OCUPAÇÃO POÉTICA — TEATRO CÂNDIDO MENDES: OS VÍDEOS
11 de agosto de 2015

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(Os poetas participantes do projeto “Ocupação Poética”: Salgado Maranhão, Adriano Espínola, Antonio Carlos Secchin, Alex Varella, Antonio Cicero, Paulo Henriques Britto & Paulo Sabino.)
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Aos interessados, alguns vídeos de algumas leituras realizadas durante o projeto “Ocupação Poética”, no teatro Cândido Mendes, em Ipanema (Rio de Janeiro), ocorrido nos dias 31/07, 01/08 & 02/08.

No dia em que foram feitos estes vídeos, no terceiro & último (domingo, 02/08), com a participação dos grandes Antonio Carlos Secchin & Paulo Henriques Britto, prestei uma homenagem ao maior poeta da língua portuguesa, o imensurável & incontornável português Fernando Pessoa. Recitei três poemas em sua homenagem & um poema de sua autoria sob o heterônimo de Bernardo Soares.

Além da homenagem a Pessoa, esta publicação traz o encerramento do projeto, com o mestre Antonio Carlos Secchin recitando um poema inédito de sua autoria, aprontado especialmente para o nosso recital. Poema de cem versos, todo em redondilha menor (versos de cinco sílabas).

Mais vídeos da nossa “Ocupação Poética” serão disponibilizados neste espaço. É só aguardar.

Divirtam-se!

Beijo todos!
Paulo Sabino.
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(do site: Youtube. projeto: Ocupação Poética — Teatro Cândido Mendes. local: Rio de Janeiro. data: 02/08/2015. Paulo Sabino recita Dita, poema de Antonio Cicero.)

 

DITA  (Antonio Cicero)

Qualquer poema bom provém do amor
narcíseo. Sei bem do que estou falando
e os faço eu mesmo pondo à orelha a flor
da pele das palavras, mesmo quando

assino os heterônimos famosos:
Catulo, Caetano, Safo ou Fernando.
Falo por todos. Somos fabulosos
por sermos enquanto nos desejando.

Beijando o espelho d’água da linguagem,
jamais tivemos mesmo outra mensagem,
jamais adivinhando se a arte imita

a vida ou se a incita ou se é bobagem:
desejarmo-nos é a nossa desdita,
pedindo-nos demais que seja dita.
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(do site: Youtube. projeto: Ocupação Poética — Teatro Cândido Mendes. local: Rio de Janeiro. data: 02/08/2015. Paulo Sabino recita A Fernando Pessoa, poema de Antonio Carlos Secchin.)

 

A FERNANDO PESSOA  (Antonio Carlos Secchin)

Ser é corrigir o que se foi,
e pensar o passado na garganta do amanhã.
É crispar o sono dos infantes,
com seus braços de inventar as buscas
em caminhos doidos e distantes.
É caminhar entre o porto e a lenda
de um tempo arremessado contra o mar.
Domar o leme das nuvens, onde mora
o mito e a glória de um deus a naufragar.
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(do site: Youtube. projeto: Ocupação Poética — Teatro Cândido Mendes. local: Rio de Janeiro. data: 02/08/2015. Paulo Sabino recita Pessoana, poema de Paulo Henriques Britto.)

 

PESSOANA  (Paulo Henriques Britto)

Quando não sei o que sinto
sei que o que sinto é o que sou.
Só o que não meço não minto.

Mas tão logo identifico
o não-lugar onde estou
decido que ali não fico,

pois onde me delimito
já não sou mais o que sou
mas tão-somente me imito.

De ponto a ponto rabisco
o mapa de onde não vou,
ligando de risco em risco

meus equívocos favoritos,
até que tudo que sou
é um acúmulo de escritos,

penetrável labirinto
em cujo centro não estou
mas apenas me pressinto

mero signo, simples mito.
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(do site: Youtube. projeto: Ocupação Poética — Teatro Cândido Mendes. local: Rio de Janeiro. data: 02/08/2015. Paulo Sabino recita o fragmento 451, de Bernardo Soares, heterônimo de Fernando Pessoa.)

 

451.  (Bernardo Soares – heterônimo de Fernando Pessoa)

Viajar? Para viajar basta existir. Vou de dia para dia, como de estação para estação, no comboio do meu corpo, ou do meu destino, debruçado sobre as ruas e as praças, sobre os gestos e os rostos, sempre iguais e sempre diferentes, como, afinal, as paisagens são.

Se imagino, vejo. Que mais faço eu se viajo? Só a fraqueza extrema da imaginação justifica que se tenha que deslocar para sentir.

“Qualquer estrada, esta mesma estrada de Entepfuhl, te levará até ao fim do mundo.” Mas o fim do mundo, desde que o mundo se consumou dando-lhe a volta, é o mesmo Entepfuhl de onde se partiu. Na realidade, o fim do mundo, como o princípio, é o nosso conceito do mundo. É em nós que as paisagens têm paisagem. Por isso, se as imagino, as crio; se as crio, são; se são, vejo-as como às outras. Para quê viajar? Em Madrid, em Berlim, na Pérsia, na China, nos Pólos ambos, onde estaria eu senão em mim mesmo, e no tipo e género das minhas sensações?

A vida é o que fazemos dela. As viagens são os viajantes. O que vemos, não é o que vemos, senão o que somos.
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(do site: Youtube. projeto: Ocupação Poética — Teatro Cândido Mendes. local: Rio de Janeiro. data: 02/08/2015. Antonio Carlos Secchin recita Translado, poema inédito de sua autoria.)

 

TRANSLADO (Antonio Carlos Secchin)

“o lado além do outro lado”

 

Tem um lado com

Tem um lado zen

Tem um lado zoom

Outro desfocado

Tem um lado chão

Outro lado alado

Tem um lado não

Tem um lado vim

Tem um lado voz

Tem um lado mim

Tem um lado algoz

Tem um lado sim

Tem um lado sou

Tem um lado quem?

Tem um lado zero

Tem um lado nem

Do lado de lá

Tem um lado além

Tem um lado lei

Toma então cuidado

Vem para apagar

O teu braseado

Tem um lado solto

Tem lado soldado

Esse lado aí

Te deixa confuso

Pronto pra arrochar

Feito um parafuso

O lado soldado

Me deixa lelé

Me imobilizando

Do pescoço ao pé

Frente à solda dura

Eu virei banido

Preso na armadura

Me senti fundido

Quero me sentir

Desencadeado

Com meu lado em

Tudo quanto é lado, a-

brindo um  contrabando na

Contramão da pista eu

Finjo que sou cego

Pra não dar na vista

Eu procuro enfim

Qualquer endereço

Que não me dê um  nó no

Meio do começo

Tem um lado aquém

Bem descontrolado

Tem um lado assim

Tem um lado assado

Um fermenta ali

Outro deste lado

Tem um lado sem

Mesmo acompanhado

Tem um lado tem

Com mais nada ao lado

No meu lado 1

Não fico à vontade

Ele só me dá o

Dobro da metade

Entre o não e o sim

Não quero o talvez, me-

lhor me embaralhar

Junto com esses três

Tem o lado 3

Lado bem  bacana

Desde que caibamos

Quatro numa  cama

Tem o lado light

Esse me seduz

Pois além de leve

Me cobre de luz

Lá no lado dark

Nada é tão festivo

Mas até no inferno

Eu me sinto vivo

Tem um lado mas

Que chega atrasado

Avisando a mim

Que tudo somado

Só resta a raiz

De um metro quadrado

Todo o resto é lero

Para o boi dormir

Múltiplo de zero

Pra me dividir

Entre o lado bom

E meu  lado B

Entre o aqui e o lá

Fico lá e aqui

Sem saber dizer

Onde vou chegar

Nem tentar saber

Que lado seguir

E neste translado

Eu só quero quem

Queira vir comigo a-

lém do verso 100.

TUDO ESTÁ EM TUDO
13 de janeiro de 2014

Pôr do sol na cidade

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uma regra que é da vida: podemos, e devemos, aprender com toda a gente.

por acreditar piamente nessa regra, não faço, procuro não fazer, mesmo!, distinção alguma entre os homens: aprende-se com tudo & todos: com letrados & iletrados; com sábios & ignorantes; com intelectuais & indoutos: a vida nos tange a todos.

a vida nos tange a todos: há coisas da seriedade da vida que podemos aprender com charlatães & bandidos, assim como aprendemos com os austeros & responsáveis, há filosofias que nos ministram os estúpidos, assim como nos ministram os eruditos, há lições de firmeza & de lei que vêm no acaso & nos que são do acaso, assim como as lições de firmeza & de lei que vêm no que é estável, no que é sólido, no que é inabalável.

tudo está em tudo: cada pessoa me traz uma notícia, cada casa me dá uma novidade, cada cartaz tem um aviso para mim.

(aprende-se com tudo & todos: com letrados & iletrados; com sábios & ignorantes; com intelectuais & indoutos: a vida nos tange a todos.)

quando ando só, meu passeio calado é uma conversa contínua com o mundo (com as coisas que vejo, ouço, sinto, percebo, cheiro), e todos nós — homens, casas, pedras, cartazes & céu — somos uma grande multidão amiga (afinal, aprende-se com tudo & todos), acotovelando-se de palavras (os signos que nos possibilitam aprender o mundo) na grande procissão do destino.

tenhamos os sentidos sempre abertos ao que nos traz a vida: lembremos: tudo está em tudo: aprende-se com tudo & todos.

beijo tudo & todos!
paulo sabino.
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(do livro: Livro do desassossego. autor: Bernardo Soares, heterônimo de: Fernando Pessoa. editora: Companhia das Letras.)

 

 

357.

 

Regra é da vida que podemos, e devemos, aprender com toda a gente. Há coisas da seriedade da vida que podemos aprender com charlatães e bandidos, há filosofias que nos ministram os estúpidos, há lições de firmeza e de lei que vêm no acaso e nos que são do acaso. Tudo está em tudo.

Em certos momentos muito claros da meditação, como aqueles em que, pelo princípio da tarde, vagueio observante pelas ruas, cada pessoa me traz uma notícia, cada casa me dá uma novidade, cada cartaz tem um aviso para mim.

Meu passeio calado é uma conversa contínua, e todos nós, homens, casas, pedras, cartazes e céu, somos uma grande multidão amiga, acotovelando-se de palavras na grande procissão do Destino.

VIAJAR
25 de maio de 2012

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viajar?

para viajar basta existir.

 pois a vida, por si só, é já uma grande viagem.
 
pensar a existência, os seus mistérios, e pensar em tudo que está aí, aqui, e pensar em como tudo veio parar aí, aqui, é uma grande viagem.
 
vou de dia para dia como de estação para estação (as tão lindas viagens de trem caminho afora…), no comboio do meu corpo, ou no comboio do meu destino (no conjunto de acontecimentos que se postam à minha frente caminho afora…), debruçado sobre as ruas & as praças, sobre os gestos & os rostos, sempre iguais & sempre diferentes (as ruas & praças, os gestos & rostos: sempre iguais, porque a rua, por exemplo, existe sempre com o mesmo nome, o mesmo trajeto, a mesma largura & tamanho, assim como uma pessoa, que terá o mesmo nome sempre e que, de si, será por toda a vida prisioneira; porém, ao mesmo tempo que são iguais, são diferentes, porque, a cada momento, uma hora, um dia, um mês, um ano. tudo muda, o tempo todo, no mundo. é sempre um outro segundo, é sempre uma outra hora, é sempre um outro dia), como, afinal, as paisagens são (sempre iguais & sempre diferentes).
 
se imagino, vejo. se uma árvore, ou uma casa, ou uma província, eu imaginar, eu visualizo, isto é, se imagino uma árvore, ou uma casa, ou uma província, eu vejo a árvore, ou a casa, ou a província. a casa, ou a província, ou a árvore, existe na nossa memória.
 
portanto, se imagino, vejo.
 
que mais faço eu, assim sendo, senão viajar? só a fraqueza extrema da imaginação (só alguém que não imagine) justifica que se tenha que deslocar para sentir.
 
é em nós que as paisagens têm paisagem. as paisagens são o que sentimos ao vê-las. uma pessoa pode passar por um caminho e nele não enxergar nada de muito interessante. uma outra pessoa pode passar pelo mesmo caminho, observando todo o entorno e, por ele, encantar-se: as formas das nuvens no céu, a estética das árvores no parque, as silhuetas das montanhas à frente, o vôo do pássaro que risca a manhã.
 
é em nós que as paisagens têm paisagem. na realidade, o mundo é o que pensamos dele; o mundo é o conceito que criamos para ele.
 
o mundo é o que dele enxergamos. no fundo, somos nós quem criamos as paisagens que nos cercam.
 
por isso, se as imagino, as crio; se as crio, se crio as paisagens na minha imaginação, elas são; se são, vejo-as como vejo outras paisagens dispostas caminho afora.
 
para que viajar? em madrid, em berlim, na pérsia, na china, nos pólos ambos (norte & sul), onde estaria eu senão em mim mesmo, e no tipo & gênero das minhas sensações?
 
em madrid, em berlim, na pérsia, na china, nos pólos ambos, ou em casa, ou caminhando na orla (beira-mar), onde estaria eu senão encerrado em meu corpo, preso à minha visão & às sensações despertadas ante o que vejo?
 
a vida é o que fazemos dela.
 
adoro viajar, conhecer novos lugares, o cotidiano de pessoas outras. viajar contribui na apreensão que faço da vida.
 
mas não acho que quem viaje (fisicamente, deslocando-se de um lugar a outro), necessariamente, aprenda ou apreenda mais da vida. viajar ajuda a confabular a trama/o drama feita/o de acasos absurdos & continuidades previsíveis. sim, viajar ajuda. mas é preciso querer ser ajudado.
 
a vida é o que fazemos dela. as viagens são os viajantes.
 
uma pessoa pode olhar uma paisagem & esta nada lhe dizer. uma outra pessoa olha a mesma paisagem & sente-se encantada com o que a vista avista.
 
o que vemos não é o que vemos, senão o que somos.
 
somos nós os inventores das paisagens que nos cercam.
 
para o bem viver, vivamos em prol de paisagens que nos animem o ser, lutemos por elas.
 
beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Livro do desassossego. autor: Bernardo Soares, heterônimo de: Fernando Pessoa. editora: Companhia das Letras.)
 
 
 
451.
 
 
Viajar? Para viajar basta existir. Vou de dia para dia, como de estação para estação, no comboio do meu corpo, ou do meu destino, debruçado sobre as ruas e as praças, sobre os gestos e os rostos, sempre iguais e sempre diferentes, como, afinal, as paisagens são.
 
Se imagino, vejo. Que mais faço eu se viajo? Só a fraqueza extrema da imaginação justifica que se tenha que deslocar para sentir.
 
“Qualquer estrada, esta mesma estrada de Entepfuhl, te levará até ao fim do mundo.” Mas o fim do mundo, desde que o mundo se consumou dando-lhe a volta, é o mesmo Entepfuhl de onde se partiu. Na realidade, o fim do mundo, como o princípio, é o nosso conceito do mundo. É em nós que as paisagens têm paisagem. Por isso, se as imagino, as crio; se as crio, são; se são, vejo-as como às outras. Para quê viajar? Em Madrid, em Berlim, na Pérsia, na China, nos Pólos ambos, onde estaria eu senão em mim mesmo, e no tipo e género das minhas sensações?
 
A vida é o que fazemos dela. As viagens são os viajantes. O que vemos, não é o que vemos, senão o que somos. 

LIVRO DO DESASSOSSEGO – FRAGMENTO 6
14 de setembro de 2009

Queridos,
 
Aqui,
 
um fragmento da autobiografia de Bernardo Soares, guarda-livros morador de Lisboa, organizada por Fernando Pessoa a partir da reunião dos textos dispersos,  fragmentos e rascunhos seus.
 
As linhas portuguesas me lembraram estes versos do poeta Carlos Drummond de Andrade, neste contexto, dispostos como epígrafe:
 
Tenho apenas duas mãos
e o sentimento do mundo
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Fragmento 6Livro do DesassossegoBernardo Soares (heterônimo de Fernando Pessoa) — editora: Companhia das Letras 
 
Escrevo, triste, no meu quarto quieto, sozinho como sempre tenho sido, sozinho como sempre serei. E penso se a minha voz, aparentemente tão pouca coisa, não encarna a substância de milhares de vozes, a fome de dizerem-se de milhares de vidas, a paciência de milhões de almas submissas como a minha ao destino quotidiano, ao sonho inútil, à esperança sem vestígios. Nestes momentos meu coração pulsa mais alto por minha consciência dele. Vivo mais porque vivo maior.
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Beijo em todos.
Paulo Sabino / Paulinho.