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no bolso esquerdo, no bolso do lado esquerdo do peito, levo uma tristeza que se agita, andorinha, lépida & pequenina, quando escrevo.
pois, quando escrevo, agita-se a andorinha chamada tristeza, lépida & pequenina, e, com ela, agitam-se algumas saudades, alguns dissabores, quando escrevo.
no entanto, juro, os senhores devem perceber, sou alegre & rio tanto & mais sempre que me atrevo. e, nesse quesito, considero-me bem atrevido.
amo. e amo sempre, esperançoso, reincidente abelha, insistente & repetitiva abelha (animal que trabalha incansavelmente, com cuidado, esmero & atenção), amo industrioso, amo caprichado, esmerado, amo & tenho trabalho (ainda que, no fim das contas, prazeroso).
dos abraços, rápidos marinheiros, marinheiros que chegam & partem logo (visto o breve tempo de um abraço), deles (dos abraços) ficam, no ar, algumas formas breves: um revoar de plumas, um revoar de travesseiros, um revoar de formas breves & leves & confortáveis. mas o peso deles (dos abraços), o peso que eles (os abraços) adquirem dentro de nós, é de chumbo & sal.
no vivenciar o mundo, minucioso, perco a exatidão do mundo. no vivenciar o mundo, detalhista, perco a precisão, perco a clareza, perco a nitidez do mundo, pois, no vivenciá-lo, percebe-se que o mundo são dúvidas, incertezas, caminhos possíveis, escolhas. no vivenciar o mundo, percebe-se que o mundo, sobretudo, é errância. ninguém sabe ao certo o que nos aguarda ao dobrar a próxima esquina.
em meus olhos desatentos, guardo apenas imprevistas surpresas de janela, guardo, em meus olhos distraídos, apenas inesperadas surpresas de quem assiste ao passar da vida (não somente como um ator social, não somente como um ser atuante, mas também como um espectador distanciado) & uma inocência de menino à espera, grávido de sonhos, de vontades, menino grávido de vida.
menino grávido de vida, decreto que, hoje, o poema do poeta será festa, feriado comemorativo.
hoje, que os cabelos brancos do poeta sejam prata, metal precioso, as rugas, rios de muitas águas, cada poro do poeta seja um lago. hoje, que sejam potáveis & frescas as águas oferecidas pela fonte poética.
hoje, que beijem leve, longamente o poeta; hoje, que passeiem pelo corpo do poeta como um parque (de diversões), fonte de prazeres a quem dele se sirva.
hoje foi decretado que o poema do poeta será festa, feriado comemorativo.
hoje o poeta vestirá aquele riso grande & inocente.
hoje o poeta vai provar algodão-doce, mel rosado, beber chuva passageira sentado a uma mesa na calçada.
hoje o poeta será tanto & tantas vezes (feliz) que, dele, hão de dizer, penalizados: “é criança ainda, ou bolero”.
hão de dizer, sentindo pena, que hoje o poeta é criança ainda, hão de dizer que hoje o poeta é inocente, fantasioso, onírico, cheio de energia para traquinices, ou hão de dizer que hoje o poeta é feito um bolero: ritmo de origem espanhola, chegou à américa latina por cuba & é dedicado àqueles que amam com despudor, é dedicado àqueles que amam livres de recatos & amarras, que amam sem nenhuma vergonha de dizer, com todas as sílabas, seus sentimentos.
hoje o poeta é feito um bolero: a canção para bem entendê-lo: ritmo dedicado àqueles que amam despudoradamente, ritmo dedicado ao amor livre de recatos & amarras.
beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Olhos de cadela. autora: Ana Mariano. editora: L&PM Editores.)
CANÇÃO PARA ME ENTENDER
No bolso esquerdo, levo uma tristeza
que se agita, andorinha, quando escrevo.
No entanto, juro, sou alegre e rio
tanto e mais, sempre que me atrevo.
No amor, dizem, sou incongruente.
Mas amo. Amo sempre, esperançosa,
reincidente abelha, amo industriosa,
em dias alternados, amo insistente.
Dos abraços, rápidos marinheiros,
ficam no ar algumas formas breves,
um revoar de plumas, travesseiros.
Mas é de chumbo e sal o peso deles.
A exatidão do mundo perco, minuciosa.
Guardo apenas, em meus olhos desatentos,
imprevistas surpresas de janela
e essa inocência de menina à espera.
FEITO UM BOLERO
Que meus cabelos brancos hoje sejam prata,
as rugas, rios de muitas águas,
cada poro meu seja um lago.
Que me beijem leve, longamente
e passeiem meu corpo como um parque.
Hoje meu poema será festa, feriado comemorativo.
Vestirei aquele riso grande e inocente.
Vou provar algodão-doce, mel rosado,
beber chuva passageira sentada a uma mesa na calçada.
Hoje serei tanto e tantas vezes
que de mim hão de dizer, penalizados:
é criança ainda ou bolero.
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