CHUVA DE VERÃO
13 de março de 2013

Rio de Janeiro alagadoRio de Janeiro alagado 02

(A cidade do Rio de Janeiro, a mais cara cidade do país & uma das mais caras cidades do mundo, em dias de chuva de verão: a pergunta que não quer calar: quem é que vai pagar por isso?…)
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às quatro da tarde, na floresta da tijuca, floresta cravada nas montanhas que cortam o rio de janeiro, a terra se entrega para a chuva & a terra segrega, separa, aparta, humores túmidos, a terra segrega, separa, aparta, às plantas, o alimento de que precisam para estarem firmes, fortes, a terra segrega, separa, aparta, para as plantas os humores túmidos, os líqüidos encorpados, com que se alimentam, a fim de manterem-se firmes & fortes em sua jornada estática.

a chuva a penetra, penetra a terra, segregando os seus humores túmidos, segregando os seus líqüidos encorpados de alimentos que servem às plantas.

as samambaias & os jatobás se regozijam com o acalanto das águas.

as flores-da-paixão (que são as flores do maracujá), lindíssimas, se abrem de contentamento.

a chuva na floresta: uma bênção do céu.

mas, não longe dali, da floresta, mais abaixo, na cidade que é cortada pelas montanhas, as calhas os rufos os bueiros & as sarjetas, indiferentes a humores & encantos, as calhas os rufos os bueiros & as sarjetas, impassíveis aos líqüidos encorpados da terra & aos encantos florais, se preparam para o trabalho sujo.

o trabalho sujo: o lixo espalhado pelas ruas & calçadas da cidade mais a rede de esgotos & de escoamento da água pluvial deficientes, que já não atendem às demandas urbanas dos dias de hoje, resultam nas célebres enchentes & alagamentos que assolam a cidade nos dias de verão.

entra ano, sai ano, entram prefeito & governador, saem prefeito & governador, e a cidade continua com os mesmíssimos problemas de enchentes & alagamentos provocados pelo calor excessivo dos dias de verão.

à tarde, no fim do dia, depois da cidade “fritar” num sol de mais de 40 graus, um toró desaba & transforma a vida do residente num imenso transtorno. pessoas morrem levadas pela força das correntezas dos rios-ruas, pessoas morrem eletrocutadas, pessoas perdem suas casas em desabamentos, pessoas presas nos engarrafamentos.

a cidade, em termos de serviços, não presta em muitos vários aspectos. e a cidade, mesmo não prestando em termos de serviços sob vários aspectos, é a mais cara do país & das mais caras do mundo. morar, comer, beber, ir a um espetáculo, pegar um cinema, tudo no rio de janeiro, hoje em dia, custa “os olhos da cara”. cidade que será sede de copa do mundo, de olimpíadas, cidade que, por ser a capital do estado, recebe (recebia) já os royalties do petróleo (com a descoberta & exploração do petróleo na camada pré-sal), cidade que vem recebendo cada vez mais turistas, em suma: uma cidade com capital financeiro, com investimentos, e, no entanto: uma cidade que não cuida dos seus calçamentos, que não cuida da qualidade das suas ruas, que não cuida da sua rede de esgotos, que não cuida do seu sistema de escoamento da água pluvial, que não dá a mínima atenção para os desiquilíbrios ambientais causados na região, uma cidade com tanto investimento financeiro & que não investe nos serviços oferecidos. a negligência parte dos gestores oficiais da cidade.

pode-se perguntar: mas a população da cidade não é deseducada, a população da cidade não joga lixo nas ruas, nas praias? sim, a população da cidade é deseducada, joga lixo nas ruas, nas praias, contribui com as enchentes & os alagamentos (afinal, o entupimento de bueiros acontece pelo excesso de lixo jogado nas ruas pelos transeuntes). mas isso, em parte, é responsabilidade dos gestores oficiais da cidade. não existe nenhuma política SÉRIA para a manutenção da cidade limpa ATRAVÉS DE um trabalho DEDICADO à educação da população residente. no estado do rio de janeiro, há alguns anos atrás, a cidade de cabo frio foi eleita a quinta cidade mais limpa do brasil. conseguiu o título porque os gestores oficiais do município apostaram numa política SÉRIA de educação da população quanto a lixo nas ruas. é impressionante: seja no centro, seja em bairro pobre, seja em bairro nobre, nas praias, em cabo frio não se vê detrito nas vias públicas, na orla marítima. 

sabe-se que as condições climáticas do planeta estão mudando muito rapidamente. a cada ano, a terra aumenta um tanto a sua temperatura, e esse aumento da temperatura — gerando, conseqüentemente, mais calor — contribui, entre outras coisas, para chuvas de verão (aqui no rio de janeiro) cada vez mais intensas, chuvas de verão (aqui no rio de janeiro) cada vez mais volumosas.

(uma cidade que não cuida dos seus calçamentos, que não cuida da qualidade das suas ruas, que não cuida da sua rede de esgotos, que não cuida do seu sistema de escoamento da água pluvial, que não dá a mínima atenção para os desiquilíbrios ambientais causados na região, e que é, em termos de serviços, a mais cara do país…)

uma cidade com tanto investimento financeiro & que não investe nos serviços oferecidos…

cuidar da cidade do rio de janeiro, para que não mais ocorram enchentes & alagamentos, para que as calhas os rufos os bueiros & as sarjetas não mais tenham que se preparar para o trabalho sujo, é deixá-la em harmonia com os humores & encantos que a chuva leva à terra ao penetrá-la & tê-la sua. 

beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Enquanto velo teu sono. autor: Adalberto Müller. editora: 7Letras.)

 

 

CHUVA DE VERÃO

 

Às quatro da tarde
a terra se entrega para a chuva
e segrega humores túmidos.
A chuva a penetra.

As samambaias e os jatobás
se regozijam
com o acalanto das gotas.

As flores-da-paixão se abrem
de contentamento.

Mas
                  não longe dali
as calhas os rufos os bueiros e as sarjetas
indiferentes a humores e encantos
se preparam para o trabalho sujo.

EXERCÍCIO MARINHO
27 de outubro de 2010

um exercício:

despir-se das roupas, das convicções, dos amores insolúveis, quando junto do mar.

a única roupa a vestir o corpo: a areia branca.

a única convicção: caminhar rumo ao mar, entre as conchas.

para, então, mergulhar fundo na placenta do mundo.

o mar: a grande placenta do mundo.

costumo dizer que o mar é um útero às vistas.

o primeiro indício de vida veio da água.

o primeiro momento das nossas vidas passamos numa enorme bolsa líquida.

os primeiros impulsos nervosos se fazem quando imersos num mundo líquido.

o parto de uma criança na água é uma modalidade de nascimento que procura trazer o bebê ao mundo exatamente como ele estava quando no útero.

por isso, concluo, sempre que imerso em águas calmas, sejam de mar ou de um rio caudaloso, estar no conforto de um útero.

eu realmente — isto é uma viagem minha, senhores (rs) — acredito que a água nos resgate sensações uterinas, sensações geradas pelos impulsos nervosos quando ainda somos crianças em desenvolvimento — de uma gestação feliz & desejada —. creio que estar imerso em água nos conecte àquelas sensações primordiais, de segurança, de tranqüilidade, de eterna paz, que sinto quando “me deixo deitado”, isto é, quando me deixo boiando, de olhos fechados, cabeça esvaziada, completamente despido de convicções, amores & preocupações, ligado apenas no doce balanço das águas que levam ao léu.

(e eu vou, na bubuia eu vou…)

adoro estar junto da água justamente por ela gerar sensações que me parecem primárias, que me parecem recuperadas dos primórdios, recuperadas de quando ainda acomodados no ventre materno.

pratique-se o exercício, delicioso. é uma espécie de meditação.

beijo bom & sereno, beijo calmo, em todos.
paulo sabino / paulinho.
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(do livro: Enquanto velo teu sono. autor: Adalberto Müller. editora: 7Letras.)

EXERCÍCIO MARINHO

                                                         A Orlando Seara

Dispa-se das roupas
das convicções
dos amores insolúveis.

Deixe a areia branca
entrar pelos dedos.
Caminhe resoluto
entre as conchas.

Quando a água fria
alagar a virilha,
mergulhe fundo,
infantilmente,
na placenta do mundo.

DO AMOR
3 de agosto de 2010

a fruta não dura: madura, consome-se e se esvai.

amoras, amores: assim como a fruta, o amor, maduro, um dia apodrece

e cai.

(um dia, a fruta fratura. o tempo do amor: elã recíproco que, de tão fugaz, não passa de um minuto?)

amor: chover no molhado:

no início, o susto mútuo;

depois, o hábito;

por fim, o cava-rápido, que sepulta e enterra.

(secando lado a lado, como se vê nos mais variados casos, os amantes chovem no molhado.)

porém,

ainda que,

mesmo se,

o amor: como apreendê-lo?

como captá-lo, abeirar-se do seu fundo?

pensar sobre o amor: avistá-lo como bicho? como barco? como flor?

abeirar-se dele, abordar mais, chegar à borda, tocar com o bordo. dobrar as costelas a fim de mirá-lo e admirá-lo.

(e ele, o amor, ele ri de você ao vê-lo assim, curvado, tal qual um sinal de interrogação, tal qual abelha abestalhada vasculhando o que possa ser: bicho-barco-flor.)

o melhor a se fazer:
 
seja o que for o amor, cair, quedar em seu abismo (em admirações tamanhas), que dele, do amor & seu abismo, não se consiga sair.

amar é um grande exercício. amor não é fácil nem chega pronto. entretanto, creio que valha o esforço.

(não esqueçamos que no amor cabe o gozo!)

beijo carinhoso em todos,
o preto,
paulo sabino / paulinho.
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(do livro: Enquanto velo teu sono. autor: Adalberto Müller. editora: 7Letras.)
 
 
A FRUTA
 
Amoras, que o nome têm de amores  (Camões)
 
 
A fruta não é
para durar:
madura
consome-se e
se esvai.
Assim esse amor
maduro
um dia apodrece
 
                      e cai.
 
 
(do livro: Parte alguma. autor: Nelson Ascher. editora: Companhia das Letras.)
 
 
Amar não passa de um minuto
(no máximo) de surto mútuo
e, como se converte em hábito,
até que chegue o cava-rápido,
ambos, secando lado a lado,
chover-nos-emos no molhado.
 
 
(do livro: Cinemateca. autor: Eucanaã Ferraz. editora: Companhia das Letras.)
 
 
O AMOR?
 
Não, não é uma flor
(pelo puríssimo prazer
do não-ser). Mas
 
você quer tentar
novamente, está bem.
Pense nele como: bicho.
 
Abeire-se dele, do abdômen,
aborde mais, chegue
à borda, toque
 
com o bordo, dobre
as costelas (algo de barco
no bicho).
 
Ele ri de você
ao vê-lo assim: curvado,
tal qual um sinal
 
de interrogação, abelha
vasculhando abestalhada
o que possa ser bicho-barco-flor
 
ou uma abertura para isso, disso,
fissura, fresta,
furo
 
(você o pensa como: poço?).
Não vale a pena
se abespinhar.
 
Faça melhor:
abisme-se
caindo
 
em admirações tamanhas
que de lá não possa sair.
Afinal, o amor é isso
 
(se fosse), pelo despenhadeiro prazer
de jamais oferecer garantias,
arras, bula.

POESIA E VINHO
18 de maio de 2010

prezadas & prezados,
 
a arte é uma dama que distrai a morte enquanto se atira nos braços da vida.
 
à companhia dessa dama, a precariedade de nossas existências é esquecida e a eternidade é alcançada, e a ela ficamos eternamente agradecidos.
 
(a arte concede-nos a graça da eternidade.)
 
como, no curto espaço temporal de um verso, conter a embriaguez do vinho? como, no rápido espaço temporal de uma linha, abrigar a euforia, o êxtase das coisas que inebriam?
 
como reter um traço, um vestígio, um risco, em pergaminho tão sutil, delicado, tênue, que se esboroa no tempo?
 
poesia & vinho: delícias de uma eternidade em fuga, de uma  
etern(a)idade precária.
 
versos: fugazes, precários, todavia, ao alcance do que merece ser eternizado. portanto: não seja o verso entregue à pura sorte, nem surja apenas do suor da lida.
 
(que o verso seja a mistura do que jorra & pulsa & corre nas veias do poeta com o rigor da técnica, para o aperfeiçoamento do poemobjeto.)  
 
que nele, no poemobjeto, circule a seiva das veias do poeta juntamente com a técnica exigida na trama das teias: técnica & emoção unas, em uníssona vibração.
 
ainda que de porre, embriagado, inspire o poema: a lucidez.
 
poesia & vinho é o que desejo a todos!
 
beijo afetuoso,
paulo sabino / paulinho.
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(do livro: Enquanto velo teu sono. autor: Adalberto Müller. editora: 7Letras.)
 
 
POESIA E VINHO  (A Marcelo Sandmann)
 
Como conter a embriaguez do vinho
No curto espaço temporal de um verso?
Como reter um traço em pergaminho
tão sutil que se esboroa em tempo adverso?
 
A arte é uma Dama que distrai a morte
Enquanto se atira aos braços da vida.
Não seja o verso entregue à pura sorte,
Nem surja apenas do suor da lida.
 
Que nele circule a seiva das veias,
Espesso fluxo que num corte jorre;
Mas tenha o rigor e a trama das teias,
E inspire lucidez, mesmo de porre.

UM GRITO NO ESCURO
17 de maio de 2010

ainda que o poeta não receba os louros & louvores & bênçãos da platéia que a ele assiste, no conforto de assentos tugúrios, sua voz não pode ser calada, sua voz não consegue ser contida como água no aquário.
 
sendo ela ave rara, que não vive em gaiola nem em jaula, a melhor forma de retê-la é soltá-la, como quando se solta um grito no escuro.
 
mesmo que o poeta não seja aplaudido por um auditório tartamudo, assustado com a sua apresentação lírico-circense obscena e cheia de caretas — mostrando a bunda da sintaxe, dando bolachas nas palavras —, sua voz não pode ser detida. ela alça vôo no ar: um grito no escuro.
 
o poeta não canta. seu instrumento é a voz rasgada, falseada, de fera — mansa.
 
poesia não é canto; poesia é um grito no escuro. não se sabe nada. (alguém escuta tal grito? quem escuta tal grito? como tal grito é recebido por quem o escuta? para que serve o grito que ressoa? para onde o grito é lançado?)
 
abaixo, um berro belo, que, segundo a minha audição, merece ser ouvido (e ecoado).
 
beijo grande em vocês,
paulo sabino / paulinho.
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(do livro: Enquanto velo teu sono. autor: Adalberto Müller. editora: 7Letras.)
 
 
GRITO NO ESCURO  (Para Ricardo Corona)
 
Ninguém aplaude o poeta
               palhaço
de um circo em ruínas
                 que insiste em
dar bolachas nas palavras
mostrar a bunda da sintaxe
fazer caretas e gestos obscenos
para um auditório
                     tartamudo. 
                  Não
ele não canta
seu instrumento é a voz
quebrada
                  rasgada
                           falsa
de fera mansa
                               sua fala
não convence
a platéia que se esconde
no conforto
de assentos tugúrios.
 
Ninguém aplaude o poeta
                mas ele não cala
                                   sua voz
ele não pode contê-la
como água no aquário.
 
Sendo ela ave rara
                 que não vive em gaiola
                                nem em jaula
a melhor forma de retê-la
                  é soltá-la
como se solta um grito
 
no escuro.