SEI LÁ, NÃO SEI…
9 de junho de 2015

Cine Olaria_PB

Cine Olaria_2015

(Na primeira foto, o Cine Olaria, em funcionamento, como o conheci na infância & parte da adolescência; na segunda foto, o Cine Olaria nos dias atuais, desativado & abandonado.)
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Dias atrás, pensei com os meus botões: se existe uma vantagem em nascer em bairro do subúrbio, bairro periférico, portanto, bairro mais pobre, e eu enxergo outras tantas vantagens, é a oportunidade, mais contundente, de entender, através da razão & do sentimento, que a riqueza material — a grana, as ações, as apólices — nada tem a ver com a riqueza de sentimentos que se pode ter para doar.

Toda vez que escuto este poema-canção, toda vez que leio os seus versos, me vem à cabeça Olaria, bairro onde, depois de nascido (no Estácio) & saído do hospital, fui morar.

Um suburbano coração.

Os versos deste poema-canção me vêm à cabeça porque, quando penso em determinada área de Olaria, área que não acho esteticamente bonita mas que ao mesmo tempo acho bela, feliz, aprazível ao olhar, consigo me ver nas linhas poéticas, me espelho na voz do poeta, me digo nos versos do poema-canção.

Porque determinados lugares, que, a princípio, não agradam esteticamente, podem conter uma atmosfera, uma sintonia, uma espécie de “calmaria” & “alegria”, indescritíveis, que não estão na arquitetura, que não estão propriamente na “matéria”, nas construções avistadas.

Em Olaria, a poesia, feito o mar, se alastrou; e a beleza de um lugar no bairro, para entender, tem que se achar que a vida não é só isso que se vê; a vida é um pouco mais do que o percebido pelos olhos, a vida é um pouco mais do que o tocado pelas mãos, a vida é um pouco mais do que o pisado pelos pés.

A beleza de certo local do lugar não me parece “palpável”, “material”. Eu vejo, sinto, percebo, determinado trecho de Olaria em todo o poema-canção.

A incerteza, a dúvida, o desconhecimento da razão de tamanho sentimento por um lugar, em Olaria, que esteticamente seria julgado como feio: sei lá, não sei… Não sei se, toda a beleza de que lhes falo, sai tão-somente do meu coração. Em Olaria, a poesia, num sobe & desce constante, anda descalça, de pé no chão, pobre, primordial, ensinando um modo novo de viver, de sonhar, de pensar, e sofrer.

Olaria: a sua calmaria, o seu silêncio, as suas muitas ruas de casarões, a sua face interiorana, a sua face feia & feliz, a sua pobreza, a sua despreocupação, me formam, me moldam, me conduzem.

Olaria é tão grande que nem cabe explicação.

Beijo todos!
Paulo Sabino.
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(do livro: De onde vêm as palavras. autor: Deonísio da Silva. editora: Lexikon.)

 

 

FAVELA: é controvertida a origem deste vocábulo. Pode ter vindo do latim “favilla”, cinza quente, ou de “favu”, o conjunto de alvéolos de uma colmeia, que também se chama cortiço. Nos dois casos, alude-se, por metáfora, a conjuntos de habitações precárias. Quanto à origem, na clássica oposição entre cru e cozido, que segundo alguns teóricos definiu as civilizações, a cinza quente lembra o fogo feito no chão, com o fim de assar ou cozinhar. Os antecessores dos modernos fogões a gás ou elétricos, feitos de ferro, substituíram os fogões de pedra. Mas entre uns e outros dominou um tipo especial de fogão de correntes, afixadas num tripé ou no teto das cozinhas. Ganchos apropriados serviam para que panelas e chaleiras fossem ali dependuradas, embaixo das quais crepitava o fogo do chão, depois tornado brasa e cinza. Vistos de longe, pelas frestas dos barracos ou ao ar livre, onde também eram feitos, esses fogos teriam dado àquele amontoado de casas a aparência de uma colmeia. Outra explicação para o significado de habitação popular é dada por Antenor Nascentes e acolhida pelo “Dicionário Houaiss”: na campanha de Canudos, os soldados ficaram instalados no Morro da Favela, localidade daquela região assim chamada porque ali havia grande quantidade da planta que leva este nome (favela). Quando voltaram ao Rio de Janeiro, “pediram licença ao Ministério da Guerra para se estabelecerem com suas famílias no alto do Morro da Providência e passaram a chamá-lo Morro da Favela.”
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(autor: Hermínio Bello de Carvalho.)

 

 

SEI LÁ, MANGUEIRA

 

Vista assim do alto
Mais parece um céu no chão
Sei lá…
Sei lá, em Mangueira a poesia
Feito um mar se alastrou
E a beleza do lugar
Pra se entender
Tem que se achar
Que a vida não é só isso que se vê
É um pouco mais
Que os olhos não conseguem perceber
E as mãos não ousam tocar
E os pés recusam pisar

Sei lá, não sei…
Sei lá, não sei…
Não sei se toda a beleza de que lhes falo
Sai tão somente do meu coração
Em Mangueira a poesia
Num sobe e desce constante
Anda descalça ensinando
Um modo novo da gente viver
De sonhar, de pensar e sofrer

Sei lá, não sei…
Sei lá, não sei, não…
A Mangueira é tão grande
Que nem cabe explicação

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(do site: Youtube. do álbum: Cantoria. canção: Sei lá, Mangueira. versos: Hermínio Bello de Carvalho. música: Paulinho da Viola. intérprete: Caetano Veloso. Participação especial: Paulinho da Viola / Chico Buarque. gravadora: Biscoito Fino.)

MAS NÃO É SÓ ISSO APENAS
3 de setembro de 2014

Poesia_Aperte Play

Cadernos_Paulo Sabino__________________________________________________________________

o poeta & a sua obstinada busca em realizar, a cada feito, o melhor poema:

a construção se faz pouco a pouco. o esqueleto estético (o esboço do que se pretende um poema) segue o seu trajeto de sol, segue o seu trajeto em busca de luminosidade, de claridade, para ter algum norte, para ganhar o seu rumo de ritmo & sentidos: cimento, tijolos sobre tijolos, e a obra — o poema — projeta-se em seu propósito, evitando a lógica, o óbvio. afinal, a poesia trabalha com o deslocamento da linguagem no seu mais alto grau de perplexidade. a poesia, trabalhando com o deslocamento da linguagem no seu mais alto grau de perplexidade, quer comunicar mas sem facilitar para o leitor. os jogos de linguagem criados nem sempre são palatáveis à gula do entendimento nosso à primeira vista. em muitos casos, o poema solicita diversas visitações, o poema reclama um número incontável de leituras, a fim de uma apreensão mais abrangente do que comunicam os versos.

metáfora por metáfora, metro ante metro (metro: além de unidade de medida de comprimento internacional, é também a medida que estabelece a quantidade de sílabas de cada verso, o que garante a forma rítmica de uma obra poética), o ritmo imprevisível dos versos dá-se, assim, por descoberto: eis, finalmente, o poema aprontado pelo poeta.

o prédio de sons & signos — no caso, a construção em versos: o poema — traspassa o indizível, o prédio de sons & signos atravessa o que não é dito, pois tudo que compõe o poema (seus jogos lingüísticos, o prédio de sons & signos) vingará depois que ele for dado à expectativa dos leitores & dos críticos (tudo que se tem a saber de um poema encontra-se apenas no poema, na sua arquitetura de versos & palavras & idéias criadas entre versos & palavras, que leitores & críticos se esforçam para entender, para desvendar, para revelar).

no processo em que se atiram leitores & críticos (o de entender, o de desvendar, o de revelar, a arquitetura de versos & palavras & idéias criadas entre versos & palavras), certo é pintar o edifício — o prédio de sons & signos — com as cores do raciocínio, certo é colorir o edifício — o prédio de sons & signos — com as cores da razão crítica, que é o que nos capacita à atividade de examinar & avaliar minuciosamente uma produção artística, literária ou científica.

a fachada do poema — a sua forma & conteúdo — aberta, a fachada do poema — a sua forma & conteúdo — à vista do que pode a prosa, a fachada do poema — a sua forma & conteúdo — à vista do que pode a arte de desvendar o poema (trabalho que realizo neste espaço): mas não é só isso apenas: a minha voz, a voz de paulo sabino, uma das tantas vozes que se empenham na arte de desvendar poemas, a voz de paulo sabino, que, segundo o poeta, mistério de haver mistério, voz que ao poeta parece misteriosa pelo que diz & cala, a voz de paulo sabino, vinda de anotações dos tantos cadernos de rabisco em que trama as linhas que dão forma aos textos de apresentação aqui dispostos, a voz de paulo sabino, que, ao poeta, é o esforço nítido para divulgar o cosmo imperecível, que vai de cicero a safo, de bandeira a baudelaire.

a voz de paulo sabino: o esforço nítido para divulgar o cosmo imperecível, que vai de cicero a safo, de bandeira a baudelaire: o cosmo imperecível: o universo criado pelas mãos sofisticadas da poesia, universo que nunca morrerá, uni/verso que resiste em versos, inabalável, universo que resiste às intempéries da vida moderna (apressada, superficial, desatenta).

(e, sem dúvida, sobretudo o verso é o que pode lançar mundos no mundo.)

segundo o poeta, a casa, construída por paulo sabino através das suas interpretações textuais acerca dos edifícios de sons & signos que são os poemas, se monta, a casa — construída por paulo sabino — se põe pronta, de pé, e nada parece faltar à peça.

para o poeta, à casa construída & montada por paulo sabino, paralela ao edifício de sons & signos que são os poemas, nada parece faltar, tudo cabe: o ethos (palavra grega que significa, entre outras coisas, o conjunto de valores característicos de um movimento cultural ou de uma obra de arte), o pathos (palavra grega que significa, entre outras coisas, paixão, sentimento excedido), o moto-contínuo (movimento de um mecanismo que, após iniciado, continuaria indefinidamente, gerando, através do gasto de energia, mais energia para o seu funcionamento): o ethos (os valores característicos do poema), o pathos (o sentimento profundo que o poema abarca), o moto-contínuo (o trabalho incessante, ininterrupto, de interpretação do poema): para o poeta, na casa construída & montada por paulo sabino, nada parece faltar; tudo cabe nas interpretações textuais de paulo sabino.

depois das verificações todas, a respeito do trabalho poético & do trabalho de interpretação de um poema, o olhar do poeta se dispersa.

a criação — o poema — se fez pouso, a criação se fez edifício de sons & signos (cujos ambientes procuro habitar, todos de uma vez), e, ao mesmo tempo, a criação — o poema — se fez ponte (construção lingüística que estabelece comunicação com o seu leitor).

o arcabouço estético (o esboço do que se pretende um poema), projetado pelo poeta, chega ao seu percurso de sonho para virar ode (notem a rima que o poeta cria nos dois últimos versos do poema), para virar poema lírico de versos de mesma medida, ode dedicada a paulo sabino, seu companheiro-amigo de jornada poética.

mas não é só isso apenas: o poema projetado pelo poeta é, de fato, uma ode, é, de fato, um poema lírico de versos de mesma medida: tratam-se de redondilhas maiores (os versos possuem todos 7 sílabas, a começar pelo título do poema).

sofisticação pura.

ao poeta, o meu mais sincero & feliz agradecimento por este “presente” poema!

beijo todos!
paulo sabino.
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(do site: Quefaçocomoquenãofaço. de: Adriano Nunes. autor: Adriano Nunes.)

 

 

MAS NÃO É SÓ ISSO APENAS

 

A construção se faz pouco
A pouco. O esqueleto estético
Segue o seu trajeto de
Sol para ter algum norte —

Cimento, tijolos sobre
Tijolos e logo a obra
Projeta-se em seu propósito,
E evita a lógica, o óbvio.

Metáfora por metáfora,
Metro ante metro, o ritmo
Imprevisível dos versos
Dá-se assim por descoberto.

O prédio de sons e signos
Traspassa o indizível, pois
Tudo vingará depois
Que for dado à expectativa

Dos leitores e dos críticos —
Certo é pintar o edifício
Co’as cores do raciocínio.
A fachada aberta à vista

Do que pode a prosa, a arte
De desvendar o poema —
Mas não é só isso apenas:
A voz de Paulo Sabino,

Mistério de haver mistério,
Anotações no caderno
De rabisco, o esforço nítido
Para divulgar o cosmo

Imperecível que vai
De Cicero a Safo, até
De Bandeira a Baudelaire.
Palavra sobre palavra,

A casa se monta e nada
Parece faltar à peça.
O ethos, o pathos, o moto-
Contínuo, e o olhar se dispersa.

A criação se fez pouso
E ponte. O arcabouço estético
Chega ao seu percurso de
Sonho para virar ode.