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Há alguns dias, peguei o livro Metalíngua, do querido amigo, o poeta gaúcho Alexandre Brito, a fim de reler alguns dos seus poemas.
No mesmo dia em que peguei o Metalíngua para reler, coincidentemente, recebi um e-mail do Alexandre Brito me recomendando a leitura dos poemas de um poeta por ele admirado. Por conta dessa coincidência (o Britto escrever no mesmo dia em que resolvi reler alguns dos seus poemas), deu-se o seguinte diálogo (que só me trouxe alegrias): escreve Paulo Sabino:
“Querido, que coincidência feliz!
Estou exatamente AGORA com o ‘Metalíngua’, relendo algumas coisas, e topei com uma dúvida que me ronda há algum tempo. No (lindíssimo!) ‘Tese sobre nada’, no penúltimo verso do poema você escreve:
‘ou ainda estrevania em relação a betoneira‘.
Se não for abuso, o que significa estrevania? É um neologismo? Já catei os radicais da palavra & não consigo fazer nenhuma associação (rs)… O poema é lindo, eu o adoro, mas essa palavrinha me persegue a cabeça (rs)…
Abraço imenso, poeta!”
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Abaixo, a resposta do poeta Alexandre Brito:
“risos.
que legal, Paulo!
um bom leitor é isso.
‘Sabino’ da vida.
busca a pormenoridade
mesmo mínima.
pois, ‘ESTREVANIA’
é pura invenção.
mancha sonora, letra, sílaba
palavra
q nada nomina.
parabéns, amigo!
um detalhe despercebido pela totalidade dos leitores
mas que não escapou a ti
e tua curiosidade
artística.
grande abraço!”
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uma tese sobre “nada”: uma caligrafia que, no fundo, não comunica, uma caligrafia que, no fundo, não significa: uma caligrafia do imaginário, uma caligrafia que só existe na imaginação, caligrafia que se reproduz mediante caracteres simbólicos & metáforas encerrados em si mesmos, caracteres simbólicos & metáforas que não possuem o auxílio de referências outras que não as referências que guardam de si mesmos.
porém, mesmo a caligrafia do imaginário com os caracteres simbólicos & as metáforas encerrados em si mesmos, sem o auxílio de referências outras que não as referências que guarda de si mesma, essa caligrafia, ao acolher ecos & reverberações sígnicas não mensuráveis, ao abrigar ecos & reverberações de signos lingüísticos que não podem ser mensurados, medidos, alcançados, mantém um sentido — nas feições dos seus signos, no gesto sempre transfigurado das suas metáforas.
uma caligrafia do imaginário em que os seus caracteres simbólicos não se relacionem com nada, caracteres cujos significados não se conectam a nada, caracteres que vivem independentemente as suas significações.
assim, uma escritura em ruptura (pois tal escritura rompe com a função característica de qualquer escritura, que é a de comunicar), que avança do familiar ao desconhecimento (ininteligível, dado o seu hermetismo), é lavrada (é preparada, é fomentada), no livro secreto das dúvidas (afinal, uma caligrafia do imaginário que não comunica, que não significa, o que deseja? qual a sua função, a sua finalidade? o que dizem os seus caracteres, as suas metáforas?). sem aparente significado especial, desprovida de qualquer relevância imediata (pois tal escritura rompe com a função característica de qualquer escritura, que é a de comunicar), a caligrafia do imaginário articula substâncias medulares, isto é, substâncias essenciais, fundamentais, substâncias que formam a sua forma (a forma da caligrafia do imaginário), exprimindo, por alusão, matéria subliminal potencialmente: transgressiva.
a caligrafia do imaginário, por não ser compreendida (caligrafia que se reproduz mediante caracteres simbólicos & metáforas encerrados em si mesmos, caracteres simbólicos & metáforas que não possuem o auxílio de referências outras que não as referências que guardam de si mesmos), exprime matéria potencialmente transgressiva, pois a matéria da caligrafia do imaginário transgride, vai além do sentido de quaisquer significações mundanas, existenciais, a caligrafia do imaginário exprime matéria potencialmente transgressiva porque ela é livre para ser o que quiser ser, ela é livre para significar o que quiser significar & com os caracteres simbólicos os mais variados, à margem de quem deseje compreendê-la.
pois esta entidade abstrata, incapacitada de ser trazida à concretude existencial, entidade que se reproduz segundo um código cifrado (onde cada caractere simbólico significa algo encerrado em si mesmo, algo que não se correlaciona com nenhum outro caractere simbólico que compõe a caligrafia do imaginário), esta “quase” impossibilidade (“quase” impossibilidade porque, apesar de todos os paradoxos que impossibilitariam a caligrafia de ser uma caligrafia, a caligrafia existe com seus caracteres simbólicos & suas metáforas, ainda que exista apenas no imaginário), esta entidade abstrata, esta quase impossibilidade, literalmente incapaz de ser definida & determinada com certeza e/ou precisão (dado o seu hermetismo), propaga-se, alastra-se, para além dos mapas, tábuas & notações pré-estabelecidas conceitual & esteticamente, quer por intangível, intocável, impalpável, que seja, quer por outro qualquer motivo.
a questão é que, numa caligrafia do imaginário (onde cada caractere simbólico significa algo encerrado em si mesmo, algo que não se correlaciona com nenhum outro caractere simbólico que compõe a caligrafia), as palavras — os caracteres simbólicos — que compõem tal caligrafia não possuem relação alguma, nem relação de similitude nem de oposição:
pedra em relação a ventania, por exemplo:
na nossa caligrafia, pedra & ventania são caracteres simbólicos — palavras — que representam elementos diametralmente opostos (a pedra, material sólido, e ventania, ar atmosférico), possuem uma relação (ambos, pedra & ventania, são caracteres simbólicos que representam elementos naturais formados por componentes inteiramente opostos: elemento material da natureza X elemento imaterial da natureza).
numa caligrafia do imaginário, os caracteres que significariam pedra, ou ventania, ou água, ou fogo, ou negro, ou branco, habitam o âmago de uma mesma incógnita: pois os caracteres simbólicos & metáforas da caligrafia do imaginário não possuem o auxílio de referências outras que não as referências que guardam de si mesmos (todo caractere simbólico da caligrafia do imaginário significa, comunica, algo encerrado em si mesmo, algo que não se correlaciona com nenhum outro caractere da mesma caligrafia).
uma caligrafia do imaginário: uma caligrafia que não comunica, que não significa, uma entidade abstrata, uma quase impossibilidade: mais um dos tantos delírios de quem revira linguagens — como nós, poetas.
beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Metalíngua. autor: Alexandre Brito. editora: Éblis.)
TESE SOBRE NADA
“… escrever nem sempre é trilhar terreno inexplorado
pode ser ladainha repetindo indo indo indo
um requentado”.
Alexandre Brito
uma caligrafia do imaginário
se reproduz segundo um código cifrado
em que se representam as idéias mediante caracteres simbólicos
metáforas consecutivas consideradas organicamente
nas constelações a que pertencem
sem auxílio de referências outras que não elas mesmas
mas, ao acolher ecos e reverberações sígnicas não mensuráveis
mantém um sentido, nas feições, no gesto
sempre transfigurado
assim uma escritura em ruptura
que avança do familiar ao desconhecimento
é lavrada no livro secreto das dúvidas
e, sem aparente significado especial
desprovida de qualquer relevância imediata
apenas e tão somente
articula substâncias essenciais medulares
exprimindo, por alusão, matéria subliminal
potencialmente transgressiva
pois esta entidade abstrata
esta quase impossibilidade
literalmente incapaz de ser definida
e determinada com certeza e/ou precisão
propaga-se, conceitual e esteticamente
quer por intangível que seja
quer por outro qualquer motivo
para além dos mapas tábuas e notações pré-estabelecidas
onde por exemplo, pedra em relação a ventania
harpia em relação a fósforo
ou ainda estrevania em relação a betoneira
habitam o âmago de uma mesma incógnita
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