SONETO DO DESMANTELO AZUL
8 de fevereiro de 2014

Paulo Sabino_Desmanteladamente azul

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o desmantelo azul: o azul que desaba, que despenha, que desmorona, por sobre tudo & todos.

azul, a cor do céu, azul, a cor do mar.

portanto: azul: a cor do meu delírio, a cor do meu fascínio.

por isso, por ser azul a cor do meu delírio, a cor do meu fascínio, pintei de azul os meus sapatos, por não poder pintar as ruas, e, depois, vesti meus gestos insensatos, gestos descabidos, de azul, e colori as minhas mãos & as tuas.

para extinguir, em nós, o azul ausente, para dissipar a ausência de azul em nós, e aprisionar as coisas gratas no azul, enfim, nós derramamos simplesmente azul sobre os vestidos & as gravatas.

e, afogados em nós (no nosso delírio, no nosso fascínio, por azul), nem nos lembramos que, no excesso que havia em nosso espaço (excesso de azul), pudesse haver, de azul, também cansaço.

cansaço & ânimo, tristeza & alegria, dor & deleite: tudo cabe no desmantelo azul de que nos revestimos.

e, perdidos de azul, nos contemplamos & vimos que, entre nós, nascia um sul — um hemisfério todo nosso — vertiginosamente azul.

azul, a cor do céu, azul, a cor do mar: azul: a cor do meu delírio, a cor do meu fascínio.

que luza a luz azul!

beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Melhores poemas. autor: Carlos Pena Filho. seleção: Edilberto Coutinho. editora: Global.)

 

 

SONETO DO DESMANTELO AZUL

 

Então, pintei de azul os meus sapatos
por não poder de azul pintar as ruas,
depois, vesti meus gestos insensatos
e colori as minhas mãos e as tuas.

Para extinguir em nós o azul ausente
e aprisionar no azul as coisas gratas,
enfim, nós derramamos simplesmente
azul sobre os vestidos e as gravatas.

E afogados em nós, nem nos lembramos
que no excesso que havia em nosso espaço
pudesse haver de azul também cansaço.

E perdidos de azul nos contemplamos
e vimos que entre nós nascia um sul
vertiginosamente azul. Azul.

POEMA DE NATAL
21 de dezembro de 2012

Sino

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fim de ano. andando à rua, de repente, ouço o sino tocar.
 
capacitado ao diálogo, pergunto ao sino, ao claro sino, para quem toca. ele me responde que toca para deus menino que, de longe, vem.
 
como nunca topei com deus menino nas suas andanças pela terra, peço ao sino, que anuncia a sua vinda, para trazê-lo — trazer o deus menino — ao meu amor.
 
o sino interpreta-me ousado em meu pedido; pergunta-me o que tenho a oferecer a deus menino, eu, que sou um velho pecador.
 
ao sino respondo: ao deus menino, deus com quem nunca esbarrei quando nas suas andanças pela terra, ao deus menino ofereço:
 
minha fé cansada (de ser fé — afinal, nunca, na vida, deus menino a mim se apresentou); ofereço ao deus menino o que tenho para comer, para beber, aquilo que me alimenta, aquilo que mata a minha sede: meu pão, meu vinho: o poema, o amor, o sentimento fraterno; ofereço ao deus menino meu silêncio limpo, silêncio isento de qualquer outra coisa que não seja silêncio, silêncio limpo de pensamentos, silêncio vazio de elucubrações; ofereço ao deus menino minha solidão, os momentos do paulo sabino a sós com o paulo sabino, momentos de silêncio limpo, onde o que conta (o que vale) é o que não se conta (o que não se diz; o que não se enumera), momentos da mais pura paz.
 
peço ao claro sino para trazê-lo — trazer o deus menino — ao meu amor.
 
(ao meu poema de natal.)
 
beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Melhores poemas. autor: Carlos Pena Filho. seleção: Edilberto Coutinho. editora: Global.)
 
 
 
POEMA DE NATAL
 
 
— Sino, claro sino,
      tocas para quem?
— Para o Deus menino
      que de longe vem.
 
— Pois se o encontrares
      traze-o ao meu amor.
— E que lhe ofereces
      velho pecador?
 
— Minha fé cansada,
      meu vinho, meu pão,
      meu silêncio limpo,
      minha solidão.

A PALAVRA
12 de setembro de 2012

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navegador de bruma & de incerteza, humilde, me convoco & visto audácia & te procuro em mares de silêncio, onde, precisa & límpida, resides.

 
onde, precisa & límpida, resides: tu: palavra.
 
navegador de bruma & incerteza (afinal, navegar-te, palavra, navegar à procura tua, no intuito de erguer-te um poema, é tarefa árdua, de incertezas, pois a busca pode dar em nada; nadar nadar nadar & morrer na praia), humilde, convoco a mim, convoco a atenção de todas as minhas faculdades, visto-me, na busca, de audácia (há de se ter coragem para adentrar o reino das palavras)  & te procuro, palavra, em mares de silêncio, onde, precisa & límpida, tu, palavra, resides.
 
frágil que sou (navegar à procura da palavra que se sirva precisa & límpida num verso é trabalho árduo), sempre me perco na rota, pois, em minhas mãos, retenho rumos desconcertados & vagos instrumentos de procura que pouco me auxiliam.
 
por ver que és claridade & superfície (a palavra, sabe-se, dá-se inteira, clara, na superfície da página, letra a letra, para quem quiser ver, como acontece aqui, neste exato momento), desprendo-me do que não seja claro & do que não esteja à tona, e te aguardo, palavra, com loucos estandartes, coloridos por festas  & batalhas vivenciadas na jornada.
 
aí, reúno a argúcia dos meus dedos (prontos a escrever-te, palavra) & a precisão astuta de meus olhos (prontos a enxergar-te, palavra) & fabrico estas rosas de alumínio.
 
fabrico estas rosas de alumínio: rosas de alumínio, percebam, feitas de palavras.
 
rosas de alumínio: além de rosas-palavras (rosas feitas de letras), estas rosas, por serem de metal (alumínio), negam-se flores (sabe-se que o metal não é matéria-prima para flores), mas, por não serem rosas, são mais belas por conta do artifício que as inventa.
 
o artifício que as inventa (que inventa as rosas de alumínio): a palavra.
 
as rosas de alumínio que aqui pousam são de: palavras. são as palavras aqui pousadas que fazem existir as: rosas de alumínio.
 
às vezes, palavra, tu permaneces insolúvel, tu permaneces sem solução, permaneces sem que ninguém te possa dissolver em papel, sem que ninguém te possa resolver. às vezes, palavra, permaneces perdida em labirintos de pensamentos, permaneces insolúvel, perdida para além da chuva que reveste o tempo & que alimenta o musgo das paredes, onde tu, palavra, por criá-los aqui neste espaço (o musgo das paredes), assim como bem criaste, aqui neste espaço, as rosas de alumínio, te inscreves. 
 
procuro-te, palavra, perdida além da chuva que reveste o tempo & que alimenta o musgo das paredes… mas percebo que é inútil procurar-te neste instante, pois tu, palavra, és muito mais arredia que um peixe. em cardumes, sem que eu consiga capturar-te a tempo, escapas pelos dedos, deixando apenas a promessa leve de que a manhã (um novo dia, um novo amanhecer) não tarda & que, na vida, vale mais o sabor da reconquista (o sabor da reconquista: cedo ou tarde conquista-se a palavra desejada).
 
(palavra arredia, um dia, prometo, ainda te pego de jeito…)
 
assim, então, vejo-te, palavra, como sempre foste: para além de peixe & mais que saltimbanco (artista popular itinerante, que se exibe em circos, feiras & praças públicas): palavra: forma imprecisa, que ninguém distingue.
 
palavra: de significações múltiplas: nem peixe nem saltimbanco: vários sentidos dentro de uma frase ou verso: o teu sonho inusitado, palavra, de teres diversas facetas.
 
palavra: forma imprecisa que ninguém distingue mas que resiste a tudo & se apresenta tanto mais pura quanto mais esquiva.
 
palavra: quanto mais esquiva (arredia, arisca) tanto mais pura: há de pensar & repensar & pensar & repensar o uso de uma palavra a fim de alcançar o efeito que se deseja com ela, seja em frase de conto ou romance ou crônica, seja em verso de poema.
 
quanto mais pensada, mais árdua a procura: por isso esquiva (arredia, arisca): porém, a palavra, quando, após a árdua procura, (finalmente) é encontrada, a palavra dá-se mais pura, a palavra dá-se mais nítida no que almeja de efeitos no texto.
 
como admirador teu, palavra, de longe, olho teu sonho inusitado & dividido em faces (palavra: de significações múltiplas: nem peixe nem saltimbanco: palavra: forma imprecisa, que ninguém distingue), e, olhando, como admirador, teu sonho inusitado & dividido em faces, mais te cerco, mais chego perto de ti, palavra, e se te não domino, então contemplo teus pés de visgo, então contemplo teus pés pegajosos, que prendem, pés que caminham & deixam rastos, vestígios de significações, então contemplo tua vogal de espuma, contemplo teu fonema cujo som se dissipa, leve & tênue, no ar em movimento, e sei, palavra, que és mais que astúcia & movimento (dada sua natureza de significações múltiplas & possibilidades diversas no emprego em frase ou verso): aérea estátua de silêncio & bruma.
 
a palavra: aérea estátua de silêncio & bruma: ao dizer-te, ao escrever-te, edifico a palavra: rosa amarela. aqui, a flor edificada: estátua. contudo, estátua aérea: seu arcabouço não é gesso, granito, mármore, barro: o arcabouço da palavra é o ar, é a imaginação. a rosa amarela aqui posta ergue a sua estátua na nossa imaginação.
 
a palavra: aérea estátua de silêncio: afinal, a palavra não fala. somos nós quem a pronunciamos. a palavra no papel: inerte, quieta, pousada na folha. calada.
 
a palavra: aérea estátua de silêncio & bruma (nevoeiro): afinal, a palavra, apesar de ser claridade & superfície em folha de papel, a palavra oculta sentidos, metáforas, segundas & terceiras intenções, delírios, alucinações.
 
a palavra: a (grande) chave do mundo.
 
beijo todos!
paulo sabino. 
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(do livro: Melhores poemas. autor: Carlos Pena Filho. seleção: Edilberto Coutinho. editora: Global.) 
 
 
 
A PALAVRA
 
 
Navegador de bruma e de incerteza,
humilde, me convoco e visto audácia
e te procuro em mares de silêncio
onde, precisa e límpida, resides.
Frágil, sempre me perco, pois retenho
em minhas mãos, desconcertados rumos
e vagos instrumentos de procura
que, de longínquos, pouco me auxiliam.
 
Por ver que és claridade e superfície,
desprendo-me do ouro do meu sangue
e da ferrugem simples dos meus ossos,
e te aguardo com loucos estandartes
coloridos por festas e batalhas.
Aí, reúno a argúcia dos meus dedos
e a precisão astuta de meus olhos
e fabrico estas rosas de alumínio
que por serem de metal, negam-se flores
mas por não serem rosas, são mais belas
por conta do artifício que as inventa.
 
Às vezes, permaneces insolúvel
além da chuva que reveste o tempo
e que alimenta o musgo das paredes,
onde, serena e lúcida, te inscreves.
Inútil procurar-te nesse instante,
pois muito mais que um peixe és arredia
em cardumes escapas pelos dedos
deixando apenas a promessa leve
de que a manhã não tarda e que na vida
vale mais o sabor de reconquista.
Então, te vejo como sempre foste,
além de peixe e mais que saltimbanco,
forma imprecisa que ninguém distingue
mas que a tudo resiste e se apresenta
tanto mais pura quanto mais esquiva.
 
De longe, olho teu sonho inusitado
e dividido em faces, mais te cerco
e se te não domino então contemplo
teus pés de visgo, tua  vogal de espuma,
e sei que és mais que astúcia e movimento
aérea estátua de silêncio e bruma.  
 
 
 
A MESMA ROSA AMARELA**
 
 
Você tem quase tudo dela,
o mesmo perfume, a mesma cor,
a mesma rosa amarela,
só não tem o meu amor.
 
Mas nestes dias de carnaval
para mim, você vai ser ela.
O mesmo perfume, a mesma cor,
a mesma rosa amarela.
Mas não sei o que será
quando chegar a lembrança dela
e de você apenas restar
a mesma rosa amarela,
a mesma rosa amarela.
 
 
** Nota extraída do livro Melhores poemas, autoria de Carlos Pena Filho & seleção de Edilberto Coutinho: “foi como letrista de ‘A mesma rosa amarela’ — música de Capiba — que Carlos Pena Filho se tornou nacionalmente conhecido, graças ao sucesso das interpretações de, entre outros, Maysa, Nelson Gonçalves, Tito Madi e Vanja Orico.”

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(do site: Youtube. canção: A mesma rosa amarela. áudio extraído do álbum: Canção do amor mais triste. artista & intérprete: Maysa. música: Capiba. versos: Carlos Pena Filho.)