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caminhar, caminhar, sobre os rios que se vão…
caminhar, caminhar, como propõe a canção, braços dados ou não — diz luís de camões, diz geraldo vandré.
caminhar, caminhar, e desavir-se consigo, e pôr-se em desavença, porém, ainda assim, consigo estar, marejando — gotejando, vertendo — o caminho do sal (da graça, da vivacidade) na pedra, lapidando os seus pés na trilha traçada.
caminhar, caminhar, e compor um lugar de sentido para si mesmo, compor um caminhar-abrigo, um caminhar que nos contente de ser seguido, que nos contente por ser construído, onde os pés vão juntos, cadenciados, dispostos no mesmo areal onde a mente é longínqua, na beira do mar.
(caminhar, caminhar, e que haja, por tanto caminhar, pés calejados, pés de andanças.)
caminhar, caminhar, e, entre o bem e o mal, decidir: pela vida.
(a idéia, que seja longelínea, que se pendure e se estique à linha longe do horizonte, para que os sonhos & desejos se estendam & se espraiem em lugar abissal, profundo em nós. e os pés, que sejam verossímeis, que os pés pisem o chão com força & vontade, decididos, no limite do mar, e avancem.)
caminhar, caminhar, caminhar, e ter o mar, sempre, como sagrado chão…
caminhar por terras marinhas, prosseguir pelo chão das águas salgadas, abeirar-se delas e afogar-se nelas, para, então, o ressurgimento com a alma lavada, com a alma limpa.
nem canto, nem sequer jamais cantei, saudades, pois saudade tenho não.
meu canto é o canto certo (canto certo que não sei, que vou tecendo enquanto canto), e o mar, aquele mar do coração…
caminhar, caminhar, caminhar rumo ao mar, este sagrado chão.
(abaixo, dois magistrais poemas de um poeta que venho descobrindo. reparem no achado que é o título do segundo poema: feito todo de versos alexandrinos, isto é, de versos compostos por doze sílabas poéticas, e no estilo “agalopado”, estilo utilizado por cantadores nordestinos em dispustas ou desafios entre versejadores repentistas.)
êêêêêê, mar: ao contrário do que alguns preferem afirmar, eu não morrerei jamais sem saber da sua imensidão…
salgado mar: eternamente em mim: sagrado chão.
beijo bom em todos,
o preto,
paulo sabino / paulinho.
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(do livro: Aquém das Retinas. autor: Mauricio Matos. editora: 7Letras.)
Ê MAR SALGADO MAR SAGRADO CHÃO
ê mar salgado mar sagrado chão
outrora em meus destinos te encontrei
tirano e venerado
como o rei
sublime e necessário
como o pão
agora só te vejo
qual direi?
o réquiem do que fora em minha mão
o solo ora rachado
algum sertão…
ê mar salgado mar não cantarei
nem canto nem sequer jamais cantei
saudades pois saudade
tenho não
meu canto é o canto certo
que não sei
e o mar
aquele mar do coração…
ê mar as tuas águas
como vão?
dizer das minhas mágoas
já não sei
ê mar salgado mar não morrerei
jamais sem te saber a imensidão
ê mar salgado mar salgado mar
ê mar salgado mar
sagrado chão…
ALEXANDRINO AGALOPADO AO LIMITE DO MAR
Caminhar, caminhar, sobre os rios que vão…
sermos todos iguais, braços dados ou não…
diz Luís de Camões, diz Geraldo Vandré;
caminhar todavia depende da fé,
ser cavalo-de-tudo, e fazer procissão.
Caminhar, caminhar, afinal, caminhar,
desavir-se consigo e consigo inda estar
marejando na pedra o caminho do sal,
lapidando seus pés, como fosse um jogral
a fazer ekiphrasis na beira do mar.
Caminhar, caminhar, de outros tempos virão
conhecer-se em percursos os homens de então;
e, correndo perigo, demônios até
pelas praias verá, se for alta a maré,
quem do mar, em si mesmo, tiver precisão.
Caminhar, afinal, caminhar, caminhar,
caminhando compor de sentido um lugar,
matemático e métrico, igual por igual,
onde os pés vão dispostos no mesmo areal,
onde a mente é longínqua, na beira do mar.
Caminhar, caminhar, nos propõe a canção,
e haja pé calejado em profundo sertão,
que, na beira do mar, o caminho não é
nem o indício de um outro lugar, onde o pé
o horizonte percorre, em verdade ou em vão.
Afinal, caminhar, caminhar, caminhar…
pela praia infinita e final, par a par;
decidir pela vida, entre o bem e o mal:
longilínea a idéia, em lugar abissal,
verossímeis os pés, no limite do mar.
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