há metafísica bastante em não pensar em nada.
afinal, a experiência mundana, a vivência humana a partir do convívio com as coisas mundanas, é o que nos faz, por exemplo, pensar a metafísica.
a experiência humana é uma vivência mundana.
portanto,
há metafísica bastante em não pensar em: nada.
(o silêncio puro, o oco absoluto.)
(não é necessária a existência de qualquer divindade para que a metafísica seja pensada; o “nada” é já transcendência: transcende a experiência do homem, inerente à alteridade, intrínseca ao contato com as coisas do mundo.)
(é bom lembrar: o caráter da identidade é formado a partir do caráter da alteridade. ou seja: reconhecendo o que nos é diferente, formamos a nossa própria identidade.)
há bastante metafísica quando pensamos o nada.
o mistério da existência?
o mistério das coisas?
mistério?
(o único mistério é haver quem pense no mistério.)
o mundo é um exterior de coisas.
no mundo, as coisas apresentam-se cotidianamente, às nossas vistas.
que mistério haveria em coisas que se apresentam quotidianamente?
metafísica? que metafísica têm as árvores?
a de serem verdes, copadas, de terem ramos, de darem frutos à sua hora?
isso não nos faz pensar que não sabemos dar por elas. ao contrário. sabemos dar por elas muitíssimo bem: são verdes, copadas, têm ramos, e dão frutos à sua hora (rs).
mas que melhor metafísica que a delas, imersas no: nada (no silêncio absoluto, no oco profundo): não sabem para que vivem, e nem sabem que o não sabem (rs)!
“constituição íntima das coisas”, “sentido íntimo do universo”: o único sentido íntimo das coisas é elas não terem sentido íntimo nenhum.
não acredito em deus porque nunca o vi.
sem dúvida, se ele quisesse que eu acreditasse nele, como tudo no mundo, ele apresentar-se-ia a mim, dizendo-me: aqui estou!
isto, talvez, soe “ridículo” aos ouvidos de quem não sabe olhar para as coisas, e que, por conseguinte, não compreende quem fala delas (das coisas mundanas) com o modo, com o jeito, com a maneira, de falar que ensina o fato de repará-las amiúde, que ensina o fato de admirá-las por tanto mirá-las (as coisas mundanas).
(atenção aguda, atenção alarmada, ao olhar.)
contudo,
se o que se intitula deus é as coisas mundanas, ou seja, se o que se pensa deus é as coisas existentes no mundo: flores & árvores & montes & sol & luar & mar, então acredito nele a toda hora, e a minha vida é toda uma oração & uma missa.
e porisso eu obedeço-lhe, obedeço a deus, obedeço-lhe a viver, espontaneamente, apostando nas minhas verdades, e chamo-lhe como ele mesmo quer: flores & árvores & montes & sol & luar & mar, e amo-o sem pensar nele, e penso-o vendo & ouvindo, e ando com ele a toda hora.
beijo todos!
paulo sabino.
___________________________________________________________________________
V
Há metafísica bastante em não pensar em nada.
O que penso eu do mundo?
Sei lá o que penso do mundo!
Se eu adoecesse pensaria nisso.
Que idéia tenho eu das coisas?
Que opinião tenho sobre as causas e os efeitos?
Que tenho eu meditado sobre Deus e a alma
E sobre a criação do Mundo?
Não sei. Para mim pensar nisso é fechar os olhos
E não pensar. É correr as cortinas
Da minha janela (mas ela não tem cortinas).
O mistério das cousas? Sei lá o que é mistério!
O único mistério é haver quem pense no mistério.
Quem está ao sol e fecha os olhos,
Começa a não saber o que é o sol
E a pensar muitas cousas cheias de calor.
Mas abre os olhos e vê o sol,
E já não pode pensar em nada,
Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos
De todos os filósofos e de todos os poetas.
A luz do sol não sabe o que faz
E por isso não erra e é comum e boa.
Metafísica? Que metafísica têm aquelas árvores?
A de serem verdes e copadas e de terem ramos
E a de dar fruto na sua hora, o que não nos faz pensar,
A nós, que não sabemos dar por elas.
Mas que melhor metafísica que a delas,
Que é a de não saber para que vivem
Nem saber que o não sabem?
“Constituição íntima das cousas”…
“Sentido íntimo do Universo”…
Tudo isto é falso, tudo isto não quer dizer nada.
É incrível que se possa pensar em cousas dessas.
É como pensar em razões e fins
Quando o começo da manhã está raiando, e pelos lados das
[árvores
Um vago ouro lustroso vai perdendo a escuridão.
Pensar no sentido íntimo das cousas
É acrescentado, como pensar na saúde
Ou levar um copo à água das fontes.
O único sentido íntimo das cousas
É elas não terem sentido íntimo nenhum.
Não acredito em Deus porque nunca o vi.
Se ele quisesse que eu acreditasse nele,
Sem dúvida que viria falar comigo
E entraria pela minha porta dentro
Dizendo-me, Aqui estou!
(Isto é talvez ridículo aos ouvidos
De quem, por não saber o que é olhar para as cousas,
Não compreende quem fala delas
Com o modo de falar que reparar para elas ensina.)
Mas se Deus é as flores e as árvores
E os montes e sol e o luar,
Então acredito nele,
Então acredito nele a toda a hora,
E a minha vida é toda uma oração e uma missa,
E uma comunhão com os olhos e pelos ouvidos.
Mas se Deus é as árvores e as flores
E os montes e o luar e o sol,
Para que lhe chamo eu Deus?
Chamo-lhe flores e árvores e montes e sol e luar;
Porque, se ele se fez, para eu o ver,
Sol e luar e flores e árvores e montes,
Se ele me aparece como sendo árvores e montes
E luar e sol e flores,
É que ele quer que eu o conheça
Como árvores e montes e flores e luar e sol.
E por isso eu obedeço-lhe,
(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?),
Obedeço-lhe a viver, espontaneamente,
Como quem abre os olhos e vê,
E chamo-lhe luar e sol e flores e árvores e montes,
E amo-o sem pensar nele,
E penso-o vendo e ouvindo,
E ando com ele a toda a hora.
O que seria de nós sem Fernando Pessoa?!
D +!!
também não saberia dizer o que seria…
pois pessoa é FUNDAMENTAL!
abraço!