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anuncia-se a luz: a aurora de um novo dia.
o sol, o puro sol, verte-se sobre nós & a terra, desencantando cores:
frutos vivos: o mar, a flor, o bicho, a criança, a vida que, por todos os lados, se pronuncia em sua forma ao sol informe.
o mar, a flor, o bicho, a criança: a vida, força em ciclo, ciclo ininterrupto, ciclo contínuo, assim como as estações do ano, que, todo ano, descobrem-se, descortinam-se, desvelam-se, à existência.
mas (como tudo na vida tem um “porém”…),
há o “estar” das coisas, há o “estar” do corpo, há o ser “em um dado momento”, há o achar-se “em certa condição”: há o tempo & sua durabilidade, sua finitude, há o tempo de ínício & o tempo de fim.
há o cilco das coisas: os frutos, com seu peso & sua forma, apodrecem.
os frutos apodrecem e há quem os coma: o pássaro definitivo.
o pássaro definitivo: pássaro que passa, pássaro que passara, pássaro que passará. não há quem possa contra sua passagem.
por isso, não o procuremos: ele, um dia, uma hora, nos elegerá.
passado o pássaro, nunca a nossa atmosfera será a mesma, pois sustentamos, com as nossas vivências, o vôo que nos sustenta. sem elas, sem as nossas vivências, que funcionam como nossas asas, não alçamos vôo & quedamos, e, quedando, somos capturados, no ar, pelo bico do pássaro.
o pássaro é lúcido, porque transparente, porque diáfano (ninguém o vê), e porque exato, preciso, categórico (ao nos capturar); o pássaro é lúcido & nos retalha. sangramos. e nunca haverá cicatrização possível para este rumo (o de sermos retalhados & engolidos pelo pássaro).
este pássaro é reto. sempre na mesma direção, sempre a traçar a mesma rota, o mesmo caminho, sem curvaturas, sem inflexões.
o pássaro arquiteta o real sendo ele o próprio real: a realidade nua & crua, sem rodeios.
o pássaro em nossos caminhos é a única grande certeza que temos na vida.
nunca saberemos tanta pureza: pássaro a nos devorar aos poucos, dia a dia, até a bicada final, enquanto cantamos o seu canto, o canto da vida.
na luz do vôo profundo, um dia, existiremos neste pássaro: por enquanto, enquanto existência houver, é ele que vive em nós, é ele, o pássaro, que nos habita, latente.
aproveitemos, portanto, enquanto os ciclos & as estações não se encerram aos nossos olhos, aproveitemos enquanto o pássaro não nos eleger, e alcemos vôos altos, altíssimos, a fim de paisagens mais vastas, a fim de paisagens mais claras, a fim de paisagens panorâmicas, vôos que nos permitam uma apreciação mais ampla — e, por isso, mais brilhante — das paisagens que nos circundam.
beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Poesia reunida [1969-1996]. autora: Orides Fontela. editoras: 7Letras / Cosac Naify.)
AS ESTAÇÕES
Anuncia-se a luz
e o puro Sol
o Sol informe
verte-se
desencantando cores
frutos vivos
— força em ciclo descobrindo-se.
… mas
há o estar da pedra
há o estar do corpo
há peso e forma: os frutos
apodrecem.
SETE POEMAS DO PÁSSARO
I
O pássaro é definitivo
por isso não o procuremos:
ele nos elegerá.
II
Se for esta a hora do pássaro
abre-te e saberás
o instante eterno.
III
Nunca será mais a mesma
nossa atmosfera
pois sustentamos o vôo
que nos sustenta.
IV
O pássaro é lúcido
e nos retalha.
Sangramos. Nunca haverá
cicatrização possível
para este rumo.
V
Este pássaro é reto;
arquiteta o real e é o real mesmo.
VI
Nunca saberemos
tanta pureza:
pássaro devorando-nos
enquanto o cantamos.
VII
Na luz do vôo profundo
existiremos neste pássaro:
ele nos vive.
Lindo!!
Beijos.
Que bom! 🙂
Beijo!
É gratificante quando me deparo com palavras que vão compondo poemas que por alguns instantes nos faz esquecer do mundo lá fora!!!
É como se existisse só o agora!
Abraço.
Que maravilha!
Fico contente por saber que tais sensações lhe chegam!
Beijo grande!