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(para o Otto, meu anjo da guarda, que, hoje, completa os seus 7 anos)
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luz do sol, que a folha traga & traduz: a folha traga a luz solar & a traduz em verde novo (a renovação do seu verde, de tempos em tempos), em graça, em vida, em força (o fortalecimento do ser através da luz que é tragada & traduzida em verde novo), em luz (a quem sabe mirar & ad-mirar, robusta, sadia, vigorosa, a beleza natural).
por isso, e mais, tu, sol, é que me alegras. a mim & ao mundo, pois sou eu, paulo sabino, parte integrante da vida mundana.
encaro-te de frente, sol, e, embora tua luz me cegue, ergo meus olhos acima & recebo-a a flux, isto é, recebo a tua luz em grande quantidade.
sonhar é para a noite: quando se está a dormir, sem consciência de si & do entorno: sonhar é como morrer.
sonhar é para a noite: mas para o dia, ver!
sim, ver com ambos os olhos, com ambos devassar os astros & os deuses sobre o altar em que residem, com ambos os olhos devassar, ver onde firmamos os pés & erguemos nossas mãos.
e quer nos montes altos, quer nos terrenos chãos, a terra é sempre amiga se, à luz da aurora, à luz do alvorecer, a terra se erguer.
pois, à luz da aurora, à luz do alvorecer, conseguimos bem ver em que tipo de terreno pisamos — se perigoso porque movediço, ou se seguro porque sólido.
e quer nos montes altos, quer nos terrenos chãos, é sempre bom viver se, ao amor, a vida se erguer.
pois, à luz do amor, à luz de sentimento tão nobre, a vida entrega-se pródiga, a vida permite-se longânime, a vida propõe-se elevada & inventiva.
em toda a parte, as ondas desse mar, infinito no horizonte, por mais que andemos longe, nos podem embalar se tivermos o mar conosco, dentro de nós.
em toda a parte, o peito sente brotar a flux, sente brotar em profusão, e sempre & de maneira farta, a vida…
vida: calor & luz!
nos seixos dessas praias, se o sol lá lhes bater, num átomo de areia, deus pode aparecer: deus pode erguer-se à luz solar: pois se considerarmos real a existência de deus e, a partir da sua existência, a sua presença em todas as coisas (como dizem os que nele crêem), então deus é flores & árvores & mares & rios & céus & bichos & gentes. se assim o é, então intitulemo-lo flores & árvores & mares & rios & céus & bichos & gentes.
desprezos para a terra, como se ela fosse menos que o paraíso oferecido nas alturas?! também a terra é céu! afinal, para quem nele crê, deus está em tudo que há no mundo, deus está nas coisas terrenas (nas flores nas árvores nos mares nos rios nos céus nos bichos nas gentes); e a terra que pisamos, em verdade, está suspensa no espaço sideral, a terra é um componente estelar se avistada de fora (se observada da lua, por exemplo).
a terra mora no céu.
e quem, lá desse espaço infinito denominado sideral, vir a terra brilhar ao longe, dirá que é paraíso & um éden a sorrir.
(o melhor lugar do mundo é aqui & agora. os momentos felizes não estão escondidos nem no passado & nem no futuro.)
há quem propale que este mundo é ruim, nocivo, porque não moramos junto às estrelas no céu; não morando junto às estrelas, para alguns, vivemos “embaixo”.
mas a terra, que é nossa morada, esta habita o céu! portanto: o que é exatamente “embaixo”? e, ainda que consideremos morar “embaixo”, que tem estar “embaixo”, qual seria o problema de morar “embaixo” de alguma coisa?
ninguém nos condenou à eterna noite, ninguém nos condenou à eterna escuridão, ninguém nos condenou à eterna sombra, ninguém!
a luz solar tudo alcança!
não! não há “céu” & “inferno”: divino é quanto é! divino é o existir!
para que a rocha brilhe, basta que o sol lhe dê a sua luz. basta que o sol beije a lua para que ela, apagada nas alturas, se transforme em sol também.
e a escuridão da nossa alma, as trevas que nos povoam, a nossa cerração, como se desbarata, como se dissipa, como se afasta, com a aurora da razão!
a razão crítica pesa & pondera. a razão crítica se informa & estuda. é a razão crítica que nos faz ser o lobo do lobo do homem. é a razão crítica que nos impede de terminar ovelhas no bolso de um pastor.
e se a razão, surgindo, esclareceu, clareou, a nossa alma, também tu, sol, no espaço, surges como razão do céu azul que avistamos na festa das retinas.
por isso é que me alegras o coração, ó luz!
por isso vos estimo, luzes maiores da minha existência: tu, sol, e tu, razão!
(luz, quero luz! mais, quero mais! nem que todos os barcos recolham ao cais, que os faróis da costeira me lancem sinais! arranca, vida! estufa, vela! me leva, leva longe, longe, leva mais!)
beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Antologia. autor: Antero de Quental. organização: José Lino Grünewald. editora: Nova Fronteira.)
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LUZ DO SOL, LUZ DA RAZÃO
Tu, sol, é que me alegras!
A mim e ao mundo. A mim…
Que eu não sou mais que o mundo,
Nem mais que o céu sem fim…
Nem fecho os olhos baços
Só porque os fere a luz…
Ergo-os acima — e embora
Cegue, recebo-a a flux!
Crepúsculos são sonhos…
E sonhos é morrer…
Sonhar é para a noite:
Mas para o dia, ver!
Sim, ver com os olhos ambos,
Com ambos devassar
Os astros n’essa altura,
E os deuses sobre o altar!
Ver onde os pés firmamos,
E erguemos nossas mãos!
E quer nos montes altos,
Quer nos terrenos chãos,
É sempre amiga a terra
E é sempre bom viver,
Se a terra à luz da aurora
E a vida ao amor se erguer!
Em toda a parte as ondas
D’esse infinito mar,
Por mais que andemos longe,
Nos podem embalar!
Em toda a parte o peito
Sente brotar a flux,
E sempre e à farta, a vida…
Vida — calor e luz!
Nos seixos d’essas praias,
Se o sol lá lhes bater,
N’um átomo de areia,
Deus pode aparecer!
Bate-lhe o sol de chapa,
E um deus se vê também
No pó, tornado um astro
Como esses que o céu tem!
Desprezos para a terra?!
Também a terra é céu!
Também no céu a impele
O amor que a suspendeu…
E quem lá d’esse espaço
Brilhar ao longe a vir
Dirá que é paraíso
E um éden a sorrir!
Embaixo! o que é embaixo?
Embaixo estar que tem?
Ninguém à eterna sombra
Nos condenou! ninguém!
Se até nos surdos antros,
Nas covas dos chacais,
Penetra o sol, vestindo-os
Com raios triunfais
Se ao céu até se viram
As bocas dos vulcões…
E têm os próprios cegos
Um céu… nos corações!
Não! não há céu e inferno:
Divino é quanto é!
Para que a rocha brilhe,
Basta que o sol lhe dê…
Basta que o sol lhe beije
As chagas que ela tem,
E a morta d’essa altura,
A lua, é sol também!
E as trevas da nossa alma,
A nossa cerração,
Oh! como se desbarata
A aurora da razão!
Mas se a razão, surgindo,
Nossa alma esclareceu,
Também tu, sol, no espaço
Surges, razão do céu…
Por isso é que me alegras,
Ó luz, o coração!
Por isso vos estimo…
Tu, sol, e tu, razão!
(1865.)