_____________________________________________________________
do outro lado da porta,
certo homem deixa tombar sua corrupção.
do outro lado da porta, silêncio frio,
um homem deixa tombar sua deterioração, deixa tombar sua decomposição física, sua putrefação.
é inútil, entende o homem, elevar, esta noite, uma prece a seu curiosíssimo deus, deus que é três — o pai o filho o espírito santo — e que, ao mesmo tempo, é dois, e também um.
o homem entende que, esta noite, é inútil elevar uma prece a seu intrigante deus, deus que se julga, que acredita ser, imortal, porque seu intrigante deus não pode livrá-lo do seu destino fatal.
(o homem compreende que o seu deus nada pode fazer, que o seu deus não o livrará do vôo do pássaro definitivo, pássaro que passa, passara & passará, pássaro que nos retalha & nos faz sangrar com sua derradeira bicada, não havendo cicatrização para este rumo.)
agora o homem ouve a profecia, ouve a previsão, de sua morte (ouve o canto do pássaro que vem ao seu encontro), e sabe que é um animal assentado, animal pousado, animal firmado, na sua parca condição corrompível, condição mortal.
tu és, irmão, esse homem.
tu & eu somos esse homem.
essa, a condição de todos nós, seres corruptíveis; essa, a nossa condição, frutos que somos com tempo de início & tempo de fim.
agradeçamos os vermes & o esquecimento (já que não adianta lutar contra o inevitável) e aproveitemos a vida enquanto vida houver, aproveitemos a vida, senhores, enquanto não for fechada (a trinco) a última porta.
aproveitemos.
beijo todos!
paulo sabino.
____________________________________________________________
(do livro: Poesia. autor: Jorge Luis Borges. tradução: Josely Vianna Baptista. editora: Companhia das Letras.)
A PROVA
Do outro lado da porta certo homem
deixa tombar sua corrupção. É inútil
elevar esta noite uma prece
a seu curioso deus, que é três, dois, um,
acreditando-se imortal. Agora
ouve a profecia de sua morte
e sabe que é um animal assentado.
Tu és, irmão, esse homem. Agradeçamos
os vermes e o esquecimento.
José
E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, você?
você que é sem nome,
que zomba dos outros,
você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?
Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?
E agora, José?
Sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio – e agora?
Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse…
Mas você não morre,
você é duro, José!
Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?
Carlos Drummond de Andrade © Graña Drummond
E agora Paulo, queremos abrir a vida, queremos abrir o dia e José nos ajuda… tece-se a chave, tece-se a o caminho, tece-se a vida, porque um dia sabemos seremos ponto no infinito…por isso, cantemos Paulo( e José), para que morte não caiba na vida,assim, quem sabe aquela estrela cadente não seja ele, O José, drummoniando-nos para que sigamos pelas vitrines , janelas da vida, enquanto os trincos se “ensenham”a poucos mortais…
Um beijo grande e amo te ler.
Carmen Vidráguas.
Carmen, querida,
Eu também ADORO as suas visitas, ADORO lê-la, ADORO tê-la sempre por perto.
Lindas as suas palavras, como sempre!
Beijão, querida, e sigamos juntos!
Muito bom. Borges… ídolo.
Borges é grande. Mestre.
Abraço, Francisco!
Gosto particularmente do poema de Drummond…que creio também tyer colocado também há muito no meu blogue.
CDA é DEUS!
Que bom tê-la aqui, Amelia!
Beijão!
É surpreendente a maneira que você se supera a cada post!
Parabéns por mais esse…
Beijos.
Muitíssimo obrigado, querida “latifarpinheiro12”!
Espero que o PEmP conitnue trazendo poemas & textos de apresentação que a emocionem tanto quanto esses aqui lançados.
Venha sempre que quiser, a casa é NOSSA!
Beijo grande!