(trecho do texto de apresentação do livro: O que é poesia?. organização: Edson Cruz. editora: Confraria do Vento / Caliban.)
POETAS À QUEIMA ROUPA (autor: Edson Cruz)
As perguntas mais ingênuas, e legítimas, são sempre as mais espinhosas e difíceis de responder. Quando você pergunta a um marceneiro o que é marcenaria, ele, quase sempre, sorri satisfeito com a possibilidade de discorrer sobre sua arte e, quem sabe, seduzir mais um neófito para seu ofício tão amado. O mesmo pode ser válido para outros artistas, por exemplo, um ator. O que é teatro?, você dispara, e ele mata a bola no peito e ainda faz várias embaixadinhas antes de responder, falastrão.
Ainda que todas as artes tenham a sua especificidade e complexidade, os escritores — e, particularmente, os poetas — acreditam que a sua seja a mais complexa e inescrutável de todas. Bafejados pelas musas, os escritores são os seres mais suscetíveis do planeta. E os poetas, minha turma preferida, são a essência cintilante do que denominamos escritor. E dá-lhe suscetibilidade, pois eles carregam a responsabilidade, ou a pretensão, de serem a antena da raça. E, cá pra nós, muitos realmente o são.
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A poesia é de longe, pelo menos para os poetas, a linguagem de maior potência de significação (“a mais condensada forma de expressão verbal”, dizia Pound), e não é de espantar a variedade de percepções, de leituras, de idiossincrasias, de práticas que permeiam a poética contemporânea e, evidente, a sua recepção. Tão diversas como o são os próprios seres e seus interesses.
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queridos,
há algum tempo, foram publicadas, no “prosa em poema”, cinco entrevistas retiradas do livro em questão. para quem não as conferiu e deseja acessá-las, segue o link:
nesta outra seleção, três outros (super) poetas: aníbal beça, fabiano calixto e glauco mattoso.
aproveitem-nos!
beijo nocês!
paulo sabino / paulinho.
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(do livro: O que é poesia? autores: Vários. organização: Edson Cruz. editora: Confraria do Vento / Calibán.)
ANÍBAL BEÇA
O que é poesia para você?
A poesia, se há uma função para ela, é a de ter o poder de transformar o irreal no real e o real no imaginário. Tem o poder de humanizar um mundo que está zangado consigo. Este mundo em que vivemos em meio a tanta barbárie.
Creio no poder da poesia, que me dá razões para ver adiante e identificar um clarão de luz. Eu sou um trabalhador de metáforas, não um trabalhador de símbolos.
Eu considero a poesia uma medicina espiritual. Posso criar com palavras o que não encontro na realidade. É uma tremenda ilusão, mas positiva: não tenho outra ferramenta com que encontrar um sentido para minha vida ou para a vida daqueles do meu chão (vide Filhos da várzea). Tenho o poder de outorgar-lhes beleza por meio de palavras e plasmar um mundo belo expressando também sua situação. No feio também há beleza. Tudo é matéria para o poema.
O que um iniciante no fazer poético deve perseguir e de que maneira?
ler muita poesia. No café, no almoço, no jantar. Ler sobre poesia. Imitar os mestres num primeiro momento. Depois saber cortar o umbigo. Poderia sugerir algumas leituras como pré-requisito: A poética de Aristóteles, Poesia de Massaud Moisés, As Vanguardas e seus manifestos de Gilberto Mendonça Teles, Poesia experiência de Mario Faustino, Poesia de T.S. Eliot, ABC da literatura e Poesia de Ezra Pound, Cartas a um jovem poeta de Rainer Maria Rilke, Itinerário de Pasárgada de Manuel Bandeira, entre muitos outros.
Cite-nos 3 poetas e 3 textos referenciais para seu trabalho poético. Por que estas escolhas?
Mario Quintana, Cecília Meireles, Manuel Bandeira e Jorge de Lima. O primeiro, pela descoberta da poesia, pela criatividade e por saber manejar com o mínimo um vasto universo poético. O segundo, pela musicalidade, pelo ritmo do verso, aliados às imagens, às ideias e pensamentos de modo singular. O terceiro, pelo lirismo do cotidiano, das coisas banais, tratados na simplicidade com maestria. E por último, não nessa condição, senão o primeiro dos primeiros, pela genialidade.
“O modernismo e três de seus poetas”, “Razão do poema”, “A volta do poema”, “O fantasma romântico”, ensaios críticos de José Guilherme Merquior; Signo e sibila e os dois volumes de Ensaios escolhidos, de Ivan Junqueira e Poesia e desordem, Romantismo, João Cabral — a poesia de menos e Escritos sobre poesia e alguma ficção, de Antonio Carlos Secchin. Pelo rigor, pela atualidade, pela discussão de ideias centradas na modernidade sem perder o seu vínculo com a tradição.
FABIANO CALIXTO
O que é poesia para você?
A arte da vida. A arte da palavra. Uma gaúcha linda por quem estou apaixonado. Na verdade, as três coisas juntas. O resto é literatura.
O que um iniciante no fazer poético deve perseguir e de que maneira?
Deve perseguir a leitura incessante e crítica. Desconfiar das “bulas estéticas”, dos mestres da literatura universal, dos críticos e da própria poesia. Ser desconfiado e curioso como um detetive de HQ noir.
Cite-nos 3 poetas e 3 textos referenciais para seu trabalho poético. Por que estas escolhas?
Poetas: Charles Baudelaire, Murilo Mendes e Chico Buarque. Porque são os poetas que fazem chover no endomingado piquenique, que encantam, não só pela surpresa, mas pela extrema beleza de suas obras. Porque operam imensas revoluções nas coisas da vida.
Textos:
“The man with the blue guitar” (Wallace Stevens): É um poema que tem um fôlego raro, musical, que propõe novos modos de respiração e que emociona o coração e o cérebro.
The Cantos (Ezra Pound): A liberdade e a inteligência numa aglutinação perfeita.
Galáxias (Haroldo de Campos): Porque nos ensina a ler.
GLAUCO MATTOSO
O que é poesia para você?
Já dei várias respostas a essa pergunta, mas acho que a melhor foi aquela que usei numa oficina que ministrei na Casa das Rosas: a poesia é uma metralhadora na mão dum palhaço. Seu poder de fogo pode ser apenas intencional, e seu efeito apenas hilário, mas o franco-atirador, ao expor-se em sua ridícula revolta, no mínimo consegue provocar alguma reação, ainda que meramente divertindo o público, e alguma reflexão sobre o papel patético dos idealistas e visionários, que, no fundo, somos todos nós.
O que um iniciante no fazer poético deve perseguir e de que maneira?
Depende justamente da concepção poética que ele adotou. No meu caso, trata-se de vomitar algo visceral, de me expor, me devassar e desabafar uma biografia excêntrica para me identificar com outros excêntricos e tirar, dessa diversidade de individualidades, o traço de humanidade que nos une, isto é, o sofrimento e a revolta contra as opressões e repressões. Uma das “missões” do poeta — mas não a única — é ser porta-voz dos perseguidos, injustiçados, excluídos, rejeitados e humilhados, ainda que tais angústias sejam meramente sentimentais ou emocionais — frustrações amorosas, por exemplo. Voltando à questão do iniciante, eu recomendaria três coisas: primeiro, muita leitura, poesia de várias épocas e estilos, para estabelecer preferências e simpatias; segundo, fidelidade à própria biografia, nada de fingir demais, ainda que o poeta seja um fingidor, como dizia Pessoa; terceiro, estudar versificação, mesmo que o cara não pretenda fazer poesia rimada nem metrificada. Assim, ele estará minimamente instrumentado para o “ofício”.
Cite-nos 3 poetas e 3 textos referenciais para seu trabalho poético. Por que estas escolhas?
Isso é sempre muito pessoal e intransferível, mas vamos lá. Gregório de Matos, por ser pioneiro na nossa história e por ter praticado duas coisas que utilizo: os jogos verbais barrocos (antíteses, paradoxos, paronomásias, paródias, trocadilhos) e sátira desbocada (inclusive enveredando pelo fescenino); Bocage, por duas características que adotei: apuro formal do soneto e deboche obsceno; Bandeira, por uma única e fundamental razão: provar que é perfeitamente possível praticar todas as modalidades poéticas, desde o verso mais rimado e rimado até o experimentalismo mais iconoclasta e anárquico, sem perder de vista o lado humano, confessional e emocional. Quanto aos textos referenciais, sugiro, primeiro, Os Lusíadas, não para ler de cabo a rabo, mas para passear nele, viajar no ritmo, ir se acostumando a discorrer, raciocinar metrificando, pensar em decassílabo; segundo, Eu, de Augusto dos Anjos, para, ao contrário dos “Lusíadas”, percorrer, num único e curto livrinho, toda a obra duma vida, o que nos dá noção de que o poder de síntese pode ser essencial e suficiente; terceiro, Poesia completa e prosa, a obra reunida de Manuel Bandeira, que tenho em papel-bíblia mas que existe em diferentes edições, incluindo o Itinerário de Pasárgada, roteiro autobiográfico-intelectual, e a Apresentação da poesia brasileira, que, embora incompleta e parcial, dá uma visão panorâmica.
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