(poema visual, de joan brossa)
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a porta de entrada para qualquer poema: o alfabeto por completo.
com as letras, a composição das palavras.
a partir da composição das palavras, o encaixe destas, formulando os versos, as idéias (a rima, o ritmo, os modelos formais).
idéias que, no cérebro, devem se mover como peixes dentro d’água.
idéias que, ao pousarem na página, formulado o poema, alteram os limites da própria página, limites que já não estão onde o papel foi cortado.
e, assim, extrapolando as bordas da folha, o poema ganha sua vida, o texto poético tece seu drama & seu belveder à sua apresentação: sujeitos, verbos e advérbios, caracterizados com as suas personagens, prontos para entrar em cena.
o poema vai começar…
e o poema inicia o espetáculo, dobrando a folha para que dela nasça um pássaro, que moverá as suas asas de papel, um pássaro ousando no seu vôo, arriscando-se da altura em que se encontra, e com um mergulho vertical, no ar, ao qual se dispõe, desvia do solo no segundo último antes de tocá-lo, solando solto & arrojado no espaço — que concebe ilimitado;
o poema inicia o espetáculo, recebendo a sombra da mão (no “papel-parede”), coisa mais lúdica, um estimulante à imaginação, o equipamento de cinema mais antigo.
e seguem, ininterruptamente, os espetáculos dos versos, ante uma platéia de espectadores extasiada. seguindo espetáculo após espetáculo, apresentação depois de apresentação, um poema pode construir, perfeitamente, ponte que possibilite a passagem do texto anterior ao seguinte, por exemplo.
pode, perfeitamente, um poema oferecer um mundo de revelações, um mundo que revele, ao próprio ser, o fronte estrelado, tantas as estrelas-idéias, conexões, descobertas, constatações, contradições, a cintilar na cabeça (outro exemplo).
deliciem-se com a genialidade do poeta catalão joan brossa!
beijo carinhoso em vocês,
o preto,
paulo sabino / paulinho.
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(do livro: Poesia vista. autor: Joan Brossa. seleção e tradução: Vanderley Mendonça. editoras: Amauta Editorial / Ateliê Editorial.)
POEMA
Entrada
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J K L M N O P Q R
S T U V W X Y Z
Saída.
AQUÁRIO
A rima
o ritmo
os modelos formais.
Olho os peixes dentro
d’água. As idéias
no cérebro devem se mover
de maneira semelhante.
A rima
o ritmo
os modelos formais.
PÁGINA
Depois de escrever o poema,
os limites da página já não estão
onde foi cortado o papel.
ENTREATO
As palavras correm para trocar
de roupa. Desce o pano e os frisos
ficam de novo sobre os bastidores.
Sujeitos, verbos e advérbios,
já vestidos de outra maneira, voltam
à cena. Fica um grupo
de adjetivos olhando pela
fresta do telão.
O poema seguinte vai começar.
POEMA
Tá certo
que não tenho dinheiro
e é verdade que a maior parte das
moedas são de chocolate;
mas se você pegar esta folha
e dobrá-la pela largura,
em dois retângulos,
depois em quatro,
fizer um rasgo
oblíquo nessas quatro
partes e separá-las
em dois pedaços,
obterá
um pássaro que moverá
as asas.
CHINESCO
O poema recebe a sombra das mãos,
o equipamento de cinema mais antigo.
PONTE
Este é o caminho
que serve para passar
do poema anterior ao seguinte.
O FRONTE ESTRELADO
Sob as palavras o papel se transforma
em mar e as letras em peixes.
Paulinho, q lindo! Obrigada por emocionar meu dia! Adoro esse realismo fantástico: pensar o cérebro como um aquário, verbos e advérbios trocando de roupa, moedas de chocolate…
Lindo! lindo!
ô, minha flor de formosura,
bom saber que conseguimos (rs), eu e o brossa, emocionar você, tornar o seu dia mais mágico!
como disse um amigo meu, paulo de toledo, ao saber da publicação: “brossa é o fino da bossa.”
beijo, amore mio!