ARTE DAS GAIVOTAS

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as gaivotas:

elas sentem familiaridade com os dois planos: o alto das rotas & o refúgio nas marés baixas.

as gaivotas:

elas sentem familiaridade com os dois planos: as nuvens acima & os cardumes embaixo.

como as gaivotas sentem familiaridade com dois planos, a sua arte não pode ser compreendida como um buquê de flores aéreas. afinal, as flores mantêm-se suspensas, presas às suas devidas hastes, enquanto as gaivotas abismam-se no mar profundo, à cata de alimento.

as gaivotas, além de suspensas no ar, despencam “setas” na linha que traçam no ar, mar adentro.

se as gaivotas comovem é porque não apenas em suspensão, como as flores, mas porque também em descensão.

se as gaivotas comovem é porque se mostram indecisas entre o alto das rotas & o refúgio das marés baixas.

ao elevarem-se, as gaivotas possuem o movimento do respiro dos ares; as asas, que ditam a direção do vôo, seguem na intuição, seguem no instinto, seguem no faro, das frescas folhagens.

por isso, por conta desse seguir a intuição na direção das frescas folhagens, e por conta do mergulhar nas marés baixas, as direções do vôo das gaivotas se assemelham ao elevar & abismar-se da clássica forma de um coração.

um coração voa alto, como as gaivotas, para, logo em seguida, como as gaivotas, a procura por alimento no fundo, entregue (o coração) ao abismo onde queda, onde mata a sede, onde sacia a fome.

ponteiam para o alto, as gaivotas, mas logo encurvam o sentido & o arremetem a uma procura descendente, isto é: as aves apontam para o alto, para o céu, mas logo encurvam, mudando a direção, & avançam com ímpeto, avançam com arrojo, para o mar, abismo abaixo (procura descendente), mergulho em queda livre, feito seta certeira.

as gaivotas: mudam de “interesse”, ou seja, mudam “a sua atenção” (ora elas desejam o vôo alto, ao sabor das folhagens frescas, ora desejam o contrário, desejam o mergulho de cabeça, em queda livre), sem, todavia, perder o “estilo”, isto é, sem perder “a maneira de mostrar interesse por algo” — maneira intensa, maneira vigorosa, veemente, enérgica.

a arte das gaivotas: a arte do coração.

beijo todos!
paulo sabino.
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(da revista: Inimigo Rumor. número: 14. autor: Fernando Paixão. organização: Vários (comitê editorial). editoras: 7Letras / Cosac Naify.)

 

ARTE DAS GAIVOTAS

Se a arte das gaivotas consolida um território para os sentimentos, não se pode cair na pieguice de compreendê-las por um buquê de flores aéreas. Seus volteios e maneirismos guardam sim uma haste vertical, a partir dos olhos, mas espetada numa água que só se faz escapar. Água.

Se as gaivotas comovem é porque se mostram indecisas entre o alto das rotas e o refúgio das marés baixas. Há nuvens acima e cardumes embaixo; elas sentem familiaridade com os dois planos e entre eles escrevem uma carta pessoal e única.

Debaixo das primeiras luzes da manhã rabiscam o inquieto conhecimento das rochas próximas e não têm medo de serem frias as águas de um espelho, onde elas devem mergulhar e procurar alimento.

E também faz parte do movimento das gaivotas o respiro dos ares, as asas entregues à intuição de folhagens frescas. Por isso as direções do vôo tanto se assemelham ao elevar e abismar-se da clássica forma de um coração. Ponteiam para o alto, as gaivotas, mas logo encurvam o sentido e o arremetem a uma procura descendente. Muda o interesse ao sabor da linha, mas sem perder o estilo.

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2 Respostas

  1. Olá Paulo, obrigado por compartilhar. Os textos me fazem lembrar que há anos ouvi uma frase e a reproduzo sem saber a correta autoria: nem a natureza sabe que é tão natural

    • adorei a frase, eduardo!

      acho que é por aí mesmo. 😉

      abração, queridO!

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