LUZ DO SOL, LUZ DA RAZÃO
4 de setembro de 2013

Luz do sol

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(para o Otto, meu anjo da guarda, que, hoje, completa os seus 7 anos)

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luz do sol, que a folha traga & traduz: a folha traga a luz solar & a traduz em verde novo (a renovação do seu verde, de tempos em tempos), em graça, em vida, em força (o fortalecimento do ser através da luz que é tragada & traduzida em verde novo), em luz (a quem sabe mirar & ad-mirar, robusta, sadia, vigorosa, a beleza natural).

por isso, e mais, tu, sol, é que me alegras. a mim & ao mundo, pois sou eu, paulo sabino, parte integrante da vida mundana.

encaro-te de frente, sol, e, embora tua luz me cegue, ergo meus olhos acima & recebo-a a flux, isto é, recebo a tua luz em grande quantidade.

sonhar é para a noite: quando se está a dormir, sem consciência de si & do entorno: sonhar é como morrer.

sonhar é para a noite: mas para o dia, ver!

sim, ver com ambos os olhos, com ambos devassar os astros & os deuses sobre o altar em que residem, com ambos os olhos devassar, ver onde firmamos os pés & erguemos nossas mãos.

e quer nos montes altos, quer nos terrenos chãos, a terra é sempre amiga se, à luz da aurora, à luz do alvorecer, a terra se erguer.

pois, à luz da aurora, à luz do alvorecer, conseguimos bem ver em que tipo de terreno pisamos — se perigoso porque movediço, ou se seguro porque sólido.

e quer nos montes altos, quer nos terrenos chãos, é sempre bom viver se, ao amor, a vida se erguer.

pois, à luz do amor, à luz de sentimento tão nobre, a vida entrega-se pródiga, a vida permite-se longânime, a vida propõe-se elevada & inventiva.

em toda a parte, as ondas desse mar, infinito no horizonte, por mais que andemos longe, nos podem embalar se tivermos o mar conosco, dentro de nós.

em toda a parte, o peito sente brotar a flux, sente brotar em profusão, e sempre & de maneira farta, a vida…

vida: calor & luz!

nos seixos dessas praias, se o sol lá lhes bater, num átomo de areia, deus pode aparecer: deus pode erguer-se à luz solar: pois se considerarmos real a existência de deus e, a partir da sua existência, a sua presença em todas as coisas (como dizem os que nele crêem), então deus é flores & árvores & mares & rios & céus & bichos & gentes. se assim o é, então intitulemo-lo flores & árvores & mares & rios & céus & bichos & gentes.

desprezos para a terra, como se ela fosse menos que o paraíso oferecido nas alturas?! também a terra é céu! afinal, para quem nele crê, deus está em tudo que há no mundo, deus está nas coisas terrenas (nas flores nas árvores nos mares nos rios nos céus nos bichos nas gentes); e a terra que pisamos, em verdade, está suspensa no espaço sideral, a terra é um componente estelar se avistada de fora (se observada da lua, por exemplo).

a terra mora no céu.

e quem, lá desse espaço infinito denominado sideral, vir a terra brilhar ao longe, dirá que é paraíso & um éden a sorrir.

(o melhor lugar do mundo é aqui & agora. os momentos felizes não estão escondidos nem no passado & nem no futuro.)

há quem propale que este mundo é ruim, nocivo, porque não moramos junto às estrelas no céu; não morando junto às estrelas, para alguns, vivemos “embaixo”.

mas a terra, que é nossa morada, esta habita o céu! portanto: o que é exatamente “embaixo”? e, ainda que consideremos morar “embaixo”, que tem estar “embaixo”, qual seria o problema de morar “embaixo” de alguma coisa?

ninguém nos condenou à eterna noite, ninguém nos condenou à eterna escuridão, ninguém nos condenou à eterna sombra, ninguém!

a luz solar tudo alcança!

não! não há “céu” & “inferno”: divino é quanto é! divino é o existir!

para que a rocha brilhe, basta que o sol lhe dê a sua luz. basta que o sol beije a lua para que ela, apagada nas alturas, se transforme em sol também.

e a escuridão da nossa alma, as trevas que nos povoam, a nossa cerração, como se desbarata, como se dissipa, como se afasta, com a aurora da razão!

a razão crítica pesa & pondera. a razão crítica se informa & estuda. é a razão crítica que nos faz ser o lobo do lobo do homem. é a razão crítica que nos impede de terminar ovelhas no bolso de um pastor.

e se a razão, surgindo, esclareceu, clareou, a nossa alma, também tu, sol, no espaço, surges como razão do céu azul que avistamos na festa das retinas.

por isso é que me alegras o coração, ó luz!

por isso vos estimo, luzes maiores da minha existência: tu, sol, e tu, razão!

(luz, quero luz! mais, quero mais! nem que todos os barcos recolham ao cais, que os faróis da costeira me lancem sinais! arranca, vida! estufa, vela! me leva, leva longe, longe, leva mais!)

beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Antologia. autor: Antero de Quental. organização: José Lino Grünewald. editora: Nova Fronteira.)
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LUZ DO SOL, LUZ DA RAZÃO

 

Tu, sol, é que me alegras!
A mim e ao mundo. A mim…
Que eu não sou mais que o mundo,
Nem mais que o céu sem fim…

Nem fecho os olhos baços
Só porque os fere a luz…
Ergo-os acima — e embora
Cegue, recebo-a a flux!

Crepúsculos são sonhos…
E sonhos é morrer…
Sonhar é para a noite:
Mas para o dia, ver!

Sim, ver com os olhos ambos,
Com ambos devassar
Os astros n’essa altura,
E os deuses sobre o altar!

Ver onde os pés firmamos,
E erguemos nossas mãos!
E quer nos montes altos,
Quer nos terrenos chãos,

É sempre amiga a terra
E é sempre bom viver,
Se a terra à luz da aurora
E a vida ao amor se erguer!

Em toda a parte as ondas
D’esse infinito mar,
Por mais que andemos longe,
Nos podem embalar!

Em toda a parte o peito
Sente brotar a flux,
E sempre e à farta, a vida…
Vida — calor e luz!

Nos seixos d’essas praias,
Se o sol lá lhes bater,
N’um átomo de areia,
Deus pode aparecer!

Bate-lhe o sol de chapa,
E um deus se vê também
No pó, tornado um astro
Como esses que o céu tem!

Desprezos para a terra?!
Também a terra é céu!
Também no céu a impele
O amor que a suspendeu…

E quem lá d’esse espaço
Brilhar ao longe a vir
Dirá que é paraíso
E um éden a sorrir!

Embaixo! o que é embaixo?
Embaixo estar que tem?
Ninguém à eterna sombra
Nos condenou! ninguém!

Se até nos surdos antros,
Nas covas dos chacais,
Penetra o sol, vestindo-os
Com raios triunfais

Se ao céu até se viram
As bocas dos vulcões…
E têm os próprios cegos
Um céu… nos corações!

Não! não há céu e inferno:
Divino é quanto é!
Para que a rocha brilhe,
Basta que o sol lhe dê…

Basta que o sol lhe beije
As chagas que ela tem,
E a morta d’essa altura,
A lua, é sol também!

E as trevas da nossa alma,
A nossa cerração,
Oh! como se desbarata
A aurora da razão!

Mas se a razão, surgindo,
Nossa alma esclareceu,
Também tu, sol, no espaço
Surges, razão do céu…

Por isso é que me alegras,
Ó luz, o coração!
Por isso vos estimo…
Tu, sol, e tu, razão!

(1865.)

PANTEÍSMO
4 de novembro de 2010

 

Vamos chamar o vento
Vamos chamar o vento
Vento que dá na vela
Vela que leva o barco
Barco que leva a gente
Gente que leva o peixe

(trecho da letra-poema “o vento”, autor: dorival caymmi.)
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panteísmo:

doutrina filosófica caracterizada por uma identificação entre deus e o universo, em oposição ao tradicional postulado teológico segundo o qual a divindade transcende absolutamente a realidade material e a condição humana.

deus e o universo são uma única coisa, um só organismo.

se o universo é deus, conclui-se que este é pura materialidade.

sendo pura materialidade, deus não se manifesta de uma mesma forma, pois várias são as formas que compõem o universo:

desde os astros imortais, com o seu silêncio gritado, até o mar e seu tumultuado rebôo; desde a fatal obscuridade da massa inerte até a mente humana.

através de mil formas, mil visões, o universal espírito, que é deus (que significa materialidade), palpita na espiral das criações.

mil formas, mil visões, mil vidas: misteriosa escrita do poema indecifrável que, na terra, se faz de sombra & luz, inconstante, mutante, que não pára, que sempre se agita: o deus imóvel.

o deus imóvel chora na voz do mar, o deus imóvel canta no vento.

o vento, o “ancião-dos-dias”, velho companheiro do mundo, existe desde a sua gênese.

imensa é a voz do vento, que sacudia e dominava o planeta, e que viu o princípio de tudo. encarou o inconsciente face a face, quando a luz fecundou o tenebroso.

e o vento me diz que as coisas no mundo são fecundadas.

fecundadas de idéias — por nós — são as coisas. pois, para vivenciarmos a existência, necessitamos saber, precisamos ter uma idéia do que é existência. para aproveitarmos ou para lamentarmos a vida, precisamos, antes, ter uma idéia, ter um conceito, sobre o que é a vida.

as coisas acabam fecundadas pelas idéias que delas fazemos.

para que um punhado da poeira do chão seja “um punhado da poeira do chão”, este carece tornar-se idéia, carece ser pensado & nomeado por nós.

isto aqui, uma flor; aquilo ali, uma árvore; acima, o céu; por sob, a terra; avante, o mar; além, os astros: o mundo e as nomenclaturas que usamos para lhes dar forma, um “espírito”, uma idéia.

o mundo e as terminologias utilizadas para dar forma, um “espírito”, uma idéia, a fim de que nos surja o mundo, a fim de que se nos apresentem as riquezas da existência.

surgir o mundo diante de nós: pensá-lo & nomeá-lo: mundo que é, ao mesmo tempo, astro & flor, onda & granito, luz & sombra, atração & pensamento.

eis o quanto me ensinou a voz do vento.

beijo carinhoso em todos!
paulo sabino / paulinho. 
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(do livro: Antologia. autor: Antero de Quental. organização: José Lino Grünewald. editora: Nova Fronteira.)
 
 
PANTEÍSMO
 
 
I
 
Aspiração… desejo aberto todo
Numa ânsia insofrida e misteriosa…
A isto chamo eu vida: e, d’este modo,
 
Que mais importa a forma? silenciosa
Uma mesma alma aspira à luz e ao espaço
Em homem igualmente astro e rosa!
 
A própria fera, cujo incerto passo
Lá vaga nos algares da deveza,
Por certo entrevê Deus — seu olho baço
 
Foi feito para ver brilho e beleza…
E se ruge, é que agita surdamente
Tua alma turva, ó grande natureza!
 
Sim, no rugido há uma vida ardente,
Uma energia íntima, tão santa
Como a que faz trinar a ave inocente…
 
Há um desejo intenso, que alevanta
Ao mesmo tempo o coração ferino,
E o do ingênuo cantor que nos encanta…
 
Impulso universal! forte e divino,
Aonde quer que irrompa! e belo e augusto.
Quer se equilibre em paz no mudo hino
 
Dos astros imortais, quer no robusto
Seio do mar tumultuando brade,
Com um furor que se domina a custo;
 
Quer durma na fatal obscuridade
Da massa inerte, quer na mente humana
Sereno ascenda à luz da liberdade…
 
É sempre a eterna vida, que dimana
Do centro universal, do foco intenso,
Que ora brilha sem véus, ora se empana…
 
É sempre o eterno gérmen, que suspenso
No oceano do Ser, em turbilhões
De ardor e luz, envolve, ínfimo e imenso!
 
Através de mil formas, mil visões,
O universal espírito palpita
Subindo na espiral das criações!
 
Ó formas! vidas! misteriosa escrita
Do poema indecifrável que na Terra
Faz de sombras e luz a Alma infinita!
 
Surgi, por céu, por mar, por vale e serra!
Rolai, ondas sem praia, confundindo
A paz eterna com a eterna guerra!
 
Rasgando o seio imenso, ide saindo
Do fundo tenebroso do Possível,
Onde as formas do Ser se estão fundindo…
 
Abre teu cálix, rosa imarcescível!
Rocha, deixa banhar-te a onda clara!
Ergue tu, águia, o vôo inacessível!
 
Ide! crescei sem medo! não é avara
A alma eterna que em vós anda e palpita…
Onda, que vai e vem e nunca pára!
 
Em toda a forma o Espírito se agita!
O imóvel é um deus, que está sonhando
Com não sei que visão vaga, infinita…
 
Semeador de mundos, vai andando
E a cada passo uma seara basta
De vidas sob os pés lhe vem brotando!
 
Essência tenebrosa e pura… casta
E todavia ardente… eterno alento!
Teu sopro é que fecunda a esfera vasta…
Choras na voz do mar… cantas no vento…
 
II
 
Porque o vento, sabei-o, é pregador
Que através das soidões vai missionando
A eterna Lei do universal Amor.
 
Ouve-o rugir por essas praias, quando,
Feito tufão, se atira das montanhas,
Como um negro Titã, e vem bradando…
 
Que imensa voz! que prédicas estranhas!
E como freme com terrível vida
A asa que o libra em extensões tamanhas!
 
Ah! quando em pé no monte, e a face erguida
Para a banda do mar, escuto o vento
Que passa sobre mim a toda a brida,
 
Como o entendo então! e como atento
Lhe escuto o largo canto! e, sob o canto,
Que profundo e sublime pensamento!
 
Ei-lo, o Ancião-dos-dias! ei-lo, o Santo,
Que já na solidão passava orando,
Quando inda o mundo era negrume e espanto!
 
Quando as formas o orbe tenteando
Mal se sustinha e, incerto, se inclinava
Para o lado do abismo, vacilando;
 
Quando a Força, indecisa, se enroscava
Às espirais do Caos, longamente,
Da confusão primeira ainda escrava;
 
Já ele era então livre! e rijamente
Sacudia o Universo, que acordasse…
Já dominava o espaço, onipotente!
 
Ele viu o Princípio. A quanto nasce
Sabe o segredo, o gérmen misterioso.
Encarou o Inconsciente face a face,
Quando a Luz fecundou o Tenebroso.
 
III
 
Fecundou!… Se eu nas mãos tomo um punhado
Da poeira do chão, da triste areia,
E interrogo os arcanos do seu fado,
 
O pó cresce ante mim… engrossa… alteia…
E, com pasmo, nas mãos vejo que tenho
Um espírito! o pó tornou-se idéia!
 
Ó profunda visão! mistério estranho!
Há quem habita ali, e mudo e quedo
Invisível está… sendo tamanho!
 
Espera a hora de surgir sem medo,
Quando o deus encoberto se revele
Com a palavra do imortal segredo!
 
Surgir! surgir! — é a ânsia que os impele
A quantos vão na estrada do infinito
Erguendo a pasmosíssima Babel!
 
Surgir! ser astro e flor! onda e granito!
Luz e sombra! atração e pensamento!
Um mesmo nome em tudo está escrito —
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Eis quanto me ensinou a voz do vento.
 
 
1865 — 1874.