O OSSO: A MAIS DURA PARTE DE MIM

a parte mais durável em mim são os ossos, e a mais dura também.

sim, este osso meu: a mais dura parte de mim, dura mais do que tudo o que ouço & penso, mais do que tudo o que invento & minto.

(e agora, luzia, ainda te lembras da dor?…)

este osso meu é, sim, a parte mais mineral e mais obscura de mim.

ossos, varridos pelas águas da enxurrada, quietos, no amparo da pedra, até saltarem (em cacos, em pedaços, “tristes”) à luz do dia, esperaram onze mil e quinhentos anos.

(onze mil e quinhentos anos de espera até saltarem à luz do dia!…)

— e agora, luzia, ainda te lembras da dor?

luzia, em teu breve tempo de existência — luzia à luz do dia, luzia na luz que vai, na luz que ia —, ainda te lembras da dor?

os ossos esperaram 11.500 anos(!), quietos, em cacos, em pedaços, “tristes”.

e tu, luzia, quanto tempo? será, luzia, que ainda te lembras da dor? luzia, quanto tempo, em teu breve tempo, dura a dor?

de fato, o osso é a parte do corpo que mais dura…

o osso: a parte mineral & obscura.

creio eu que o sonho & a loucura irriguem a pele & a carne nossa.

na pele & na carne, algo de nós, transparente & dócil, tende a solver-se, a esvanecer-se, para deixar, no pó da terra, o osso, a parte que perdura, que permanece.

o osso: futura peça de museu — o fóssil —.

o osso, este osso meu, (a parte de mim mais dura, e a parte de mim que mais dura) é o que menos sou eu?…

beijo os senhores com carinho!
paulo sabino.
________________________________________________________________________

(do livro: Em trânsito. autor: Alberto Martins. editora: Companhia das Letras.)

LAPA VERMELHA, LAGOA SANTA

os ossos
varridos
pelas águas
da enxurrada

quietos
no amparo da pedra
esperaram
onze mil e quinhentos anos

até saltarem
em cacos
à luz do dia

— e agora, Luzia,
ainda te lembras
da dor?

(do livro: Em alguma parte alguma. autor: Ferreira Gullar. editora: José Olympio.)

REFLEXÃO SOBRE O OSSO DA MINHA PERNA

A parte mais durável de mim
são os ossos
e a mais dura também

como, por exemplo, este osso
da perna
que apalpo
sob a macia cobertura

ativa
de carne e pele
que o veste e inteiro
me reveste
dos pés à cabeça
esta vestimenta
fugaz e viva

sim, este osso
a mais dura parte de mim
dura mais do que tudo o que ouço
e penso
mais do que tudo o que invento
e minto
este osso
dito perônio

é, sim,
a parte mais mineral
e obscura
de mim
já que à pele
e à carne
irrigam-nas o sonho e a loucura

têm, creio eu,
algo de transparente
e dócil
tendem a solver-se
a esvanecer-se
para deixar no pó da terra

o osso
o fóssil

futura
peça de museu

o osso
este osso
(a parte de mim
mais dura
e a que mais dura)
é a que menos sou eu?

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