______________________________________________________
o sonho (o mais caro) dos poetas:
a construção do poema de arquitetura ideal.
a feitura de um poema fantástico, de um poema como um dia claro.
o dia claro, no seu discurso mudo, na sua fala de silêncio, dizendo “nada”, diz “tudo”. pois que o mundo é só exterior; não existem portas que dão para dentro, apenas as que dão para fora. dizendo “nada”, o dia claro diz “tudo”. as coisas às claras, eis o seu discurso. e ponto final.
o sonho dos poetas:
o poema cujo propósito seja o impropositado.
um poema que, a gosto do impropositado, não fosse passível de ser declamado.
o sonho caro dos poetas: dele, do sonho,
acordam.
e, acordando, o sonho-poema, de ideal arquitetura, todo se esfarrapa, fiapo por fiapo.
acordam, do sonho, os bardos.
e toda a estrutura que compõe a arquitetura do poema ideal — o prédio poético de versos & rimas, as pedras & a cal líricas das palavras — esvoaça como um leve papel, solto à mercê do vento.
o poema, por ser “ideal”, isto é, por ser “do campo das idéias”, é um poema-miragem: existe somente na imaginação.
ao acordarem (os poetas), o poema-miragem se desfaz desconstruído, como se nunca houvera sido.
o transe é tamanho (afinal, trata-se da arquitetura do poema ideal), que os olhos de quem sonha saem chumbados, e os dedos findam estarrecidos.
todos os grandes achados para o poema ideal — metonímias, aliterações, metáforas, oxímoros —, perdidos, sumidos no sorvedouro da memória.
permanecer à espreita, permanecer à espera do retorno do poema (o mais caro), do poema de arquitetura ideal, não deve adiantar grande coisa (aos bardos).
assim como não deve adiantar grande coisa os bardos afundarem-se no sono, a fim de resgatarem o sonho-poema, nem a simulação de dormirem deveras (simulando dormir porque, na verdade, em alerta, caçadores prontos ao bote assim que ressurgido o poema-presa).
nada adiantaria.
pois a grande questão, aqui, a questão-chave é:
saber sob que máscara retornaria o sonhado caro poema ideal, já que o poema-miragem foi perdido no sorvedouro da memória, foi desconstruído como se nunca houvera sido.
portanto: como sabê-lo?
sob que máscara retornaria o poema idealizado?
(sob que máscara retornaria?…)
é melhor, então, que o poema idealizado fique na paz sine die, isto é, é melhor que o poema idealizado descanse na paz eterna, que o poema idealizado repouse em estância não localizável.
no fundo, o sonho do poema de arquitetura ideal é a música que sopra aos ouvidos dos poetas antes da construção de qualquer poesia: a vontade, o desejo, o sonho, de realizar a grande obra da sua existência. põe-se o bardo a escrever, e rasurar, e reescrever, e burilar, e cavucar, e riscar, até que fiquem a contento os seus versos.
deixar em descanso eterno o sonho-poema.
na frente, em primeiro lugar, antes de tudo & quaisquer coisas: a poesia!
beijo bom em todos!
paulo sabino.
______________________________________________________
(do livro: Poemas esparsos. organização: Eucanaã Ferraz. autor:Vinicius de Moraes. editora: Companhia das Letras.)
ESTUDO
Meu sonho (o mais caro)
Seria, sem tema
Fazer um poema
Como um dia claro.
E vê-lo, fantástico
No papel pautado
Ser parte e teclado
Poético e plástico.
Com rima ou sem rima
Livre ou metrificado
— Contanto que exprima
O impropositado
E que (o impossível
Talvez desejado)
Não fosse passível
De ser declamado.
Mas que o sonho fique
Na paz sine die
Ça c’est la musique
Avant la poésie.
______________________________________________________
(do livro: Algaravias. autor: Waly Salomão. editora: Rocco.)
FÁBRICA DO POEMA in memoriam Donna Lina Bo Bardi
sonho o poema de arquitetura ideal
cuja própria nata de cimento encaixa palavra por
palavra,
tornei-me perito em extrair faíscas das britas
e leite das pedras.
acordo.
e o poema todo se esfarrapa, fiapo por fiapo.
acordo.
o prédio, pedra e cal, esvoaça
como um leve papel solto à mercê do vento
e evola-se, cinza de um corpo esvaído
de qualquer sentido.
acordo,
e o poema-miragem se desfaz
desconstruído como se nunca houvera sido.
acordo!
os olhos chumbados
pelo mingau das almas e os ouvidos moucos,
assim é que saio dos sucessivos sonos:
vão-se os anéis de fumo de ópio
e ficam-se os dedos estarrecidos.
sinédoques, catacreses,
metonímias, aliterações, metáforas, oxímoros
sumidos no sorvedouro.
não deve adiantar grande coisa
permanecer à espreita no topo fantasma
da torre de vigia.
nem a simulação de se afundar no sono.
nem dormir deveras.
pois a questão-chave é:
sob que máscara retornará o recalcado?
(mas eu figuro meu vulto
caminhando até a escrivaninha
e abrindo o caderno de rascunho
onde já se encontra escrito
que a palavra “recalcado” é uma expressão
por demais definida, de sintomatologia cerrada:
assim numa operação de supressão mágica
vou restaurá-la daqui do poema.)
pois a questão-chave é:
sob que máscara retornará?
______________________________________________________
(do encarte do cd: A Fábrica do poema. artista: Adriana Calcanhotto. autor dos versos: Waly Salomão. gravadora: Epic.)
sonho o poema de arquitetura ideal
cuja própria nata de cimento encaixa palavra por
palavra,
tornei-me perito em extrair faíscas das britas
e leite das pedras.
acordo.
e o poema todo se esfarrapa, fiapo por fiapo.
acordo.
o prédio, pedra e cal, esvoaça
como um leve papel solto à mercê do vento
e evola-se, cinza de um corpo esvaído
de qualquer sentido.
acordo,
e o poema-miragem se desfaz
desconstruído como se nunca houvera sido.
acordo!
os olhos chumbados
pelo mingau das almas e os ouvidos moucos,
assim é que saio dos sucessivos sonos:
vão-se os anéis de fumo de ópio
e ficam-me os dedos estarrecidos.
metonímias, aliterações, metáforas, oxímoros
sumidos no sorvedouro.
não deve adiantar grande coisa
permanecer à espreita no topo fantasma
da torre de vigia.
nem a simulação de se afundar no sono.
nem dormir deveras.
pois a questão-chave é:
sob que máscara retornará o recalcado?
sob que máscara retornará?
sob que máscara?
______________________________________________________
(do site: Youtube. áudio extraído do álbum: A fábrica do poema. artista & intérprete: Adriana Calcanhotto. canção: A fábrica do poema. versos: Waly Salomão. música: Adriana Calcanhotto. gravadora: Epic.)
Republicou isso em Tempus fugite comentado:
pois a questão-chave é:
sob que máscara retornará?
Valeu pela republicação do post!
Grande abraço!