benvindos,
saí do rio de janeiro para buenos aires decidido a achar, em espanhol, alguma edição da obra completa do poeta mexicano octavio paz.
daniel oiticica, amigo que estou visitando, na quinta-feira, dia 17, levou-me a uma belíssima livraria que ocupa um teatro inteiro, “el ateneu”, para ver se conseguia o que tanto desejava.
para a minha tristeza, nada de octavio paz (em poesia) encontrei. porém, em compensação, topei com um livro que se mostrou, aos meus olhos, um verdadeiro achado: a edição bilíngüe (em português e espanhol) da obra poética completa do grande escritor josé saramago(!!!). fiquei de cara com o que encontrei, pois não fazia a menor idéia de que o saramago era também poeta. foi, verdadeiramente, uma grata & feliz surpresa.
(a surpresa e o contentamento com o saramago suplantaram a frustação de não levar para casa, ainda que não a obra completa, alguma coisa de octavio paz no original.)
no dia seguinte, 18, sou acordado pelo dani com a seguinte pergunta: “sabe quem morreu?” naturalmente respondi-lhe que “não, não sabia”. ele emendou: “de quem é o livro que você comprou ontem e adorou ter comprado?” na ponta da língua estava a resposta: “do josé saramago”. dani ficou quieto, mudo, me olhando, e eu fiquei pasmado com a coincidência dos fatos…
josé saramago foi um dos maiores escritores da língua portuguesa de todos os tempos.
sua sabedoria lingüística — as imagens fortes & certeiras, suas construções frasais inusitadas & extensas, os temas dos seus romances, as suas opiniões escapulidas das entrelinhas, suas tramas bem como as resoluções e desfechos encontrados — fê-lo um COLOSSO das linhas.
abaixo, a minha singela homenagem a josé saramago, ser mago das palavras, com algumas das suas poesias.
numa delas, o autor afirma que um poema não é esquecido nem adiado se o “corpo da palavra” que o forma for moldado em ritmo, segurança e consciência, isto é, se, no poema, o trabalho do poeta for sério, for criterioso, se o trabalho do poeta for rigoroso ao realizar o encaixe de suas palavras.
essa qualidade, tão cara, saramago tem de sobra, para dar & vender.
deliciem-se com a mesma sagacidade & inteligência de sempre!
(saravá, mestre!)
um beijo em todos,
paulo sabino / paulinho.
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(do livro: Poesia completa. autor: José Saramago. editora: Grupo Santillana / Alfaguara.)
ARTE POÉTICA
Vem de quê o poema? De quanto serve
A traçar a esquadria da semente:
Flor ou erva, floresta e fruto.
Mas avançar um pé não é fazer jornada,
Nem pintura será a cor que não se inscreve
Em acerto rigoroso e harmonia.
Amor, se o há, com pouco se conforma
Se, por lazeres de alma acompanhada,
Do corpo lhe bastar a presciência.
Não se esquece o poema, não se adia,
Se o corpo da palavra for moldado
Em ritmo, segurança e consciência.
CONTRACANTO
Aqui, longe do sol, que mais farei
Senão cantar o bafo que me aquece?
Como um prazer cansado que adormece
Ou preso conformado com a lei.
Mas neste débil canto há outra voz
Que tenta libertar-se da surdina,
Como rosa-cristal em funda mina
Ou promessa de pão que vem nas mós.
Outro sol mais aberto me dará
Aos acentos do canto outra harmonia,
E na sombra direi que se anuncia
A toalha de luz por onde vá.
ATÉ A FIM DO MUNDO
É tempo já, Inês, o mundo acaba
Em que amor foi possível e urgente;
A promessa talhada nessa pedra,
Ou é cumprida hoje, ou tudo mente.
METÁFORA
Trago nas mãos um búzio ressoante
Onde os ventos do mar se reuniram,
E das mãos, ou do búzio murmurante,
Alastra em cor e som irradiante
A beleza que os olhos te despiram.
GOSTO MUITO DA OBRA DE JOSÉ SARAMAGO, SIMPLESMENTE GENIAL! LÊR SEUS INSCRITOS, É COMO OBSERVAR UMA OBRA DE ARTE, UM QUADRO QUE NOS TRANSPORTA…
concordo, sandra!
saramago é o cara mago das palavras, tudo nele transpira arte, sagacidade, vivacidade.
o que acho o máximo é que o autor, aos meus olhos, permanece vivíssimo em suas obras!
beijo grande!