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só,
de frente para o mar,
ouvindo o seu lento & duradouro canto,
observando o seu sempre movimento de chegada & partida,
sou levado a pensamentos imprevisíveis.
de olhos liqüefeitos, de repente, não mais que de repente, estes versos à boca:
“não se afobe, não / que nada é pra já / o amor não tem pressa / ele pode esperar em silêncio”.
carregava uma tristeza. não pensava em outro amor. e esses versos me fizeram despertar para um sentimento gostoso, confortável, de apaziguamento.
como que dizendo a mim:
“paulo sabino,
“não se afobe, não, que nada é para ‘já’, não se afobe, não, que nada é exatamente para ‘agora’, para ‘este instante’. na vida, existe a espera; as coisas não estão dispostas no mundo ao meu bel-prazer, as coisas não estão dispostas no mundo ao bel-prazer de ninguém.
“muito menos o amor.
“por isso,
“não se afobe, não, paulo sabino, que nada é para ‘já’.
“o amor, este não tem pressa, ele pode esperar; esperar, por exemplo, num fundo de armário, esperar, por exemplo, na posta-restante (‘indicação que se escreve no envelope de uma carta para significar que ela deve permanecer na repartição do correio até que a reclamem’ — dicionário aurélio), o amor pode esperar milênios & milênios, no ar, sem ser captado, em silêncio absoluto.
“milênios & milênios no ar: passado tanto tempo, criando a distância existente entre os antigos impérios & os dias atuais, passado tanto tempo, viajo, imagino, suponho: o rio de janeiro sendo invadido por este mar, que agora miro, e transformando-se numa cidade submersa, feito a lendária ilha de atlântida. por sobre a cidade do rio submersa em mar, novas civilizações. mais tempo passado. os escafandristas do futuro, então, virão explorar a minha casa, a casa de todos que habitavam a cidade submersa, os escafandristas do futuro virão explorar minha casa, meu quarto, minhas coisas, minha alma, desvãos…
“os escafandristas do futuro levarão aos sábios futuros todo o material recolhido nas expedições, e esses sábios, em vão, tentarão decifrar: o eco de antigas palavras, fragmentos de cartas, poemas, mentiras, retratos — vestígios de estranha civilização, civilização com os seus pertences até então milênios & milênios no ar, sem serem captados.
“os vestígios resgatados da estranha civilização (fragmentos de cartas, poemas, mentiras, retratos) perdurarão nas civilizações futuras, assim como perduram diversos textos & poemas de impérios antigos na civilização que hoje se vivencia.
“já que as coisas, de alguma forma, podem perdurar milênios & milênios no ar, não se afobe, não, paulo sabino, que nada, no mundo, é para logo, é para já.
“amores (as suas histórias), estes serão sempre amáveis, amores serão sempre encantadores, sempre afáveis, sempre lisonjeiros, amores serão sempre merecedores de amor, amores serão sempre dignos de serem amados, e, por essa característica que os amores contêm (a de serem sempre amáveis), futuros amantes de civilizações futuras, quiçá, futuros amantes de civilizações futuras, talvez, amar-se-ão, sem saber nem sequer suspeitar, com o amor que eu, um dia, através de cartas, poemas, textos variados, deixei para os que amo.
“é, paulo sabino, não se afobe, não, mantenha-se sereno, tranqüilo, que nada é para já…”
beijo todos!
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(do livro: Tantas palavras. autor: Chico Buarque. editora: Companhia das Letras.)
FUTUROS AMANTES
Não se afobe, não
Que nada é pra já
O amor não tem pressa
Ele pode esperar em silêncio
Num fundo de armário
Na posta-restante
Milênios, milênios
No ar
E quem sabe, então
O Rio será
Alguma cidade submersa
Os escafandristas virão
Explorar sua casa
Seu quarto, suas coisas
Sua alma, desvãos
Sábios em vão
Tentarão decifrar
O eco de antigas palavras
Fragmentos de cartas, poemas
Mentiras, retratos
Vestígios de estranha civilização
Não se afobe, não
Que nada é pra já
Amores serão sempre amáveis
Futuros amantes, quiçá
Se amarão sem saber
Com o amor que eu um dia
Deixei pra você
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(do site: Youtube. canção: Futuros amantes. autor & intérprete: Chico Buarque.)
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