não vive em gaiola
nem em jaula
a melhor forma de retê-la
é soltá-la
como se solta um grito
no escuro.
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