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cismando cá com meus botões, existencialmente, percebo que sou um homem de beiras. um ser de margens. alguém que não veio para ocupar centros, alguém periférico, alguém que se apercebe “marginal” (à margem) em sua essência.
um homem de beiras, um ser de margens: beira de rio, beira de mar: os meus maiores encantos.
alguém alucinado pelas sílabas aquáticas, sobretudo pelas litorâneas: o mar respira no litoral. um pulmão — que não é meu — ouço inchar-se na areia, um pulmão — que não é meu — ouço derraMAR-se na areia, devolvendo-se, num movimento próprio de recuo logo após o derramamento, em perigoso chamado (chamado que incita ao jogar-se desmedido nas águas, chamado que incita ao afogar-se em espuma & sal): “você não tem história e, ainda que tivesse, nada é seu nesta cidade: números, cifras, senhas sem milagre: nada é seu. muito menos este corpo que se banha & se encanta com as sílabas incontáveis de um murmúrio que espera seu retorno com eterna paciência”.
nada é meu: pois “nada” é a única coisa que me pertence: viemos dele, de um “nada absoluto” (até que se fundissem óvulo & espermatozóide), e para ele, para o “nada absoluto”, voltaremos o dia em que se encerrar a jornada.
retornaremos ao nada, sem nada mais: história, números, cifras, senhas sem milagre, este corpo: nada é meu nesta cidade.
enquanto não chega o chamado final, fatal, enquanto um murmúrio — marulho — de sílabas incontáveis espera, com eterna paciência, meu retorno, enquanto me for permitido, sigo: litorâneo. homem de beiras. ser de margens.
beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Cosmologia. autor: Marcelo Diniz. editora: 7Letras.)
LITORÂNEA
O mar respira no litoral,
um pulmão que não é meu
ouço inchar-se na areia,
derramar-se, devolvendo-se,
perigoso chamado: — você
não tem história e, ainda
que tivesse, nada é seu
nesta cidade, números,
cifras, senhas sem milagre,
nada é seu, muito menos
este corpo que se banha
e se encanta com as sílabas
incontáveis de um murmúrio
que espera seu retorno
com eterna paciência.
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