Carlos, sossegue, o amor
é isso que você está vendo:
hoje beija, amanhã não beija,
depois de amanhã é domingo
e segunda-feira ninguém sabe
o que será.
Inútil você resistir
ou mesmo suicidar-se.
Não se mate, oh não se mate,
reserve-se todo para
as bodas que ninguém sabe
quando virão,
se é que virão.
(trecho do poema “Não se mate”, de Carlos Drummond de Andrade)
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sim, carlos,
sossegue.
na dinâmica da vida, o amor, como a existência, é inconstante e um tanto impresumível: um dia beija, outro não, um dia tem, outro não, e, seguindo o rumo, ninguém sabe o que será.
ainda que as dores existam, carlos, o amor é feito de maravilhas & redescobertas que, ao meu ver, valem a dor.
preste atenção, carlos, no que diz o joão.
o joão seu amigo, carlos, o joão que o admira na mesma medida que você a ele. o joão que tantos poemas já lhe dedicou. o joão, carlos, que sempre o escutou.
aqui, neste espaço, é a vez de você ouvi-lo, ouvir o joão, de você entender, através dos seus versos, a grande bobagem que é morrer por amor.
(afinal, em vida, morremos de amor a todo instante.)
é tão melhor morrer de amor como o faz o joão nas suas linhas… não há sensação de prazer que se iguale.
carlos, sossegue. não se apoquente. ouça as palavras do joão, leia o que ele tem a oferecer, e você, carlos, verá que tudo é muito mais.
como o joão, deixe-se neutralizar pelo “poder bélico”, pelo “arsenal de fogo”, que possuem aqueles por quem nos interessamos.
deixe-se assistir, imóvel e indiferente, à pessoa amada. (“indiferente”, sim, mas não no sentido do “desprezo ao outro”, da insensibilidade ou desinteresse, e sim no sentido de assistir a quem se ama do mesmo modo SEMPRE, isto é, de uma maneira “não”-diferente, de um jeito “in”-diferente.)
tenha o ser amado, carlos, como aquilo que complementa, transcende & compreende as 24 horas do seu dia, os fatos diversos, o livro e o jornal que você lê.
não se abespinhe, não se agaste com o amor, carlos. tudo besteira, tudo bobagem. viva-o, tenha-o como um seu amigo, como um companheiro (bom, apesar de difícil) de jornada: absolutamente revolucionário & criminoso.
por isso, trago a você, carlos, dois estudos, em forma de poesia, formulados pelo joão.
como possuo uma enorme admiração por você, carlos, e pelo joão, e sabendo do carinho, do respeito & da admiração que nutrem um pelo outro, resolvi deixá-los assim, juntos:
carlos & joão.
(para que a beleza de um saliente, realce, ressalte, a lindeza do outro.)
beijo carinhoso em você, carlos.
um outro, também cheio de cuidados, no joão.
e um terceiro, cheio de ânimo & disposição, nos senhores.
o preto,
paulo sabino.
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(do livro: Serial e antes. autor: João Cabral de Melo Neto. editora: Nova Fronteira.)
DOIS ESTUDOS
1
Tu és a antecipação
do último filme que assistirei.
Fazes calar os astros,
os rádios e as multidões na praça pública.
Eu te assisto imóvel e indiferente.
A cada momento tu te voltas
e lanças no meu encalço
máquinas monstruosas que envenenam reservatórios
sobre os quais ganhaste um domínio de morte.
Trazes encerradas entre os dedos
reservas formidáveis de dinamite
e de fatos diversos.
2
Tu não representas as 24 horas de um dia,
os fatos diversos,
o livro e o jornal
que leio neste momento.
Tu os completas e os transcendes.
Tu és absolutamente revolucionária e criminosa,
porque sob teu manto
e sob os pássaros de teu chapéu
desconheço a minha rua,
o meu amigo e o meu cavalo de sela.
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