os olhos do poeta: “olhos-telescópios”, olhos que enxergam de longe e que enxergam muito, enxergam profundo.
a visão do poeta é distanciada & detalhada.
percebe, o poeta, que algo de si não se realiza, fica à deriva, à espera de que, um dia, se realize, de que, um dia, chegue. não vindo o que é aguardado, há a contemplação do que não é, do que não existe: a contemplação do poeta sobre o seu retrato, morto.
“olhos-telescópios”, olhos lúcidos: eles olham o fantasma no alto da escada, os pesadelos, o guerreiro morto, a garota, a forca e o amor. os olhos olham, atentos, todo o movimento.
todo o movimento (o guerreiro morto, a girl, a forca e o amor): as dores de amar. enquanto, acompanhando o enredo, o peito bate, se emociona, enquanto o coração pulsa, os olhos: fogem (rs).
(os olhos ainda estão muito lúcidos. temem o horror que é o amor e a sua dor.)
assim, poesia afora, os sonhos do bardo cobrem-se de pó.
afinal, os sonhos do bardo: parados, imóveis, num canto qualquer, empoeirados porque esquecidos.
sonhos esquecidos: bardo incrédulo, bardo morto, enforcado na corda da desilusão.
(sonhos cobertos de pó: assim, incrédulo, enforcado, com seus olhos longínquos, “olhos-telescópios”, o poeta se reproduz em manequins corcundas, em figuras curvadas, “tortas”, e se contempla em silêncio.)
logo, se a vida se apresenta um marasmo, se se apresenta uma pasmaceira só, alguém, de dentro ou de fora do poeta, pode perguntar: por que não um tiro de revólver?
(afinal, todas as transformações, todos os imprevistos, todos os atentados, se davam sem o consentimento do bardo, eram longe da sua rua.)
a resposta: já que nada diante do poeta, já que nada no entorno do poeta, já que nada dentro do poeta, a morte, o suicídio, estes existem já em vida, na própria apatia em que se dá a existência do poeta.
os olhos dos poemas enxergam a vida em solidão: um recife distante no mar, uma estrela perdida no céu…
(no fundo, no mundo: seres humanos: seres desamparados. seres solitários.)
beijo afetuoso nos senhores,
paulo sabino / paulinho.
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(do livro: Serial e antes. autor: João Cabral de Melo Neto. editora: Nova Fronteira.)
POEMA
Meus olhos têm telescópios
espiando a rua,
espiando minha alma
longe de mim mil metros.
Mulheres vão e vêm nadando
em rios invisíveis.
Automóveis como peixes cegos
compõem minhas visões mecânicas.
Há vinte anos não digo a palavra
que sempre espero de mim.
Ficarei indefinidamente contemplando
meu retrato eu morto.
OS OLHOS
Todos os olhos olharam:
o fantasma no alto da escada,
os pesadelos, o guerreiro morto,
a girl a forca e o amor.
Juntos os peitos bateram
e os olhos todos fugiram.
(Os olhos ainda estão muito lúcidos.)
POEMA DESERTO
Todas as transformações
todos os imprevistos
se davam sem o meu consentimento.
Todos os atentados
eram longe de minha rua.
Nem mesmo pelo telefone
me jogavam uma bomba.
Alguém multiplicava
alguém tirava retratos:
nunca seria dentro de meu quarto
onde nenhuma evidência era provável.
Havia também alguém que perguntava:
Por que não um tiro de revólver
ou a sala subitamente às escuras?
Eu me anulo me suicido,
percorro longas distâncias inalteradas,
te evito te executo
a cada momento e em cada esquina.
OS MANEQUINS
Os sonhos cobrem-se de pó.
Um último esforço de concentração
morre no meu peito de homem enforcado.
Tenho no meu quarto manequins corcundas
onde me reproduzo
e me contemplo em silêncio.
lindo! poemas primeiros, quase desconhecidos. valeu!
Que alegria, Inez, as suas palavras!
Beijo GRANDE!