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a língua em que navego, marinheiro, a língua em que viajo, marinheiro, língua por onde me aventuro no exercício da escrita, a língua em que navego, na proa das vogais & consoantes, na parte dianteira da embarcação que conduz vogais & consoantes, é a língua que me chega, em ondas incessantes, à praia deste texto aventureiro, texto que vai sendo construído ao sabor do acaso, com as palavras (e suas vogais & consoantes) que vão se dando no espaço branco do papel ou da tela.
a língua em que navego é a língua portuguesa, a que primeiro transpôs o abismo & as dores velejantes, no mistério das águas mais distantes (os portugueses foram os primeiros, os pioneiros nas grandes navegações marítimas), e que, agora, me banha por inteiro.
língua de sol, espuma & maresia é a língua portuguesa, língua que a nau dos sonhadores-navegantes (como eu, como tantos) atravessa a caminho dos instantes, atravessa a caminho dos momentos, das circunstâncias, cruzando o bojador de cada dia, cruzando as intempéries de cada dia (o cabo bojador encontra-se na costa atlântica da áfrica & originou mitos, como o da existência de monstros marinhos, por conta do desaparecimento de muitos navios portugueses na região).
ó língua-mar, viajando em todos nós, no teu sal singra, errante, no teu sal singra, errática, no teu sal singra, vária, no teu sal singra, viajante, no teu sal singra, sem bússola, a minha voz.
ó língua-mar, ó língua-pátria (a língua é minha pátria), ó língua portuguesa, a minha voz, sem direção, ao sabor dos ventos, singra o teu mar.
a minha voz, sem direção, ao sabor dos ventos, singra, viaja no mar da língua portuguesa.
a minha voz viaja no mar da língua portuguesa: na praia, um cavalo azul imita o mar.
como se o mar fosse, o cavalo azul, com as crinas espumantes, ondula sobre a areia. o cavalo azul arremessa-se, furioso, contra as dunas.
na garupa de alga do cavalo azul, el-rei dom sebastião, rei de portugal desaparecido em batalha no ano de 1578, encantado, já cavalga com a espada na mão.
veloz, o cavalo azul, que imita o mar, busca asas: mito trespassado de sonhos & sargaços. o cavalo azul, veloz, busca asas, como o mito do cavalo alado (pégaso), mito que representa a imortalidade, o tempo sem fim.
o mar, por sua vez, com suas líquidas patas, cavalga na praia. o mar, com os músculos retesados de maré cheia, com os músculos na sua maior potência (pois a maré, do mar, é a cheia), o mar investe, resfolegante, contra a areia. com as crinas de algas, o mar escoiceia a manhã, o mar dá coices na manhã.
encrespa-se todo o mar, buscando o cavalo, mito ondulado de sal & tempo.
ali, na areia, na praia, os dois — cavalo & mar — se enfrentam: o cavalo-marinho & o mar-eqüestre.
indiferente, o sol assiste à peleja perene das criaturas.
afinal, o mar busca o cavalo azul que, por sua vez, busca o mar: assim, misturam-se, amalgamam-se (mar & cavalo), tornam-se um, na viagem que proponho através da língua que me habita, língua onde construo sonhos & lendas.
(a língua é minha pátria. eu canto, falo, declamo, exponho, penso, logo existo, em língua portuguesa.)
salve a língua portuguesa!
salve a sua existência na minha!
beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Beira-Sol. autor: Adriano Espínola. editora: Topbooks.)
LÍNGUA-MAR
A língua em que navego, marinheiro,
na proa das vogais e consoantes,
é a que me chega em ondas incessantes
à praia deste poema aventureiro.
É a língua portuguesa, a que primeiro
transpôs o abismo e as dores velejantes,
no mistério das águas mais distantes,
e que agora me banha por inteiro.
Língua de sol, espuma e maresia,
que a nau dos sonhadores-navegantes
atravessa a caminho dos instantes,
cruzando o Bojador de cada dia.
Ó língua-mar, viajando em todos nós.
No teu sal, singra errante a minha voz.
O CAVALO E O MAR
A Fernando Py
Na praia, um cavalo azul
imita o mar.
Com as crinas espumantes,
ondula sobre a areia.
Arremessa-se, furioso,
contra as dunas.
(Na sua garupa de alga,
El-Rei Dom Sebastião,
encantado, já cavalga
com a espada na mão.)
Veloz,
busca asas:
mito trespassado
de sonhos e sargaços.
O mar com suas líquidas patas
cavalga na praia.
Com os músculos retesados
de maré cheia,
investe,
resfolegante,
contra a areia.
Com as crinas de algas,
escoiceia
a manhã.
Encrespa-se todo,
buscando o cavalo:
mito ondulado de sal e tempo.
Ali,
os dois se enfrentam:
o cavalo-marinho
& o mar-eqüestre.
Indiferente,
o sol assiste
à peleja perene das criaturas.
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