(Na foto, a partir do primeiro plano: Jorge Amado, José Saramago & Caetano Veloso.)
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declaração: não, não há morte.
nem esta pedra é morta, nem morto está o fruto que tombou: o abraço dos meus dedos — na pedra, no fruto que tombou — dá-lhes vida, (a pedra, o fruto que tombou) respiram na cadência do meu sangue, (a pedra, o fruto que tombou) respiram na cadência do bafo que os tocou.
também um dia, quando esta mão secar, quando, um dia, não mais estiver entre os senhores esta mão a abraçar com os dedos a pedra & o fruto que tombou, dando-lhes vida, na memória de outra mão perdurará; na memória da mão tocada, afagada, acarinhada, esta minha mão perdurará quando estiver secado (sem gota de sangue que a anime), perdurará à prova de tempo, assim como a boca guardará, caladamente, o sabor das bocas que beijou.
também um dia, quando esta mão secar & não mais falarem as palavras por meio dela, que perdurem na memória de quem as lê as palavras aqui dispostas.
as palavras, mesmo velhas, são novas: nascem quando as projetamos em cristais de macias ou duras ressonâncias, nascem quando as projetamos em cristais de brandas, suaves, ou de árduas, rígidas, repercussões sonoras.
as palavras, mesmo velhas, são novas, porque novas as disposições, novos os encaixes, das palavras na frase ou no verso (as tantas disposições & os tantos encaixes possíveis das palavras na frase ou no verso é o que lhes confere o caráter de “novidade”), e, dependendo da intenção de quem as escreva ou pronuncie, as palavras projetam cristais de reverberações sonoras macias (brandas, suaves) ou reverberações sonoras duras (árduas, rígidas).
somos iguais aos deuses (que, segundo a mitologia, inventaram os homens): inventamos, na solidão do mundo (pois o mundo nada nos diz, nada nos revela: o mundo segue cego & mudo a sua jornada rumo ao nada), estes sinais (os sinais: as palavras, criadas por nós na tentativa de compreender & explicar o mundo), que nos servem de pontes (entre entre a nossa profunda ignorância & o que está fora de nós), pontes que arcam as distâncias; inventamos, na solidão do mundo, estes sinais — as palavras — que nos servem de pontes (entre a nossa profunda ignorância & o que está fora de nós) que tentam nos dar acesso a isto a que chamamos: mundo, o nosso entorno, aquilo que nos cerca — com as palavras, a tentativa (errante) de compreendê-lo, de conhecê-lo, de desvendá-lo.
as palavras são pontes que arcam as distâncias: as palavras não encurtam as distâncias entre a nossa profunda ignorância & o que está fora de nós (o mundo, o nosso entorno, aquilo que nos cerca), as palavras mudam as distâncias de perspectiva, as palavras tornam as distâncias mais curvas: apesar de parecer que damos conta, na verdade, não damos conta de muitas coisas — não damos conta da maioria das coisas — com a linguagem: as palavras não solucionam uma série de coisas: mais desconhecemos que conhecemos: fadados — por conta da nossa pequenez & insignificância frente à grandeza do mundo — a uma ignorância atávica abismal.
ainda assim, nas nossas tentativas errantes, às palavras devemos muito o pouco que alcançamos.
beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Poesia completa. autor: José Saramago. editora: Alfaguara.)
DECLARAÇÃO
Não, não há morte.
Nem esta pedra é morta,
Nem morto está o fruto que tombou:
Dá-lhes vida o abraço dos meus dedos,
Respiram na cadência do meu sangue,
Do bafo que os tocou.
Também um dia, quando esta mão secar,
Na memória doutra mão perdurará,
Como a boca guardará caladamente
O sabor das bocas que beijou.
“AS PALAVRAS SÃO NOVAS”
As palavras são novas: nascem quando
No ar as projectamos em cristais
De macias ou duras ressonâncias.
Somos iguais aos deuses, inventando
Na solidão do mundo estes sinais
Como pontes que arcam as distâncias.
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