“CARNELEVAMEN”
13 de fevereiro de 2015

Paulo Sabino_Boitatá Cortejo_Carnaval 2015

(Cortejo do Cordão do Boitatá — 08/02/2015.)
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e eis que, na cidade do rio de janeiro, cidade de cariocas, já é tempo de folia momesca, ainda que a folia momesca, oficialmente, comece no sábado.

blocos de rua, confete, serpentina & purpurina espalhados pelo chão: eis que o tempo das fantasias chegou.

o tempo das fantasias chegou: é carnaval: não me diga mais quem é você: amanhã tudo volta ao normal: as diferenças existentes, hoje, não importam: hoje, eu sou da maneira que você me quer, seja você quem for.

o tempo das fantasias chegou: as fantasias mais revelam que escondem: fantasiados, sentimo-nos livres para realizar desejos encobertos: o que fica guardado durante o ano inteiro, no carnaval, revela-se, ganha destaque, e tudo através das fantasias.

o tempo das fantasias chegou: eu quero saber o seu jogo: eu quero morrer no seu bloco: eu quero me arder no seu fogo.

o tempo das fantasias chegou: deixe a festa acabar: deixe o barco correr: deixe o dia raiar.

(revelamo-nos mais nas fantasias do que na realidade pura & dura.)

(a realidade pura & dura é quem nos põe as máscaras, máscaras utilizadas todos os dias, no convívio social.)

que esta alegria fugaz, que esta ofegante epidemia, que se chama carnaval, encha os nossos corações de força, a fim de seguirmos bem nas nossas andanças, apesar dos pesares, mesmo com todos os dissabores que nos reserva a vida.

que, passado o carnaval, sigamos tomados de uma vertigem que conclame um mundo melhor, menos violento & virulento, para todos nós.

divirtam-se!
até a volta!

beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: De onde vêm as palavras — origens e curiosidades da língua portuguesa. autor: Deonísio da Silva. editora: Lexikon.)

 

 

CARNAVAL  do italiano carnevale. Primitivamente designava a terça-feira gorda, a partir da qual a Igreja passava a suprimir o uso da carne. Outros estudiosos veem na expressão latina carne, vale (carne, adeus) o étimo mais coerente. Mas carnelevamen, também do latim (prazeres da carne), antes das tristezas e continências da Quaresma, também é uma explicação plausível. Antes de o Carnaval ser a festa que é, chamava-se entrudo (do latim introitu, entrada), porque aqueles três dias são a porta de entrada para a Quaresma. Era pouco mais do que o ato inocente de uns jogarem água nos outros. Bem que muitos estavam precisando de água, pois a higiene pessoal e caseira era deficitária no Brasil de nossos dois Pedros príncipes, que também participavam da folia.

 

 

CARIOCA  do tupi kari’oka, pela composição kara, de kara’iwa, caraíba, homem branco, e oka, casa, casa de branco. A moradia do português, de pedra e cal, foi uma novidade para os índios. As primeiras construções que deram tal qualificação ao habitante do Rio de Janeiro foram erguidas na praia do Flamengo, em 1503, ao lado de um rio que nascia na Tijuca, mas que recebeu também o nome de Carioca. O Largo da Carioca tem este nome porque as águas do rio chegavam ali, no chafariz. Carioca passou a denominar o habitante do município do Rio de Janeiro, e fluminense o do estado. Carioca designa também um tipo de café expresso.
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(do livro: Tantas palavras. autor: Chico Buarque. editora: Companhia das Letras.)

 

 

NOITE DOS MASCARADOS

 

Quem é você?
Adivinhe, se gosta de mim
Hoje os dois mascarados
Procuram os seus namorados
Perguntando assim:
Quem é você, diga logo
Que eu quero saber o seu jogo
Que eu quero morrer no seu bloco
Que eu quero me arder no seu fogo

Eu sou seresteiro
Poeta e cantor
O meu tempo inteiro
Só zombo do amor
Eu tenho um pandeiro
Só quero violão
Eu nado em dinheiro
Não tenho um tostão
Fui porta-estandarte
Não sei mais dançar
Eu, modéstia à parte
Nasci pra sambar
Eu sou tão menina
Meu tempo passou
Eu sou Colombina
Eu sou Pierrot

Mas é carnaval
Não me diga mais quem é você
Amanhã, tudo volta ao normal
Deixe a festa acabar
Deixe o barco correr
Deixe o dia raiar
Que hoje eu sou
Da maneira que você me quer
O que você pedir
Eu lhe dou
Seja você quem for
Seja o que Deus quiser
Seja você quem for
Seja o que Deus quiser
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(do site: Youtube. áudio extraído do álbum: Chico Buarque de Hollanda — volume 2. artista & intérprete: Chico Buarque. participação especial: Os 3 Morais. canção: Noite dos mascarados. autor: Chico Buarque. gravadora: Som Livre.)

VOCÊ & MAIS NADA
7 de março de 2014

RM

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para r.m.

 

carnaval de 2014. 3 de março, segunda-feira momesca, cidade do rio de janeiro.

“saravaço”: depois do bloco percorrer um bom pedaço do seu trajeto, quando noite já, você chegou. e chegou feliz, alegre, inteligente, bem-humorado, chegou cheio de amigos em comum, chegou com as melhores referências.

você chegou, amor. o amor chegou: vida humana em outra vida humana: eu só quero você & mais nada.

não me engana (sei da sua beleza): vem, beleza humana: fica ao meu lado. preciso de amor.

somos dois poemas apaixonados. podemos (& devemos) sonhar.

eu só quero você & mais nada.

vida humana em outra vida humana: que bom seria, será, um dia, nós dois (para sempre grudados, qual desejamo-nos)…

e na cama, ô beleza humana, sonho ao seu lado: preciso de amor.

mil & uma noites de amor: porque você chegou…

(e eu saúdo & festejo & conclamo a sua chegada. que maravilha…)

beijo todos!
paulo sabino.
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(Autores: Fausto Nilo / Pepeu Gomes / Baby Consuelo.)

 

 

MIL E UMA NOITES DE AMOR

 

Eu só quero você
E mais nada

Não me engana
Vem, beleza humana
Fica ao meu lado
Preciso de amor
Outra cena
Somos dois poemas apaixonados
Podemos sonhar

Eu só quero você
E mais nada

Vida humana
Em outra vida humana
Que bom seria
Um dia, nós dois
E, na cama
Ô beleza humana
Sonho ao teu lado
Preciso de amor

Mil e uma noites de amor
Você chegou
Você chegou, amor
Chegou o amor
Chegou
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(do site: Youtube. áudio extraído do álbum: Masculino e feminino. gravadora: CBS. artista & intérprete: Pepeu Gomes. canção: Mil e uma noites de amor. autores: Fausto Nilo / Pepeu Gomes / Baby Consuelo.)

QUANDO O CARNAVAL CHEGAR
28 de fevereiro de 2014

Confetes_Carnaval

 

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carnaval: eis que chegou: festa pagã, de rua, onde, durante dias (que parecem infindáveis), as pessoas dançam, bebem, brincam & vestem suas fantasias.

a gente trabalha o ano inteiro por um momento de sonho, para fazer a fantasia de rei, ou de pirata, ou jardineira. a gente se guarda para quando o carnaval chegar.

eu acredito, piamente, que a gente se desnuda mais quando mascarado. eu acredito, piamente, que a gente se revela mais quando acobertado. eu acredito, piamente, que a gente se mostra mais quando fantasiado.

as fantasias mais revelam que escondem.

na verdade, fantasiados, sentimo-nos livres para realizar desejos encobertos. o que fica guardado durante o ano inteiro, no carnaval, revela-se, ganha destaque, e tudo através das fantasias.

a gente se guarda, o ano inteiro, por um momento de sonho, para fazer a fantasia, para quando o carnaval chegar.

paradoxalmente, é no carnaval, travestindo-se, mascarando-se, que o corpo & o rosto estão mais expostos, mais limpos, mais nus.

revelamo-nos mais nas fantasias do que na realidade pura & dura.

a realidade pura & dura é quem nos põe as máscaras, máscaras utilizadas todos os dias, no convívio social.

nas fantasias, revelamo-nos mais porque, nelas, cabem desejos encobertos que permitimos vir à tona somente por causa das máscaras, somente por causa da maquiagem exagerada, caricatural, somente por causa dos personagens encarnados. e com a grande desculpa na ponta da língua: “quem realiza não sou eu, é a personagem. quem quer, quem deseja, é a personagem, quem age é ela, não sou eu”.

então tá bom…

vamos revelarmo-nus!

um ótimo carnaval para quem a carne é de carnaval!

beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Tantas palavras. autor: Chico Buarque. editora: Companhia das Letras.)

 

 

QUANDO O CARNAVAL CHEGAR

 

Quem me vê sempre parado, distante
Garante que eu não sei sambar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar
Eu tô só vendo, sabendo, sentindo, escutando
E não posso falar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar
Eu vejo as pernas de louça da moça que passa e
não posso pegar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar
Há quanto tempo desejo seu beijo
Molhado de maracujá
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar
E quem me ofende, humilhando, pisando,
………………………………………….[pensando
Que eu vou aturar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar
E quem me vê apanhando da vida duvida que
………………………………………….[eu vá revidar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar
Eu vejo a barra do dia surgindo, pedindo pra
………………………………………….[gente cantar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar
Eu tenho tanta alegria, adiada, abafada, quem
………………………………………….[dera gritar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar
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(do site: Youtube. áudio extraído do álbum: Quando o carnaval chegar. gravadora: Universal Music. artistas: Chico Buarque / Nara Leão / Maria Bethânia. canção: Quando o carnaval chegar. autor & intérprete: Chico Buarque.)

BASHÔ BAIXOU NO SAMBA-ENREDO: CARNAVAL
11 de fevereiro de 2013

Cristiano Marinho & Paulo Sabino_Boitatá 2013

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e eis que a folia momesca atravessa o brasil de norte a sul, leste a oeste.

no “prosa em poema” não seria diferente.

o “samba-enredo” que aporta faz uma homenagem a matsuo bashô, o grande mestre inventor do haicai que conhecemos hoje.

bashô viveu como um guerreiro samurai durante os seus 23 primeiros anos de vida. com a morte do seu mestre, dedicou-se basicamente ao zen budismo & à poesia, recriando o haicai (com novos temas) & tornando-se um monge peregrino, viajante em busca de respostas às suas indagações existenciais.

nas suas tantas viagens, bashô dedicava-se a escrever diários, guardando, assim, as paisagens & impressões dos lugares por onde passava. “sendas de oku” é um dos mais famosos diários escritos por bashô.

dos poemas, o mais célebre é o “haicai da rã” (ou “haicai do sapo”), onde bashô descreve o salto de uma rã/um sapo (em japonês, a palavra “kawazu” pode significar tanto “sapo” quanto “rã”) num lago de água parada, produzindo, com o salto anfíbio, o movimento do que, antes, imóvel, inanimado (a água do lago), a expansão do movimento da água em círculos concêntricos:

assim como a água do lago, antes parada & depois em movimento com o salto da rã/do sapo, nossa consciência deve saltar por sobre o silêncio (mundo mudo, que nada nos diz & que, portanto, recebe a nossa interpretação acerca do que ele é) & expandir-se como expande o movimento dos círculos concêntricos na água, em sucessivas ondas de associações.

depois do mestre, outros grandes poetas japoneses dedicaram-se a transmitir o legado deixado por bashô, como os poetas kobayashi issa (1763 – 1827) & takoboku ishikawa (1885 -1912), fazendo com que o haicai atravessasse 3 séculos de existência.

baixou bashô no terreiro! baixou bashô no pandeiro! na sapucaí, carnaval, saltou o sapo a noite inteira!

um belo carnaval é o que o “prosa em poema” deseja aos senhores!

divirtam-se!

beijo todos!
paulo sabino.

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(do livro: O menos vendido. autor: Ricardo Silvestrin. editora: Nankin Editorial.)

 

 

SAMBA-ENREDO

Desci o monte Fuji
e hoje vim cantar na avenida
a história do monge que foi soldado
no início da sua vida.
Nesta noite de esplendor,
lembro o mestre-samurai,
o maestro do silêncio
(sem lenço e sem documento)
inventor do nosso haicai.
Bashô, Bashô,
baixou Buda no terreiro.
Saltou, saltou,
saltou o sapo muambeiro.
Deixou, deixou,
nesse salto o seu mistério.
Peguei as sendas de Oku
e caí na Sapucaí.
Virei Issa e Takoboku,
há três séculos estou aqui.
Rezei a primeira missa,
na segunda me perdi,
seguindo o mestre Bananeira
como o mestre-sala
segue a porta-bandeira.
Bashô, Bashô,
baixou Buda no pandeiro.
Saltou, saltou,
saltou o sapo a noite inteira.
Deixou, deixou,
em três versos um samba-enredo:

céu de fevereiro
quem tem samba no pé
se ilumina primeiro

SONHO DE UMA TERÇA-FEIRA GORDA
8 de março de 2011

sonho de uma terça-feira gorda:
 
mesmo um céu cinza, o sorriso branco.
 
sonho de uma terça-feira gorda:
 
ainda que um dia encoberto, a alegria & a fantasia extravasadas.
 
os dominós eram negros, e eram negras as suas máscaras.
 
iam, por entre a turba, com solenidade, com ar lúgubre, porém, por dentro, a profunda, a silenciosa alegria.
 
pois que era dentro deles, dos dominós, negros, que estava a alegria.
 
alegres, pois que sejam, e estejam, os foliões, para a batalha de confetes, e também para a batalha da vida, em prol de melhorias, atentos a decisões que dizem respeito às nossas vidas.
 
beijo bom & leve em todos!
paulo sabino.
 
(viajo para a região serrana na quarta-feira de cinzas, local sem internet. semana próxima estamos por aqui.)
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(do livro: Estrela da vida inteira. autor: Manuel Bandeira. editora: Nova Fronteira.)
 
 
SONHO DE UMA TERÇA-FEIRA GORDA
 
 
Eu estava contigo. Os nossos dominós eram negros, e negras eram as nossas
                                                                                                  [máscaras.
Íamos, por entre a turba, com solenidade,
Bem conscientes do nosso ar lúgubre
Tão contrastado pelo sentimento de felicidade
Que nos penetrava. Um lento, suave júbilo
Que nos penetrava… Que nos penetrava como uma espada de fogo…
Como a espada de fogo que apunhalava as santas extáticas!
 
E a impressão em meu sonho era que se estávamos
Assim de negro, assim por fora inteiramente de negro,
— Dentro de nós, ao contrário, era tudo claro e luminoso!
 
Era terça-feira gorda. A multidão inumerável
Burburinhava. Entre clangores e fanfarra
Passavam préstitos apoteóticos.
Eram alegorias ingênuas ao gosto popular, em cores cruas.
 
Iam em cima, empoleiradas, mulheres de má vida,
De peitos enormes — Vênus para caixeiros.
Figuravam deusas — deusa disto, deusa daquilo, já tontas e seminuas.
A turba, ávida de promiscuidade,
Acotovelava-se com algazarra,
Aclamava-se com alarido
E, aqui e ali, virgens atiravam-lhes flores.
 
Nós caminhávamos de mãos dadas, com solenidade,
O ar lúgubre, negros, negros…
Mas dentro em nós era tudo claro e luminoso!
Nem a alegria estava ali, fora de nós.
A alegria estava em nós.
Era dentro de nós que estava a alegria,
— A profunda, a silenciosa alegria…

CARNAVAL
4 de março de 2011

carnaval:
 
um lado, insólito, um lado, incomum, inusitado, original: no carnaval, pessoas se fantasiam das mais variadas coisas, e dão asas a algumas das suas fantasias, outro lado, químico: muitos aditivos compõem os olhares & cenários da festa: ácido, êxtase, lança, álcool.
 
carnaval:
 
um lado, lírico, um lado, poético, inspirador (lembrar que a ele, ao carnaval, o poeta manuel bandeira dedicou um livro seu), outro lado, histórico (festa popular amplamente estudada, com fatos & enredos documentados sobre sua história. exemplo: a grande volta da vizinha faladeira, escola de samba carioca muito antiga. o fato é que a história desta é feita de lenda, e que a lenda acabou como história — história deliciosa).
 
carnaval:
 
um lado, físico, um lado, material, lado-matéria, um lado-peso, corporal, de corpos & fantasias & adereços, outro lado, extático — de corpos & delícias sensoriais, de beijos, de sarros, de flertes, de corpos entregues à música, entregues ao samba, entregues à nota errada.
 
a nota errada: pois que errar nada mais é do que caminhar, pois que errar nada mais é do que seguir a ressoar.
 
e o sambnista de valor segue nascendo o seu samba: mais simples, mais alegre, mais bonito, nasce, então, um samba na madrugada, rompendo do infinito, como a noite.
 
e, logo, muita gente ali por perto percebe, em sua letra, o céu sempre enluarado, mesmo com o céu encoberto que se avista a olhos nus. toda a gente percebe que no céu da música a lua brilha muito, e além, muito além, do céu nublado que é avistado a olhos nus.
 
deste jeito, o que o samba faz brilhar não é a lua no céu da música. o que o samba faz brilhar  é a gente que o escuta, extática, fazendo a noite (sem lua) mais bonita. 
 
carnaval:
 
um lado, crítico, lado de avaliação, lado de apreciação, lado que pensa criticamente a festa, outro lado, mágico, lúdico, lírico, poético.
 
o carnaval é como um transe lógico, é como um transe coerente, transe sensato, arrazoado, pois que a tônica do carnaval é o “alegrar-se inúmeros” por quatro dias, é o benfazejo, ilimitado, por quatro dias. assim como indagou o compositor & cantor djavan num de seus versos, indago eu: ademais, quem não quer ser feliz?
 
o carnaval é como um transe lógico, e a quarta-feira, o seu reflexo trágico: a quarta-feira de “cinzas”, quarta-feira de “tudo acabado”. o que era doce, acabou-se. o fim da fantasia. o fim da festa.
 
súmula do carnaval:
 
transe lógico que torna, que transforma, braços & pernas (com seus ossos, com seus músculos) em pernas & braços sem dono & sem sentido, em desatino, braços & pernas ensandecidos. em cada gesto, o extravasar contido. isto é: todo gesto abunda, todo gesto transborda, todo gesto é excesso — e dançar e cantar e dançar.
 
mas pensem também na bela imagem criada a partir da contradição que “extravasar contido” abriga.
 
aproveitem a folia momesca!
 
beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Aquém das retinas. autor: Mauricio Matos. editora: 7Letras.)
 
 
 
CARNAVAL
 
um lado insólito outro lado químico
um lado místico outro lado ácido
um lado atômico outro lado esfíngico
um lado físico outro lado extático
 
um lado lírico outro lado histórico
um lado crítico outro lado mágico
o carnaval é como um transe lógico
e a quarta-feira o seu reflexo trágico
 
tíbias cérebros crânios rádios e úmeros
braços pernas sem dono e sem sentido
por quatro dias no alegrar-se inúmeros
em cada gesto o extravasar contido
 
 
 
SANTO CRISTO, DÉCADA DE 1930    aos carnavais de Joãozinho Trinta
 
seguem-se estrofes-testemunho de mim mesmo
para contar em versos brancos e tercetos
a grande volta da Vizinha Faladeira.
 
eu terminava a faculdade, e o carnaval,
paixão de infância, conduzia-me à pesquisa
do que ninguém teria ao certo como fato,
 
e consultando um velho livro descobri
que relegada ao esquecimento estava escrita
a breve história de uma escola muito antiga:
 
a campeã do carnaval de trinta e sete,
em trinta e nove veio a ser eliminada
em conseqüência de um enredo alternativo.
 
dizia o livro que a escola, em represália,
faria então desfile ainda mais bonito
para por trás dos julgadores desfilar.
 
segui pesquisa, e nos jornais de outrora agora
li no silêncio que os malandros portuários
falaram tanto que a história então se fez.
 
entrevistando quem do tempo inda era vivo,
eu descobri que o livro fez da lenda história
e que era a história, como lenda, mais bonita.
 
era mais rica que as outras, pois contava
com os subsídios de fortunas sem registro:
contrabandistas, prostitutas, deputados,
 
que contrataram os cenógrafos Garrido
para fazer o carnaval de Santo Cristo
maior que os outros, mais bonito, mais pensado.
 
mas só depois de dar a volta júri afora
foi que a Vizinha, conduzida por malandros,
gravou na história um fato nunca repetido.
 
por não dizer que a lenda é mais que o fato em si,
encerro agora meu relato-fantasia
dos que fizeram mais bonito o carnaval.
 
termino aqui pois falha ou finda o versejar:
quem mais quiser saber procure-me e direi
o quanto sei, que ainda há muito por contar.
 
 
 
A NOTA ERRADA
 
A nota mais aguda, em tom menor,
de um samba, que atravessa a madrugada,
ressoa, qual se fosse a nota errada,
num êxtase de seu executor.
 
Mas logo há de voltar, recompassada,
nos dedos do sambista de valor,
a música difícil de compor,
a letra simplesmente complicada.
 
Depois da execução, estala os dedos,
perscruta a imensidão dos seus segredos
e segue a ressoar… a nota errada.
 
Mais simples, mais alegre, mais bonito,
rompendo, como a noite, do infinito,
um samba nasce então na madrugada…
 
E logo muita gente, ali por perto,
percebe um samba novo e bem versado,
que diz coisas de um céu enluarado,
enquanto o céu parece inda encoberto.
 
E a gente, ouvindo o samba dedilhado,
percebe em sua letra que, por certo,
a lua brilha sempre, num concerto,
além, mas muito além, do céu nublado.
 
E os olhos, que o sambista traz fechados,
procuram, nos seus próprios dedilhados,
a lua, além das nuvens, infinita…
 
Contudo, abrindo os olhos, vê que brilha
a gente, ouvindo as notas que dedilha…
E o samba faz a noite mais bonita…

AVISO AOS NAVEGANTES – RECESSO DE CARNAVAL
12 de fevereiro de 2010

senhores,
 
devido à folia momesca que invade o meu brasil varonil de norte a sul, este espaço entra em recesso até a quarta-feira de cinzas.
 
aproveitarei um tanto da festa já que, como bem escreveu marcelo camelo, todo carnaval tem seu fim.
 
e, pensando nesse fim, lembrei-me de um poema-canção que adoro, onde uma mulher desatina e desaceita o término da falsa vida da avenida, desatina e desaceita os despojos da fantasia.
 
deixo os versos aqui, à apreciação de todos.
 
beijo grande!
divirtam-se! (ou aproveitem para descansar!)
o preto,
paulo sabino / paulinho.
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(do livro: Tantas Palavras. autor: Chico Buarque. editora: Companhia das Letras.)
 
 
ELA DESATINOU
 
Ela desatinou
Viu chegar quarta-feira
Acabar brincadeira
Bandeiras se desmanchando
E ela inda está sambando
 
Ela desatinou
Viu morrer alegrias
Rasgar fantasias
Os dias sem sol raiando
E ela inda está sambando
 
Ela não vê que toda gente
Já está sofrendo normalmente
Toda a cidade anda esquecida
Da falsa vida da avenida onde
 
Ela desatinou
Viu morrer alegrias
Rasgar fantasias
Os dias sem sol raiando
E ela inda está sambando
 
Quem não inveja a infeliz
Feliz no seu mundo de cetim
Assim debochando
Da dor, do pecado
Do tempo perdido
Do jogo acabado
 
Ela desatinou
Viu morrer alegrias
Rasgar fantasias
Os dias sem sol raiando
E ela inda está sambando