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neste mesmo instante, em algum lugar, alguém está pensando a mesma coisa que você estava prestes a dizer.
pois é.
e esta não é a primeira vez (nem a última).
uma mesma piada, uma mesma teoria, as similaridades dos deuses mitológicos, tudo isso nasce de várias partes do mundo, em línguas as mais variadas, simultaneamente.
originalidade não tem vez neste mundo, nem tempo, nem lugar.
as coisas são ditas & reditas de formas as mais diversas.
o que você disser não muda coisa alguma porque você dirá aquilo que já foi dito. não muda porque não é diferente. não muda porque não é original.
portanto, perda de tempo dizer o que quer que você tenha a dizer. mesmo parecendo que desta vez algo de importante vai ter lugar, não caia nessa: é sempre a mesma coisa.
(as coisas são ditas & reditas de formas as mais diversas.)
sim. tanto faz dizer “coisa com coisa”, isto é, tanto faz ser coerente em sua narrativa, ou simplesmente se contradizer: é sempre a mesma coisa. dizendo “coisa com coisa” ou se contradizendo, todo o dito (coerente ou contraditório) já foi dito por alguém, em algum lugar, em determinada circunstância.
melhor calar-se para sempre em vez de ficar o tempo todo a alugar todo mundo, dizendo sempre, sempre, a mesma coisa (originalidade não tem vez neste mundo, nem tempo, nem lugar), a mesma coisa que nunca foi necessário dizer. como faz este poema, que diz o que diz todo & qualquer poema.
talvez.
“talvez” porque o poema, de repente, sequer consiga, em seus versos, dizer o que quer que se diga sempre. “talvez” porque, quem sabe, o poema não alcançou o objetivo de dizer o que se diz sempre, “talvez” porque os versos podem não estar à altura do que sempre é dito.
“talvez” porque o melhor, de repente, não seja calar-se para sempre. “talvez” porque, quem sabe, o fato de sempre dizermos a mesma coisa seja, em si, a razão maior para dizermos sempre a mesma coisa.
talvez o que nos excite & incite a dizer sempre a mesma coisa seja a possibilidade de empregar novas imagens, a possibilidade de armar um outro jogo de palavras, para dizer aquilo que já foi dito, dando a ele (ao que já foi dito) o frescor & a aparência de um dito novo:
Os autores mais originais dos últimos tempos são originais, não por produzirem algo novo, mas apenas porque são capazes de dizer as coisas que dizem como se elas nunca antes houvessem sido ditas.
(goethe, tradução de antonio cicero.)
talvez o poema diga (o que quer que diga). talvez o poema não diga. talvez seja importante dizer sempre a mesma coisa. talvez, não. talvez também possa ser isto. talvez também possa ser aquilo. talvez também possa ser isto & aquilo outro: dúvidas.
dúvidas: muitas. um monte. uma montanha delas.
uma geografia de dúvidas percorre todo o firmamento humano, o céu onde voamos, onde viajamos, uma geografia de dúvidas percorre o nosso céu —- cabeça nas nuvens:
serão serafins (a geografia de dúvidas que percorre o firmamento)? será música isso que martela incessantemente (dúvida dúvida dúvida) e não consegue arrebentar, e não consegue partir-se, e não consegue dissipar, cessar, acabar?
as perguntas, sem solução, se dissipam no ar…
contudo, junto às perguntas, um cardume de corolários (argumentações, reflexões ou afirmações decorrentes de argumentações, reflexões ou afirmações já pensadas) atravessa o desfiladeiro em que me encontro: “então isto é aquilo, e o contrário só é verdade do princípio ao meio etc.”
junto às dúvidas, uma série de constatações é realizada.
caminhando junto ao que não se sabe, uma penca de álibis, uma penca de justificativas plausíveis, que vamos encontrando sobre o ser & o estar no mundo.
o saber (o conhecimento) é sua própria recompensa.
recompensa: prêmio recebido por uma ação realizada com sucesso.
no caso do saber, a ação realizada com sucesso é a compreensão (profunda) daquilo que se procura conhecer.
a compreensão (profunda) daquilo que se procura conhecer: isso é ter saber, isso é adquirir conhecimento: eis a grande recompensa.
e, no fundo, o prêmio é bom.
o saber como a própria recompensa: a compreensão (profunda) das coisas.
a compreensão profunda do que diz esta ode, do poeta & filósofo romano horácio (tradução do poeta & filósofo antonio cicero):
ODE I.11
Não interrogues, não é lícito saber a mim ou a ti
que fim os deuses darão, Leucônoe. Nem tentes
os cálculos babilônicos. Antes aceitar o que for,
quer muitos invernos nos conceda Júpiter, quer este último
apenas, que ora despedaça o mar Tirreno contra as pedras
vulcânicas. Sábia, decanta os vinhos, e para um breve espaço de tempo
poda a esperança longa. Enquanto conversamos terá fugido despeitada
a hora: colhe o dia, minimamente crédula no porvir.
que fim os deuses darão, Leucônoe. Nem tentes
os cálculos babilônicos. Antes aceitar o que for,
quer muitos invernos nos conceda Júpiter, quer este último
apenas, que ora despedaça o mar Tirreno contra as pedras
vulcânicas. Sábia, decanta os vinhos, e para um breve espaço de tempo
poda a esperança longa. Enquanto conversamos terá fugido despeitada
a hora: colhe o dia, minimamente crédula no porvir.
aqui, horácio no “baixo”, aqui, o poeta romano, de priscas eras, trazido à altura de nós, que podemos discuti-lo, por exemplo, em algum bar do “baixo gávea” (área com grande concentração de bares, no rio de janeiro), o poeta romano horácio e sua ode, aqui, esmiuçada num papo reto, esmiuçada numa narrativa direta, contemporânea (as coisas são ditas & reditas de formas as mais diversas):
tentar prever o que o futuro nos reserva não leva a nada.
mãe de santo, mapa astral, livro de auto-ajuda: tudo a mesma merda.
o melhor é aceitar o que de bom ou mau acontecer.
deixar o amanhã ao amanhã.
preocupar-se mais com o presente, com o agora, com o hoje, com o dia-a-dia, com o cotidiano.
afinal, o presente, o agora, o hoje, o dia-a-dia, o cotidiano, é o que temos nas mãos.
tome o seu chope, aproveite o dia, e, quanto ao amanhã (que nem sabemos se virá),
o que vier é lucro!
(fica a dica.)
beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Formas do nada. autor: Paulo Henriques Britto. editora: Companhia das Letras.)
CIRCULAR
Neste mesmo instante, em algum lugar,
alguém está pensando a mesma coisa
que você estava prestes a dizer.
Pois é. Esta não é a primeira vez.
Originalidade não tem vez
neste mundo, nem tempo, nem lugar.
O que você fizer não muda coisa
alguma. Perda de tempo dizer
o que quer que você tenha a dizer.
Mesmo parecendo que desta vez
algo de importante vai ter lugar,
não caia nessa: é sempre a mesma coisa.
Sim. Tanto faz dizer coisa com coisa
ou simplesmente se contradizer.
Melhor calar-se para sempre, em vez
de ficar o tempo todo a alugar
todo mundo, sem sair do lugar,
dizendo sempre, sempre, a mesma coisa
que nunca foi necessário dizer.
Como faz este poema. Talvez.
LIMIAR
Uma geografia de dúvidas
lhe percorria todo o firmamento:
serão serafins? será música
isso que martela incessantemente
e não consegue arrebentar?
As perguntas se dissipam no ar.
E um cardume de corolários
atravessava-lhe o desfiladeiro:
então isto é aquilo, e o contrário
só é verdade do princípio ao meio
etc. Isso proporcionava-lhe
prazer não pouco, e uma penca de álibis.
Definitivamente, sou,
ele pensou, com a magnificência
de um pterossauro em pleno voo.
O saber é sua própria recompensa,
como a virtude, concluiu.
E viu que isso era bom. Depois dormiu.
HORÁCIO NO BAIXO
(ODES I, 11)
Tentar prever o que o futuro te reserva
não leva a nada. Mãe de santo, mapa astral
e livro de autoajuda é tudo a mesma merda.
O melhor é aceitar o que de bom ou mau
acontecer. O verão que agora inicia
pode ser só mais um, ou pode ser o último —
vá saber. Toma o teu chope, aproveita o dia,
e quanto ao amanhã, o que vier é lucro.
Continuo a gostar muito do seu blogue, de que sou seguidora fielGosto dos textos que assina e dos poemas que selecciona.E…carpe diem,pois!
Amélia, sempre querida, sempre benvinda,
Pra mim é um grande prazer tê-la como leitora, desfrutar da sua companhia. É muito bom saber que o “Prosa em poema” ainda lhe interessa.
Beijo grande!