CADA UM NO SEU QUADRADO?

abaixo,

texto publicado no caderno ideias, do jornal do brasil, em 09 de maio de 2009, do poeta salgado maranhão, sobre a segunda edição revisada da obra Letras e letras da MPB, de charles perrone, com apresentação de augusto de campos. o livro trata da célebre discussão, no brasil, sobre as semelhanças & diferenças entre letras de música & poemas. para quem o conhece, o livro é uma grande contribuição, esclarecendo, sem preconceitos e hierarquizações, vários aspectos dessa questão.

esta apresentação vale a pena. e fica a dica de um bom livro para quem se interessa pelo assunto.

beijo todos!

paulo sabino.

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(autor: Salgado Maranhão. publicado no caderno: Ideias, do: Jornal do Brasil. em: 09 de maio de 2009.)

 

CADA UM NO SEU QUADRADO?

Mais de uma vez já se disse que a letra de música carece de escora melódica para se realizar. Poucas agüentam a solidão da página em branco. Quanto ao poema, trabalha com economia de palavras e nem sempre se ajusta à melodia. Não é qualquer bom poema que se rende à canção. Portanto, cada forma de expressão tem sua autonomia, mas as duas convivem muito bem, cada uma em seu viés.

Claro que isso não diz tudo, principalmente quando se trata da canção popular do Brasil: num país herdeiro de uma remota tradição da palavra cantada – onde até poetas renomados no mundo das letras se misturam aos cantores do povo — tudo pode acontecer. É o que nos mostra o excelente Letras e Letras da MPB, do professor Charles Perrone, que sai pela editora Booklink, em segunda edição revista, após mais de 20 anos da primeira tiragem.

Não se trata de uma obra de estrangeiro deslumbrado com o exotismo de nossos artistas. Em seu trabalho, o autor demonstra uma enorme intimidade com o melhor da nossa música e das nossas letras. Dele nos diz o poeta Augusto de Campos, que assina a quarta capa do livro: “Mais de 20 anos de contato, pessoal e por correspondência, me fizeram conhecer de perto o prof. Charles A. Perrone, da Universidade da Flórida, e apaixonado da cultura brasileira . Com a vantagem estratégica de uma perspectiva exterior e do conhecimento amplo das nossas duas áreas artísticas, a musical e a poética, …”

No entanto o tema já é, por si só, um grande vespeiro entre nós – pelas paixões e discussões que suscita. Mas, embora a abordagem correta – sem hierarquizações de gêneros – seja um grande desafio, o prof. Perrone soube dissecar com maestria suas virtudes específicas: “ Uma letra pode ser um belo poema, mesmo tendo sido destinada a ser cantada. Mas é, em primeiro lugar, um texto integrado a uma composição musical, e os julgamentos básicos devem ser calcados na audição para incluir a dimensão sonora no âmbito da análise . Contudo, se, independente da música, o texto de uma canção for literariamente rico, não há nenhuma razão para não se considerarem seus méritos literários.”

Não é de hoje que as letras, na música brasileira, se destacam pela poeticidade . Nas primeiras décadas do século 20, quando a Semana de 22 (com Mário de Andrade, Oswald de Andrade e Manuel Bandeira, principalmente ) ainda tentava nos desatrelar do academicismo da poesia parnasiana, letristas como Noel Rosa, João de Barro e Orestes Barbosa já traziam o coloquialismo da fala das ruas em suas canções .Esses autores e os das décadas seguintes formaram elos com a Bossa Nova, e até com o Tropicalismo que, turbinados por múltiplas influências, carregavam não apenas a explosão do talento criador, mas, além disso, uma viva consciência crítica. As canções desse período são o objeto de estudo do professor Perrone.

Sua análise, como não poderia deixar de ser, começa por Vinicius de Morais, que deu maturidade à letra de música, elevando-a a um status que ela jamais teve . A inserção desse poeta no mundo da canção popular estabeleceu um verdadeiro paradigma — por sua origem de puro sangue da poesia culta . A partir dele, ninguém ousaria discutir critério de qualidade. Porém, a maior reflexão do livro se destina aos poetas da Tropicália, que, ancorados no legado da Poesia Concreta, imprimiram à palavra cantada um toque de invenção e de manifesto . E é o próprio Caetano Veloso quem fala sobre isso: “Havia um ponto em que concordávamos plenamente: era preciso um aprofundamento em nossos recursos técnicos de modo que nossa comunicação não ficasse prejudicada por deficiências ou ignorâncias“.

Até a Bossa Nova, a temática das canções era basicamente o amor romântico – salvo um Sérgio Ricardo, e, por vezes, Carlos Lyra; ou ainda, eventualmente, uma ou outra letra do Vinicius ou dos irmãos Marcos e Paulo Sérgio Valle. Com os poetas tropicalistas (Caetano, Torquato, Gil e Capinam), o mundo salta para dentro das músicas. Os temas amorosos não são rejeitados, mas a eles se incorporam outros vasos comunicantes, como a cultura de massas, a arte pop e a poesia de vanguarda . Isso vai influenciar até mesmo Chico Buarque (vide “Construção”), que segue um viés mais apegado à raíz do samba.

Na década de 70, era chique ser letrista. E até já se podia viver disso. Além dos autores já citados, firmou-se uma nova geração do primeiríssimo time, tais como: Paulo César Pinheiro, Aldir Blanc, Ronaldo Bastos, Abel Silva, Fernando Brant, Sérgio Natureza, Antonio Cicero, entre tantos outros.

Porém, um dos principais méritos de Letras e Letras da MPB é, sem dúvida, nos apresentar as trocas e interconecções dos letristas com a chamada “poesia séria”. E o movimento da Poesia Marginal nasceu, justamente, dessa simbiose .O certo é que, independente de preconceitos e preferências, fica valendo a máxima de Murilo Mendes : “A poesia sopra onde quer”…

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