HAICAIS: JÓIAS DE ADORNO

prezados,
 
segundo o dicionário houaiss, haicai é “uma forma de poesia japonesa surgida no século XVI e ainda hoje em voga, composta de três versos, com cinco, sete e cinco sílabas, que geralmente tem como tema a natureza ou as estações do ano”. 
 
(no brasil, essa forma poética foi adaptada, a partir da original, japonesa, quanto à métrica e à acentuação.)
 
abaixo, uma seleção de belíssimos haicais (sem as adaptações adotadas no brasil, utilizando-se da técnica promulgada pelo bardo bashô), produzidos pelo sofisticado poeta alexei bueno. os poemas saíram de uma obra sua lançada em 1988 e apropriadamente intitulada “livro de haicais”.    
 
neles, o autor dá asas aos seus tantos achados existenciais e às suas verificações, que acabam por líricas, do estado do ser das coisas — a visão que tem da cidade à noite, iluminada, com suas luzes compondo os seus “ouro & prata por entre cordões de pérolas”, a visão que tem do cego que “marcha, batendo, batendo sobre a própria sombra” —, e do estado dos elementos naturais — a nuvem, a chuva, o mar, a noite, as estrelas, o cosmos —.
 
haicais, para mim, são como pequenas jóias de altíssimo valor: objetos de material precioso (no caso dos haicais, o material, mais que precioso, são as palavras) finamente trabalhado, usado como adorno (no caso dos haicais, adornos utilizados no espírito, para que este brilhe mais, fique ainda mais bonito).
 
enfeitem-se dos mimos aqui dispostos!
 
beijo grande em todos!
paulo sabino / paulinho.
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(do livro: A chama inextinguível. autor: Alexei Bueno. editora: Nova Fronteira.)
 
 
Crânios num ossuário.
As pedras brancas invejam-lhes
Muito pouco as vidas.
 
 
Sono do mendigo
Por baixo do céu. Que tetos
Haverá em seus sonhos?
 
 
Nuvem, ergue a pálpebra!
Quero ver o olho de cego
Com que sonda a noite.
 
 
Viagem sem sentido.
Atrás e à frente, na estrada,
O vazio é um só.
 
 
Quantos, cada dia,
Quando novamente te ergues,
Sol, não se erguerão?
 
 
Lá embaixo, ouro e prata
Por entre cordões de pérolas.
A cidade à noite.
 
 
Noites de ator velho.
Rebeladas no confuso
Sonho, quantas vidas.
 
 
Antes que algum nome
Nos designasse, já rias,
Pequena cascata.
 
 
Ainda não erguêramos
Qualquer reino ou templo, e o mesmo
Eras, fio d’água!
 
 
No antiquário turvo,
Flutuando, entre o pó e os brilhos,
O cheiro da vida.
 
 
Só, dentro da névoa,
Nosso nítido passado
Fura o agora umbroso.
 
 
Quantas avós tuas
Meus ascendentes pisaram,
Pertinaz barata?
 
 
Entre as ruas, eu,
E em mim, eu em outras ruas,
Sob a mesma noite.
 
 
Noutra casa, noutra
Luz breve sobre outros móveis,
Qual serias, alma?
 
 
Rompa a guerra ou arda
Toda a cidade, a minhoca
Não sairá da terra.
 
 
Marchando no tempo,
Antes de tudo e após tudo,
Soberbo, o silêncio.
 
 
Sempre, a cada passo,
Atrás de nós, entre os becos
Vindo, quem não fomos.
 
 
Entre o som das chuvas
E a voz do mar, só nas nuvens
A mudez das águas.
 
 
Dedos dos bambus
Tocando na névoa o canto
Com que parte o vento.
 
 
Meio-dia. O cego
Marcha, batendo, batendo
Sobre a própria sombra.
 
 
A formiga morta
Na poça lenta. No cosmos
Explosões de estrelas.
 
 
Em todas as portas
Uma só certeza: Nosso
Lugar não é aqui.
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