O QUE É BONITO?
29 de janeiro de 2014

Pedras do Arpoador_Rio de Janeiro

________________________________________________________

o que é bonito?

bonito é o que persegue o infinito, bonito é o que persegue aquilo que não tem limites, bonito é o que persegue uma grandeza cujos valores não são limitados, bonito é o que persegue o incalculável, o imensurável.

a beleza é coisa que se pretende grandiosa & eloqüente. a beleza, por seu caráter de encantamento, admiração ou prazer através dos sentidos, quer durar, quer ficar para sempre, não quer passar.

mas eu não sou. eu não sou infinito, muito pelo contrário: o dia, um dia, dá cabo; um dia, acabo; um dia, adeus.

por isso (por ser finito, por ter limites, por não ser grandioso), eu gosto do inacabado, do imperfeito.

eu quero o estragado, o vencido, o danificado, eu quero o que “dançou”, o que não se saiu bem, o que se saiu mal.

eu quero mais erosão, mais desgaste, mais corrosão, quero, cada vez mais, ser consumido pelo tempo, e menos granito — menos rocha, menos dureza, menos resistência.

quero estar apto a mudanças, a transformações, na consumação do tempo.

eu quero namorar o zero, que é o início de tudo, que é o ponto de partida para qualquer coisa. eu quero namorar o zero porque desejo estar apto a mudanças, apto a transformações: desejo aptidão para recomeçar sempre que preciso for.

eu quero namorar o “não”, que é impedimento, que é negativa, que é recusa, porque a vida é feita de perdas, a vida é feita de impossibilidades, a vida é feita de frustrações, e eu, como participante do mundo, sei que não escaparei dos “nãos” a mim reservados.

eu quero escrever o que desprezo, para que nunca me falte a noção dos meus muitos limites & das minhas muitas incapacidades, para que não me cresça, nunca!, o rei na barriga & sua arrogância aristocrática.

eu quero desprezar o que acredito a fim de poder acreditar em diversas outras coisas caminho afora, eu quero desprezar o que acredito para que eu conserve, em mim, o eterno aprendiz, conserve, em mim, aquele capaz de aprender com o que a vida ofertar de vivências.

o que nos impulsiona à vida é o desconhecido, o que nos lança à vida são os não-saberes. se de tudo soubéssemos, se tivéssemos as chaves de acesso ao mundo, a vida seria um caminhar chato, de estrada previamente delineada.

eu não quero a gravação — coisa que está aí, já feita, já editada, já devidamente guardada. eu quero o grito — o que ainda vai ser lançado, o que está por vir, o que está em processo de construção: é que a gente vai (afinal, um dia, acabo, um dia, adeus) & fica a obra (a gravação, coisa que está aí, já feita, já editada, já devidamente guardada), e eu persigo o que falta (o que ainda vai ser lançado, o que está por vir, o que está em processo de construção: o grito), não o que sobra (a obra).

eu quero tudo que dá & passa — tudo que estraga, tudo que perece, tudo que se desgasta, tudo que se deteriora.

eu quero tudo que despe, se despede, e despedaça: quero tudo que é feito nós, seres humanos, tudo que é feito de nós.

eu quero a vida que me cabe no seu breve tempo de sonhar & amar.

beijo todos!
paulo sabino.
________________________________________________________

(autores: Braulio Tavares / Lenine.)

 

 

O QUE É BONITO?

 

O que é bonito?
É o que persegue o infinito
Mas eu não sou
Eu gosto do inacabado
Do imperfeito, o estragado
O que dançou
Eu quero mais erosão
Menos granito
Namorar o zero e o não
Escrever o que desprezo
E desprezar o que acredito
Eu não quero a gravação
Eu quero o grito
É que a gente vai
E fica a obra
Mas eu persigo o que falta
Não o que sobra
Eu quero tudo que dá e passa
Quero tudo que se despe
Se despede
E despedaça
________________________________________________________

(do site: Youtube. áudio extraído do cd: Olho de peixe. artistas: Lenine / Marcos Suzano. canção: O que é bonito? intérprete: Lenine. autores da canção: Braulio Tavares / Lenine. gravadora: Velas.)

PALCO ILUMINADO
24 de julho de 2012

_____________________________________________________________

o palco iluminado: a vida como um teatro, a vida como um grande espetáculo, onde não sabemos o enredo & nem “como” nem “quando” terminará.

o palco iluminado: nesta vida, todos atores, todos representando os seus papéis mergulhados na dor & na delícia de ser o que é, todos mergulhados na dor & na delícia de ser o que escolhemos ser, todos mergulhados na dor & na delícia de ser o que podemos ser.
 
é preciso um tanto de coragem para seguir na vida: esta, em muitos casos, mostra-se ameaçadora, em muitos casos, a vida mostra-se intimidadora. em muitos casos, é preciso coragem para enfrentá-la, é preciso coragem para desafiá-la.
 
em muitos casos é preciso a calma de quem joga a vida, de quem joga a alma, no mais deslavado blefe. em muitos casos é preciso a calma de um jogador que joga a vida, que joga a alma, no mais descarado fingimento, na mais atrevida dissimulação (em muitos casos, a vida exige-nos uma boa dose de arrojo, uma dose boa de audácia): mãos firmes & voz cortante, e os olhos, desafiantes, provocantes, olhos de quem aguarda um tabefe.  
 
em muitos casos, é preciso pulso firme para com a vida.
 
eu mesmo, senhores: confesso que não passo pelo melhor dos momentos. e vejo, e enxergo, que, para solucionar determinadas questões internas, questões que não envolvem terceiros — que só envolvem a mim —, é preciso voz cortante (comigo mesmo), é preciso mão firme (estar seguro — o quanto for possível — das decisões tomadas a fim de solucionar questões internas que suscitam soluções), e os olhos desafiantes (olhos de quem aguarda um tabefe, tabefe que pode não acontecer…).
 
voz cortante, mãos firmes, olhos desafiantes: vivendo & aprendendo a jogar: a calma de um jogador que joga a vida, que joga a alma, a fim de solucionar questões internas que suscitam soluções: porque, sinceramente:
 
não vou morrer de enfarte em plena festa nem de fome nesta fartura. (podem apostar.)
 
ante a abundância da existência, ante as cores & os sabores que a existência tem a nos oferecer, ante as satisfações & os prazeres que a existência abriga, não sou eu quem ficarei a ver navios, não sou eu quem perderei o bonde, por conta de questões internas que suscitam soluções ou por conta de quaisquer outras questões (que não as internas) que instiguem soluções.
 
quando sou a única estrela que me resta, isto é, quando não posso contar com o brilho de alguma estrela companheira, resolvo brilhar & aí ninguém me segura.
 
quando sou a única estrela que me resta, o que significa dizer: quando não resta nada além de mim, estrela que sou, eu brilho & ninguém me segura. (podem apostar.) 
 
(no fundo, somos todos estrelas se pensarmos que, segundo a teoria mais difundida pelo meio científico, o que se configura o planeta que hoje habitamos surgiu da explosão de uma estrela; se o que se configura o planeta que hoje habitamos surgiu da explosão de uma estrela, então tudo o que apareceu no planeta que hoje habitamos, depois da explosão da estrela, é, em primeira instância, filho & fruto dessa estrela.)
 
estrela que sou, sendo — ou não — a única que me resta, eu brilho & ninguém me segura.
 
(gente é pra brilhar.)
 
que a vida nos seja sempre um palco iluminado onde o espetáculo nos conduza a uma sucessão de acontecimentos que teçam, apesar dos pesares, um enredo feliz.
 
beijo todos!
paulo sabino.  
____________________________________________________________
 
(do livro: O homem artificial. autor: Braulio Tavares. editora: Sette Letras.)
 
 
 
PALCO ILUMINADO 1
 
 
Preciso agora da calma
de quem joga a vida, a alma
no mais deslavado blefe:
 
mãos firmes e voz cortante
e os olhos desafiantes
de quem aguarda um tabefe.
 
 
 
PALCO ILUMINADO 2
 
 
Não vou
morrer de enfarte
em plena festa
 
nem de fome
nesta fartura.
 
Quando sou
a última estrela que me resta,
 
resolvo brilhar
e aí ninguém me segura.

NA TRAVESSIA, A SINA VIOLEIRA
20 de maio de 2011

___________________________________________________________________________________________________________

não é o ninho o lar do passarinho.
 
do passarinho, o lar é o ar.
 
é no ar, plainando, é no ar, traçando as suas rotas, é no ar, desbravando as suas travessias, que vivem os passarinhos. 
 
o ninho é somente dormitório e lugar à cria. mesmo quando passarinho quer descansar, durante o dia, passarinho procura um galho de árvore por folhas encoberto, bem protegido.
 
o lar do passarinho é o ar.
 
e percebam: a palavra “lar”, que também significa “abrigo”, a palavra “lar“, concretamente, abriga o lar dos passarinhos: o ar.
 
assim como os lares dos passarinhos, as nossas moradas se fazem nas nossas travessias, se arquitetam nos caminhos que desbravamos mundo afora, nas rotas que construímos (& que desfazemos) durante a caminhada.
 
a vida é um eterno atravessar…
 
(eles passarão, e eu, passarinho – rs!)
 
a vida é um eterno traçar de rotas. avante sempre, sempre um outro momento: o que é, já foi, e o que será, um dia é, e se vai.
 
nesta travessia, o que eu quero?
 
respondo: eu quero a sina violeira.
 
eu desejo a sina violeira, eu almejo o destino correlacionado às composições musicais, na viola, a sina correlacionada aos violeiros modos (& às modas da viola): 
 
quero viver de “desafio”;
 
amar de “improviso”;
 
e morrer de “repente”.
 
(“desafio”, “improviso” & “repente”: modos & trejeitos que a viola comporta.)
 
eu quero desafios, eu quero improvisos, & eu quero inesperados.
 
uma travessia onde o momento dite o momento, uma travessia onde o dia diga o dia.
 
viver dia após dia, viver um dia de cada vez, e vivê-lo, e vivenciá-lo, com todos os seus ineditismos & as suas singularidades.
 
viver cada coisa no seu próprio tempo, no seu próprio “coisa”.
 
portanto, viver sem pragmatismos. (talvez viver apenas com alguns poucos – rs…)
 
beijo todos!
paulo sabino.
 
___________________________________________________________________________________________________________
 
(do livro: O homem artificial. autor: Braulio Tavares. editora: Sette Letras.)
 
 
 
TRAVESSIA
 
O lar
 
do passarinho
 
é
 
o ar
 
não
 
é
 
o ninho.
 
 
 
SINA VIOLEIRA
 
 O que eu quero
é viver de desafio
amar de improviso
e morrer de repente.