A ÁRVORE SECA

(trecho da contracapa do livro: A árvore seca. autor do texto da contracapa: Ivan Junqueira. editora: G. Ermakoff Casa Editorial.)

 

O trajeto percorrido até agora pela poesia de Alexei Bueno envolve uma estratégia que se desdobra em movimentos extremos, ou seja, os da contração e da distensão formais. Seus dois últimos livros, Em Sonho e Os Resistentes, atestam de modo cabal essa oscilação entre a medida e a desmedida rítmica. No presente volume, A Árvore Seca, Alexei Bueno volta à prática das formas fixas tradicionais, elaborando nos poemas que o integram uma cerrada urdidura métrico-rímica que, se de um lado se apóia na tradição, de outro nos brinda, graças à temática que neles se explora e ao insólito tratamento que lhes dá o poeta, com uma aguda lição de modernidade. Trata-se de um livro áspero, anfractuoso, denso e talvez desolado, uma vez que nos oferece, sem qualquer comiseração, uma imagem crua e quase brutal da realidade cotidiana.
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o lado escuro da vida. 

a face ressequida da existência.

em torno da árvore seca, satisfeitos, nos sentamos (os assassinatos, sejam estes metafóricos ou não, são cometidos mas sem deixar um só vestígio. ninguém os percebe).

tentamos alcançar algum fruto da árvore, porém, o que achamos: galhos em luto.

em torno da árvore seca, onde a coruja defeca, a coruja, ave que, segundo a superstição popular, é capaz de adivinhar a morte, onde a coruja defeca nós dançamos plenos, dançamos cumpridos, isto é, dançamos realizados, preenchidos.

tantos horrores, e foi entre os homens que os vi.

os horrores: servem de estofo dos pesadelos: assassinos, bolores & cancros existenciais.

é preciso criar a aurora.

é preciso criar a beleza, para além dos paredões escuros, para além das bestas, para além dos roncos das sestas, para além dos bares, para além dos rançosos lares.

é preciso criar a aurora. fazer raiar um novo dia.

é preciso adubar o solo da árvore, vê-la mudar sua estrutura seca, assistir-lhe a copa crescendo, os frutos nascendo, a sombra, fresca, abrigando.

(acredito que devemos lutar, lutar por mudanças, batalhar por melhorias, defender uma existência mais confortável, menos agressiva, para todas as pessoas.)

deixo alguns versos em meio aos perversos, já como contribuição.

beijo todos!
paulo sabino.

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(do livro: A árvore seca. autor: Alexei Bueno. editora: G. Ermakoff Casa Editorial.)

 

A ÁRVORE SECA

Em torno da árvore seca
Satisfeitos nos sentamos.
O sol, que cega e resseca
Varava os seus secos ramos.

Estendemos nossas mãos
Para alcançar-lhe algum fruto,
Mas rindo, entre os seus desvãos,
Só achamos galhos em luto.

Cantamos à sua volta
E ave alguma respondia
À nossa canção revolta,
À nossa poenta alegria.

De noite, sob os seus galhos,
Dormimos, mas folha alguma
Nos protegeu dos orvalhos
Que a frígida alva ressuma.

E assim, crestados, famintos,
Úmidos, sós, aqui estamos
Entre os seus braços extintos
E as leves viúvas dos ramos.

Em torno da árvore seca,
Com as folhas pardas vestidos,
Onde a coruja defeca,
Dançamos, plenos, cumpridos.

 

VISAGEM

O estofo dos pesadelos:
Pênis vivos com cem patas,
Felação entre baratas,
Um olho eivado de pêlos,

Um formigueiro fervente
(No meio a rainha, morta),
Um ovo dentro da aorta,
Bílis brotando de um dente,

Línguas nascendo de joelhos,
Róseos traidores gratuitos,
Ânus cantando fortuitos,
Cancros crescendo de espelhos,

Um assassino que ri
Dentro de um berço, uns bolores
Na língua. Ah, tantos horrores
Foi entre os homens que os vi.

 

I.M.L.

Na porta do boteco
Com flores de coroas
Que oferta às moças boas
Ele ergue o seu caneco

De alumínio gravado
Com o escudo do seu time,
E conta o último crime,
E olha o bordel fechado.

Sorrindo, no balcão,
Beberica e, prudente,
Fita a vaga onde, em frente,
Deixou o rabecão.

Então, se há um que lhe peça
Que lembre do seu carro,
Diz, dando um grosso escarro:
— Defunto não tem pressa.

 

FAIT DIVERS

Carlinhos, o segurança,
O terror da Mem de Sá,
Trocou tiros num mafuá
Com o Fuinha, em plena dança.

O Fuinha perdeu a perna.
Depois morreu, no hospital.
O membro encaixou bem mal
No corpo, o que até consterna.

Carlinos, pior que o Fuinha,
Pagou na hora o seu erro.
Três tiros. No seu enterro
Só foi a sua mãezinha.

 

GLÓRIA

Bêbado, às duas da manhã,
Parei na loja de ovos e aves.
Subi na grade e, em grande afã,
Cacarejei, de ecoar nas traves.

Os galos todos acordaram
Cheios de brio e, num só coro,
Com seu cacarejo enfrentaram
O meu, mais forte, mais sonoro.

Saltavam todas as galinhas.
Penas voavam loja afora.
Ligavam luzes nas vizinhas
Casas. Parti. Criara a aurora.

 

LAPA

Nesta casa antiga,
Sob estas volutas,
Como ri com as putas
Entre uma e outra briga.

Como virei copos
E extingui charutos,
Discuti com brutos,
Vaiei misantropos.

Urinei nas pias,
Vomitei nas portas,
Com passadas tortas
Vi nascer os dias.

Velha, velha casa,
Como ainda és a mesma.
(Não tens dentro a lesma
Que nos funda e abrasa.)

 

LÁZARO

Cobrimos o mendigo que dormia
Com jornais, os jornais do extinto dia.

De fora só ficaram os sapatos
Cambaios, já roídos pelos ratos.

Acendemos então, junto, uma vela
E arengamos na luz branca e amarela.

Um círculo de povo já envolvia
Nosso pranto, e o pinguço nem tremia.

Volveu por fim do reino dos defuntos.
Debandada! E ele riu. Ríamos juntos.

 

DISFARCE

Esta sombra antiga,
A beleza, diga,
Onde se acha e abriga,
Se o imaginares.

Não aqui, nos duros
Paredões escuros,
Entre arames, muros,
Vísceras, bazares.

Não junto das bestas,
Nos roncos das sestas,
Nos bares, nas festas,
Nos rançosos lares.

Mas só lá, nos portos,
Nos arbustos tortos
Entre o vento e os mortos,
No arquejar dos mares.

Lá onde não se fala,
Onde a terra exala,
E tudo se cala
Só para escutares

O que não se escuta,
Que se esquiva, e luta,
A voz absoluta
A atroar nos ares.

 

JUSTIFICATIVA

Não sei o que fiz na vida.
Não a gastei como os cães.
Cada instante é a despedida
Do rio irreal das manhãs.

Nada ganhei. Não venci.
Nunca o quis. Deixo alguns versos,
Prova do que fiz aqui,
Perplexo em meio aos perversos.

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4 Respostas

  1. Parabéns e obrigado por nos brindar com Alexei Bueno. Olha, não que sou contra a poesia branca e contemporânea, mas me identifiquei muito com a inspiração que se alia ao árduo trabalho, como João Cabral disse, fazer poemas é como lapidar uma pedra. Os poemas em redondilha menor (7 sílabas poéticas) dizem claramente: seu autor é um “puta” poeta. Abs

    • bom saber que você gostou, eduardo!

      o que acho o MÁXIMO no alexei bueno é esta sua capacidade de transitar pelos mundos da poesia, ora com apego às formas fixas, ora não, e com uma gama de assuntos que vão do clássico ao moderno.

      maravilha recebê-lo aqui, eduardo!

      apareça sempre, a casa é nossa!

      abraço GRANDE!

  2. É,” é preciso adubar o solo da árvore, vê-la mudar sua estrutura seca, assistir-lhe a copa crescendo, os frutos nascendo, a sombra, fresca, abrigando…” e gosto de tua conVersa poética com Alexei Bueno.

    Um beijo Paulo, bom estar aqui.

    • bom tê-la aqui, carmen querida!

      beijo carinhoso!

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