FILOSOFIA DE PASSAGEM: NÃO AO SENÃO

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quando o tempo tem tempo e chega em tempo de me dar algum tempo para pensar, procuro ver a luz do pensamento que brilha de uma forma singular.

 
quando, com tempo para pensar, procuro ver o que um pensamento pode me trazer de extra-ordinário, caço o que o pensamento pode me trazer de “achados”.
 
pensando alguma coisa, desvelo, com prazer, cada momento desse pensar. pensando alguma coisa, desenrolo o fio condutor do raciocínio, passo a passo, procurando nunca perder o fio da meada.
 
mas se a busca por uma idéia singular me traz só ar & vento, isto é, se no desenrolar do fio do pensamento que me proponho perco a meada, isto é, se a busca por uma idéia singular não dá em nada muito produtivo (só ar & vento), deixo o vento sair, deixo o vento circular no meu entorno.
 
e, apesar de ficar sufocado no deserto (de idéias infecundas), num deserto de idéias a pairar (no ar, no vento), procuro reparar, ver de mais perto (por uma questão de método, de princípio, de rigor), estas idéias infecundas: porque sob o peso, ainda que pouco, ainda que ralo, ainda que leve, ainda que árido, da aragem, porque sob o peso do vento & do ar que restam da tentativa de um pensamento raro, a pulsar pode estar uma idéia com valor.
 
atentemos ao que nos passa à mente. porque, na mente, pode nos ocorrer uma idéia fabulosa a partir de um terreno aparentemente desértico, uma idéia fabulosa pode acontecer a partir de um terreno aparentemente árido, uma idéia fabulosa pode nos surgir a partir do pouco que restou de um exercício intelectual.
 
a partir de um terreno aparentemente desértico, pode nos ocorrer uma idéia de valor:
 
afiar a faca do vento, e, com ela, cortar o pulso do “senão”, cortar o pulso da conjunção “adversativa”, cortar o pulso da conjunção que serve para sinalizar oposição, para sinalizar o que é contrário: para sinalizar o que impede, o que “não”.
 
e, assim, cortando o pulso do senão, cortando o pulso daquilo que impede, desapertar o coração com o nó do pensamento.
 
sempre digo: razão & sentimento nascem de naturezas divergentes, contudo podem perfeitamente convergir, podem caminhar juntos, em harmonia.
 
pensar uma questão sentimental, as suas nuances, as armadilhas armadas para si mesmo, colabora na melhor vivência dos sentimentos, por exemplo.
 
pensar pensar pensar uma questão sentimental (por exemplo), até que o pensar, de tão pensado, se assente no sentimento: desapertar o coração com o nó do pensamento.
 
pois o “senão” (que serve para sinalizar oposição, para sinalizar o que é contrário, aquilo que “não”) que sufoca a vida de uma pessoa, e se adensa como breu (manchando as vontades, os desejos), e ameaça com a forca (fazendo morrer vontades, morrer desejos, morrer pessoas, pessoas que se transformam em tristes & amargas, infelizes), e põe as garras ao léu (e põe as garras na ocasião mais oportuna), o “senão” (conjunção adversativa, aquilo que obstrui, aquilo que sempre conjugado ao “não”) pede a faca no pescoço, o “senão” pede o fio da navalha, desde a pele até o osso, faca & navalha no “senão”, da pele até o osso, faca & navalha no “senão” por inteiro, de cabo a rabo:
 
porque, mesmo sendo dura a vida, mesmo a vida sendo árdua, mesmo sendo difícil, vale mais do que perdida.
 
afinal, a oportunidade única de existência é esta aqui que temos. e já que estamos aqui, na vida, mais vale aproveitá-la que perdê-la, mais vale dançar ao som da banda, vivenciando-o na rua, seguindo ao seu lado, que ver a banda passar, cantando coisas de amor, do alto da janela, ausentando-se ao máximo das experiências mundanas (ainda que muitas das experiências vida afora sejam dolorosas, machuquem fundo, muitas dessas experiências são deveras valiosas, ensinam bastante). 
 
feliz ou infelizmente, não sei, aprende-se muito com a dor.
 
mais vale aproveitar a vida que perdê-la.
 
pois que, naturalmente, tudo, na vida, é um incessante perder.
 
é só pensar: quanto mais passos dados, menos estrada a percorrer. quanto mais dias vividos, menos dias a se viver.
 
vivências & mais vivências & um turbilhão de fatos na memória. 
 
das águas corredias da memória, águas que não cessam a corrida, emergem os liames da incerteza, das águas corredias da memória emerge tudo aquilo que retido ficou na rede da incerteza: os liames da incerteza retêm lendas, mitos & a história da humanidade, os liames da incerteza retêm a beleza das artes, a beleza dos ofícios, da cultura, a beleza de terras fecundas e até sáfaras (terras infecundas, terras desérticas, terras pedregosas), lugares que foram e que serão (as terras fecundas & as sáfaras) a sepultura de quem partiu do fio das diásporas (diáspora: dispersão de um povo em conseqüência de preconceito ou perseguição política, religiosa ou étnica).
 
é veloz o decurso da vida: um dia após o outro e, de repente, num susto!, já fomos…
 
e o que sobra da nossa despedida (matéria fétida & putrefata para o banquete dos vermes, restando de nós, após o repasto, apenas os ossos), oxalá fosse pasto de semente, o que sobra da nossa despedida, quisera eu fosse lugar adequado ao plantio de semente: se assim o fosse, de nós, a vida brotaria mais uma vez. 
 
de novo sentiríamos o sol: quem sabe se flor, quem sabe se rouxinol.
 
portanto: aproveitemos enquanto há tempo!
 
beijo todos!
paulo sabino.
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(do blog: A espessura do tempo. url: http://domingosmota.blogspot.com.br/. autor: Domingos da Mota.)
 
 
 
FILOSOFIA
 
 
Quando o tempo tem tempo e chega a tempo
de me dar algum tempo pra pensar,
procuro ver a luz do pensamento
que brilha de uma forma singular
 
Desvelo com prazer cada momento,
num silêncio profundo, a meditar
Mas se a busca me traz só ar e vento,
deixo o vento sair, e apesar
 
de ficar sufocado no deserto,
num deserto de ideias a pairar,
procuro reparar, ver de mais perto
 
Por método, princípio, rigor:
sob o peso da aragem, a pulsar,
pode estar uma ideia com valor
 
 
 
O SENÃO
 
 
Afia a faca do vento
corta os pulsos ao senão
com o nó do pensamento
desaperta o coração
 
pois o senão que sufoca
e se adensa como breu
e ameaça com a forca
e põe as garras ao léu
 
pede a faca no pescoço
pede o fio da navalha
desde a pele até ao osso
(ou o diabo que o valha);
 
mesmo sendo dura a vida
vale mais do que perdida
 
 
 
SONETO DE PASSAGEM
 
 
Das águas corredias da memória
emergem os liames da incerteza:
retêm lendas, mitos e a história
das crenças, das ideias e a beleza
 
das artes, dos ofícios, da cultura,
e de terras fecundas e até sáfaras
que foram ou serão a sepultura
de quem partiu do fio das diásporas.
 
É veloz o decurso desta vida:
um dia após o outro, e de repente
já fomos, e o que sobra à despedida
oxalá fosse pasto de semente:
 
de novo sentiríamos o sol,
quem sabe se flor, se rouxinol.

2 Respostas

  1. querido, doçurita,
    faz tempo conheço a poesia de Domingos,
    achei sua análise, que acaba por ser também uma análise do poeta, uma bela introdução ao ofício que ele exerce com tanta capacidade: o poema!
    deixo aqui a minha admiração por ele e por ti, que nos brinda graciosamente com inteligência e sensibilidade, combinação irresistível!
    quando puder, mande notícias sobre o nosso assunto pendente: as coisas do coração!

    um beijo, meu amigo.

    • palavras lindas, meu doce!

      que bom contar com você nesta trajetória de versos!

      vamos marcar um encontro, sim! vamos botar o papo em dia, sim! vamos vamos vamos!

      beijo beijo beijo! 🙂

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