dizer o que seja na máxima excelência a que chegassem ritmo & conceito?
(sonhar o poema ideal, cuja própria nata de cimento encaixa palavra por palavra…)
não. impossível.
(e o poema todo se esfarrapa, fiapo por fiapo. o poema-miragem se desfaz desconstruído.)
o poema perfeito, por sê-lo (por ser perfeito), silenciaria: lugar vazio (o poema), e seu nenhum desejo, azulejo sem qualquer desenho.
sem-par, isto é, ímpar, isto é, extra-ordinário, in-comun: abriria mão da palavra.
o poema perfeito: despossuído de palavra.
pois que: toda palavra é defeito.
“defeito”, pois que toda palavra se dá na errância. a palavra caminha, e, como nós, página afora, “erra”.
por isso o poeta já não sonha o perfeito. toda palavra é defeito.
e, assim, o poeta verruma, o poeta pensa, medita, e brune, lava, escoda, porque o canto é isso mesmo.
e imagina o poeta: haver uma palavra sempre a postos, apta & doce, como se nossa dona fosse, como se um capitão. como se a palavra levasse o poeta. o poeta ser o cão da palavra.
imagina o poeta: nunca mais ser o funcionário da “coisa nenhuma”, que nada mais é do que o “nada” de onde surgem as palavras que se encaixam à formulação dos versos.
imagina: nunca mais o poeta apertar os olhos à cata da palavra nos mais diversos locais — cadernetas de endereços & de telefone, cinema, livro, letreiro. não mais os mimos, como se faz com gatos, leite no prato, à espera.
imagina: uma palavra que ordenasse, e que o poeta, cão fiel, obedecesse. assim, ao poeta o ar jamais faltaria, jamais o sufoco por conta da palavra que não chega, embargada. nunca mais.
ela, a palavra, surgiria como, nas noites marinhas, o farol: estrada certa, às vistas, sem cessar. deste modo seguiria o poeta-cão, fiel & obediente, iluminado pela luz do seu capitão — capitão em seu navio cujo convés seria todo de frases & versos.
imagina: o poeta sem o seu ofício. o poeta sem a palavra.
o ofício do poeta é imaginar, a função do poeta é criar imagem.
portanto, quando alcança o poema, a mão (do poeta) pode mais? pode mais que o ordinário, pode mais que o comum, que o trivial, pode mais a mão porque é capaz de dar voz à poesia?
quando a mão alcança o poema, ela faz minar a água do poço que cava em horas marcadas, durante horas a fio.
um gesto com a mão, que não é de fadiga nem de repouso: simplesmente a palma da mão enxuga o suor, e a imagem poética se faz construída: “rio repentino” é o que surge do ato de secar o suor do rosto, um rio de águas imaginárias (o ofício do poeta é imaginar, a função do poeta é criar imagem), e disso, repentinamente, rio por dentro, rio comigo; com os dentes internos da satisfação à mostra, sorrio repentino.
o poeta: como se narciso, porém, como se um narciso livre de toda maldição (que é amar o mais belo, que é amar o que seja a perfeição), saboreando, no pão-poético conseguido, um paraíso, um lugar em que reina a felicidade.
(felicidade ali, rente dos dedos.)
vamos nos entregar ao reino poético e cavar, e trazer à tona, com ele, com o reino encantado das palavras, as alegrias de viver!
beijo todos!
paulo sabino.
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DIZER O QUE SEJA
Dizer o que seja
na máxima excelência a que chegassem
ritmo e conceito? Não.
O poema perfeito,
por sê-lo,
silenciaria:
lugar vazio
e seu nenhum desejo,
azulejo sem qualquer desenho.
Sem-par,
abriria mão
da palavra.
E, no ceder das mãos,
não mais:
apagou-se o lenho.
Era o próprio pulso:
fígado,
coração.
O POETA INSISTE
O poeta insiste:
brune, lava, escoda.
Mas já não sonha
o perfeito.
Verruma
porque o canto é isso mesmo.
Isso:
toda palavra é defeito.
EU, UM VELHO. ELA, UM MENINO
Eu, um velho. Ela, um menino.
Ou o contrário disso, o mesmo:
a palavra me levasse.
Eu ser o cão da palavra.
Seria: não precisar estar assim, nu
(uniforme
de quando se é funcionário
da coisa nenhuma).
E: nunca mais apertar os olhos
em cadernetas de endereço,
de telefones,
cinema, sem,
ou raramente, encontrá-la
(a palavra). Não mais os mimos,
como se faz com gatos,
leite no prato, à espera.
Imagina: haver uma palavra
sempre a postos, apta
e doce como um dono, um capitão
— seu convés de frases e versos.
Palavra que ordenasse até:
— nenhum poema! Eu, cão fiel,
calava. Mas o ar jamais faltasse.
Ela surgiria
como nas noites marinhas
o farol: estrada certa,
luzidia, sem cessar.
Vai o cão.
QUANDO ALCANÇA O POEMA
Quando alcança o poema,
a mão pode mais? Pois
faz minar a água do poço
que cava em horas marcadas
(quando é tão-só funcionária).
Nem descanso,
nem cansaço: um gesto,
mínimo, a palma
enxuga o suór do rosto e,
nisto, rio repentino.
Livre de toda maldição,
Narciso saboreasse
nesse pão conseguido
um paraíso (ali,
rente dos dedos).
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