onde estão?
onde estão os que partiram?
onde estão os que partiram desta vida?
…
onde estão, se não ouvimos deles sequer uma sílaba?
onde o pai, onde o primo, o avô, alguns queridos amigos?
onde, enfim, toda a família, moída qual farinha por moenda antiqüíssima, por uma máquina de moer oculta, que tritura todos que aqui estão?
onde os bens, a glória, a insígnia, o poder, a riqueza, a honraria, se tudo o que se vive acaba junto aos jazigos, e, nos jazigos, esfria sob o pó, sob o trigorganismo triturado?
(todas as coisas, como areia dos rios: as coisas retinem, isto é, ecoam fortemente, as coisas fluem, cintilam, e se esvaem, sem valia…)
nômades de trilhas ásperas, transeuntes de duras caminhadas (pela estrada escura), errantes de caminhos inóspitos, até que a morte — este moinho oculto — nos deite as suas garras de harpia, capturando-nos & devorando-nos goela abaixo, numa única & certeira garfada.
ao morrermos, um vazio, um nada é o que nos resta, deixando-nos, assim, assaz distantes de nós mesmos (seres mortos e não mais seres vivos), transmutando-nos em oco.
e tudo, afinal, se finda, sem aparições de seres celestes que digam “amém”, sem cânticos divinos ou quaisquer efeitos especiais imagináveis à partida inapelável, o que me faz crer que nem deus nos lastime…
(nada resta. resta: nada.)
portanto, queridos & benvindos,
aproveitemos enquanto HÁ tempo!
VIVAMOS enquanto VIVEMOS!
(é a ÚNICA alternativa que nos sobra.)
beijo bom em todos!
paulo sabino / paulinho.
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(do livro: Poesia reunida. autor: Ivan Junqueira. editora: A Girafa.)
ONDE ESTÃO?
Partimos cuando nacemos,
andamos mientras vivimos,
y llegamos
al tiempo que fenecemos;
así que cuando morimos
descansamos.
Jorge Manrique, Coplas por la
muerte de su padre, V
Onde estão os que partiram
Desta vida, desvalidos?
Onde estão, se não ouvimos
deles sequer uma sílaba?
Onde o pai, a mãe, a ríspida
irmã que se contorcia
sob a névoa dos soníferos
e a gosma da nicotina?
Ou bem a outra, a quem víamos
trincar, crispada, os caninos,
banhada em sangue e saliva,
no espasmo agudo das fibras?
Onde o riso dos meninos
que entre as folhas se escondiam
como pássaros nos ninhos,
ermos de infâmia ou malícia?
Onde a lúbrica menina
cujas coxas se entreabriam
à gula dos que sabiam
tocar-lhe os veios mais íntimos?
Onde, enfim, toda a família
que se desfez qual farinha
por entre as mós antiqüíssimas
de algum oculto moinho?
Onde estão os que seguiram
seus inóspitos caminhos
ou sendas que, mais propícias,
desaguaram no vazio?
Onde os bens, a glória, a insígnia,
se tudo o que aqui se vive
reverte empós aos jazigos
e lá, sob o pó, esfria?
Poder, riqueza, honraria
são como a areia dos rios:
retinem, fluem, cintilam.
E se esvaem, sem valia.
Nômades de ásperas trilhas,
andamos mientras vivimos,
até que a morte, em surdina,
nos deite as garras de harpia.
E tudo afinal se finda
sem cor, sem luz, sem martírio;
así que cuando morimos,
de nós mesmos nos sentimos
tão distantes quanto as cinzas
de uma estrela que se extingue
na goela azul dos abismos.
E ninguém, nem Deus, nos lastima.
Caro Paulinho,
Belíssimo! Amo esse poema. Um dia também vou postá-lo lá em meu blog.
Abraço fraterno,
Adriano Nunes.
que maravilha, meu poeta das alagoas!
aguardando a sua postagem! 😉
beijO!