UM NOVO PLANO, UM NOVO ÂNGULO: E NUNCA ESQUECER O POEMA

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decantar os sentimentos.
 
separar, dos sentimentos, os “sedimentos” que sobram, separar, dos sentimentos, as “impurezas” que restam.
 
afinal, nem tudo que se sente é de cantar. nem tudo que se sente é para compartilhar. nem tudo que se sente é para repartir, alastrar em verso.
 
decantar o que é de cantar.
 
depois do processo de decantação, após o processo de filtragem dos sentimentos, recolher, no fundo do recipiente, o mais pesado que o ar (o resíduo que fica de um sentimento), antes que voe. 
 
recolher, no fundo do recipiente após a decantação, o mais pesado que o ar, que, apesar de ser “o mais pesado que o ar” (o resíduo que fica de um sentimento), pode voar. 
 
recolher “o mais pesado que o ar”: recolher aquilo que pesa, recolher aquilo que, por falta de leveza, incomoda, recolher aquilo que, por falta de airosidade, importuna. 
 
captar o resíduo (mais pesado que o ar) no recipiente, antes que voe (antes que seja perdido, antes que seja tarde demais), e  ampliar na microlente (do viver) o desconforto — evidente — entre a vida que se leva & a que não se sabe se virá.
 
entre a vida que levamos & a vida desejada, existe uma diferença (tremenda), evidentemente. e essa diferença (entre o desejo de uma vida & a vida como ela é) acaba por trazer um certo desconforto existencial.
 
o desconforto existencial: peso que resta no fundo do recipiente.
 
a fim de que a balança se equilibre (o desejo de uma vida X a vida como ela é), em caso de “grande” (a medida do desconsolo cabe a cada um de nós) desconforto existencial (porque algum desconforto teremos inevitavelmente; somos seres insatisfeitos por natureza), inventar um novo plano, como no cinema (plano: trecho de filme ou de gravação de vídeo feito com uma única tomada, sem cortes), inventar, como no cinema, um novo ângulo (posição da câmera em relação ao objeto em foco, em cena), inventar fotografias, inventar novos enquadramentos, como no cinema, que tudo se transforma pelo olhar.
 
o olhar & seu grande poder transformador: tudo depende do modo como enxergamos, tudo varia de acordo com a maneira que encaramos, as “cenas” do grande filme que vamos montando, plano único, sem cortes & sem direito a emendas. 
 
o olhar também é feito de escolhas, ainda que muito profundas, ainda que imperceptíveis conscientemente.
 
pode-se olhar o vôo de um pássaro no céu azul & ignorá-lo por inteiro. pode-se olhar uma flor (a forma da sua corola, determinada pelo desenho das pétalas) & não estar atento a ela. pode-se avistar o sorriso solto, espontâneo, de uma criancinha na rua & tal sorriso não significar coisa alguma.
 
o olhar é feito, sobretudo, de escolhas (conscientes ou não).
 
em prol de um novo plano-seqüência (como no cinema), e também em prol de um novo plano, isto é, em prol de uma nova proposta, de um novo propósito, de uma nova idéia, em prol de um novo ângulo (que tudo se transforma pelo olhar), não vá esquecer este poema como se esquecem os nomes, um encontro, o número do telefone.
 
não vá esquecer este poema (e pensar que o que peço é um paradoxo, já que tudo, na vida, é esquecimento. lembramos, recordamos, porque, sobretudo, esquecemos, deslembramos).
 
não vá esquecer, e tudo é esquecimento — exceto o que pulsa & impulsiona para frente…
 
fica-nos o que nos importa. fica-nos o que nos exporta.
 
(que o poema pulse & nos impulsione para frente!)
 
leve este poema consigo. guarde na carteira. cole no espelho.
 
(a gente nunca sabe quando vai precisar…)
 
beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: O menos vendido. autor: Ricardo Silvestrin. editora: Nankin Editorial.)
 
 
 
decantar os sentimentos
nem tudo que se sente
                             é de cantar
 
recolher no fundo
do recipiente (antes que voe)
o mais pesado
                             que o ar
 
ampliar na microlente
o desconforto, evidente,
entre a vida que se leva
e a que não se sabe
                             se virá
 
inventar um novo plano,
como no cinema, um novo ângulo,
que tudo se transforma
                             pelo olhar
 
 
 
Não vá esquecer este poema
como se esquecem os nomes
um encontro
o número do telefone
Não vá esquecer
e tudo é esquecimento
(exceto o que pulsa
o que impulsiona pra frente)
Leve este poema consigo
guarde na carteira
cole no espelho
A gente nunca sabe
quando vai precisar de um poema

2 Respostas

  1. Digo que os poetas brasileiros hoje se dividem entre os homenageados pelo Paulo Sabino e os que ainda não o foram. Obrigado! Abraço!
    Ricardo Silvestrin

    • Poeta,

      que HONRA recebê-lo neste espaço!

      E que alegria (festa interna – rs!) me trouxe as suas palavras!

      Puxa vida, bacana pensar que este espaço serve de “referência” (seja lá o que isso queira dizer, se é que diz alguma coisa – rs).

      Beijo GRANDE!

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