A FOGUÊRA DE SÃO JOÃO — SARAU DE ANIVERSÁRIO
22 de junho de 2015

Sarau Largo das Neves_PEmP

São João_Fogueira
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Um convite a TODOS:

Para a 4ª edição do SARAU DO LARGO DAS NEVES, em SANTA TERESA (Rio de Janeiro), em frente ao BAR ALQUIMIA (percebe-se o bar pela movimentação das pessoas no largo), na quinta-feira dia 25 DE JUNHO, concentração às 19h, comemorando os 39 aninhos que completo no dia anterior ao do sarau, dia de são João Xangô menino, 24 de junho — viva são João! viva o milho verde! viva a refazenda!

(Vai ter bolo para o parabéns!)

Justamente por ser um sarau à época dos festejos juninos, preparei uma seleção, para a abertura do sarau, toda voltada ao são João, aos festejos em nome do santo. Abro com 6 autores: Patativa do Assaré; Décio Valente; Waly Salomão; Cecília Meireles; Noel Rosa; Roque Ferreira. 6 poemas todos com a temática do são João. Para o decorrer do evento, separei alguns outros poemas que ampliam a temática da festa para a sua ambiência: o interior, a roça, a vida simples & ordinária, ao mesmo tempo riquíssima & sofisticada, do campo: Thiago de Mello, Manoel de Barros, Cora Coralina, Adélia Prado, Manuel Bandeira, Paulo César Pinheiro, e mais o que pintar!

Queridos, saliento o fato de que NÃO SE TRATA de um sarau TEMÁTICO. NÃO. Estou me propondo a questão de recitar poemas juninos & de temática interiorana — para a abertura & algumas costuras no decorrer da noite — mas isso, de maneira nenhuma, é OBRIGATÓRIO para participar das leituras. O sarau continua aberto a TODO & QUALQUER TEMA. Sei que todos nós temos cotidianos agitados, cotidianos por vezes (inúmeras!) apressados, então não quero ninguém catando, feito louco, poemas de são João ou com temas do interior. Pelamor! Vamos relaxar, minha gente! Estamos aqui, antes de tudo & qualquer coisa, para GOZAR & SER FELIZ! Então: se quiser levar, se quiser procurar, se tiver em casa, se se lembrar, ótimo, venha com seus versos juninos e/ou interioranos. Se não quiser, não tiver, não lembrar, ótimo também, traga os versos de amor, de amizade, de solidariedade, de humor, de protesto, enfim, versos são sempre BEM-VINDOS!

A idéia, desta vez, é o sarau literalmente na praça do largo, pegando, emprestada, a energia do bar Alquimia, comandado pela querida amiga Denise Cunha, para o microfone & a caixa de som. Sairmos do bar & invadirmos a praça: com amor no coração, preparamos a invasão!

O sarau é organizado por mim & por uma turma de amigos imprescindível, que faz a coisa acontecer da maneira mais delicada & generosa! Obrigadíssimo, turma amada & idolatrada (salve salve!), por existir na minha vida!

No mais, o mesmo de sempre: vamos com a nossa alegria, o nosso sorriso, os nossos versos, a nossa vontade de ser feliz!

Recapitulando:

Sarau no largo das Neves (na frente do bar Alquimia), em Santa Teresa
Quinta-feira (25/06), a partir das 20h30
19h: concentração para uns drinques & um bate-papo animado
– Comemoração dos 39 aninhos deste que vos escreve

Poeme-se!
Eu & a turma organizadora aguardamos vocês!

Ilustrando esta publicação, deixo um poema, comovido, delicado, que integra a minha seleção para o sarau, sobre a noite alegre & rica, o lindo festejo & o santo sertanejo.

Beijo todos!
Paulo Sabino.

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(do livro: Melhores poemas. seleção: Cláudio Portella. autor: Patativa do Assaré. editora: Global.)

 

 

A FOGUÊRA DE SÃO JOÃO

 

Meu São João, meu São Joãozinho!
Quanto amô, quanto carinho,
Quanto afiado e padrinho
Nesta terra brasilêra
Não tem a gente arranjado,
No quilaro abençoado,
Tão belo e tão respeitado,
Da sua foguêra.

Meu querido e nobre santo,
Que a gente qué e ama tanto,
Sua foguêra é o encanto
Da gente do meu sertão.
Não pode sê carculada
A porva que vai queimada
Nessas noite festejada
Da foguêra de São João.

Quantos véio bacamarte
Virge, que nunca fez arte,
Não tão guardado de parte,
Com amô e devoção,
Mode o povo sertanejo
Com eles fazê trovejo,
No mais alegre festejo
Da foguêra de São João!

Pois quarqué arma ferina,
Bacamarte ou lazarina,
Já criminosa, assarsina,
Como é a do caçadô,
Não tem a capacidade
De atirá com liberdade
Na santa quilaridade
Desta foguêra de amô.

Meu São João! Meu bom São João!
Santo do meu coração,
Repare e preste tenção
Quanto é lindo o seu festejo.
Repare lá do infinito
Como isto tudo é bonito,
Sempre digo e tenho dito
Que o senhor é sertanejo!

O homem pode sê ruim
E tê mardade sem fim,
Vivê da intriga e moitim,
Socado na perdição,
Mas a farta mais grossêra,
Mais e feia e mais agorêra,
É de quem não faz foguêra
Na noite de São João.

No mundo tem tanta gente
Véia, já quage demente,
Que não sente o que nós sente
E desfruita por aqui,
Gente sem gosto e sem sorte,
Que já vai perto da morte,
Sem vê um São João do Norte,
Nas terras deste Brasí.

Quem veve lá na cidade
Não conhece de verdade
A maió felicidade,
Três cabôco empareiado,
Com seus bacamarte armado
Dá três tiro encarriado:
— Pei! Pei! Pei! Viva São João!

E o foguete e o buscapé,
E o traque faz rapapé,
Arvoroçando as muié,
Quando elas vai sê madrinha,
E a contente criançada,
Na mais doce gargaiada,
Vai puxando uma toada,
Brincando de cirandinha.

Nesta noite alegre e rica
O prazê se mutiprica,
Na latada de oiticida
Tudo dança com despacho.
O véio Jirome Guéde,
Que sacrifiço não mede,
Toca o que o povo lhe pede
Numa armonca de oito baxo.

Meu São João! Meu bom São João!
Chuvinha, tiro e balão
Nós lhe manda do sertão,
Do nosso grande país,
Damo viva a toda hora
Quando o bacamarte estora,
Dos santo lá da Gulora
O senhô é o mais feliz!

A cinza santa e sagrada
De sua foguêra amada,
Com fé no peito guardada
Quem tira um pôquinho dela
Despois que se apaga a brasa
E bota em roda da casa,
Na vida nunca se atrasa,
Se defende das mazela.

É tão grande, é tão imensa
A minha fé e minha crença,
Que se Deus me dé licença,
Quando eu morrê, vou levá
Grosso fêcho de madêra
De angico e de catinguêra,
Pra fazê uma foguêra
Lá no céu, quando eu chegá.

NO “FLA X FLU”, POESIA: A CASA QUE NÃO É MINHA
22 de outubro de 2014

Chave & Fechadura

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a vida, impreterivelmente, é feita de escolhas.

a fim de alcançar determinado objetivo, muitas vezes, algumas outras possibilidades, possibilidades de outros tantos caminhos, têm de ser deixadas para trás.

escolher é viver. o tempo inteiro, na vida, somos expostos a escolhas, aceitemos ou não. porém, as escolhas, em muitos casos, são inteiramente dispensáveis.

nos casos em que as escolhas são inteiramente dispensáveis & que, mesmo assim, escolhemos, podemos criar, ainda que sem intenção, verdadeiras disputas futebolísticas entre as coisas, onde nos obrigamos a escolher uma delas como quando escolhemos um time de futebol — flamengo OU fluminense — para vibrar & torcer & se emocionar.

determinadas questões não carecem de escolhas.

para determinadas questões, escolhas erguem muros espessos no caminho.

ao meu olhar, as belezas dispostas no mundo não carecem de escolhas. ao meu olhar, as belezas dispostas no mundo nasceram para serem complementares & não excludentes.

costumo dizer isto aqui sempre: a existência é um grande barato pela variedade de belezas que apresenta: variedade de bichos, de plantas, de mares, de rios, de rochas, de cores, de sons, de cheiros, de pessoas.

não seria diferente com as artes: com a arte da palavra, com a arte da música, com a arte do esporte.

portanto, por que escolher:

drummond ou joão cabral? chico ou caetano? anderson silva ou minotauro?

pepê ou rico de souza (dois grandes surfistas brasileiros)? mário de andrade ou oswald de andrade?

pepeu gomes ou armandinho (dois exímios guitarristas)? selton mello ou wagner moura? cartola ou nelson cavaquinho?

nelson piquet ou ayrton senna? clarice lispector ou cecília meireles? paula ou hortênsia (duas feras do basquete)?

mônica ou cebolinha? titãs ou os paralamas do sucesso? joão gilberto ou tom jobim? chacrinha ou sílvio santos? maysa ou elis regina?

antonio cicero ou waly salomão? renato russo ou cazuza? mundo livre s.a. ou nação zumbi?

determinadas questões não carecem de escolhas.

para determinadas questões, escolhas erguem muros espessos no caminho.

ao meu olhar, as belezas dispostas no mundo não carecem de escolhas. ao meu olhar, as belezas dispostas no mundo nasceram para serem complementares & não excludentes.

assim como, na vida, algumas coisas se tratam de escolhas, outras coisas, não; há aquelas para as quais não há o poder de escolha, não há opção: trata-se de sina ou maldição, não se pode afirmar ao certo o que seja.

não fui eu quem escolhi a poesia, não fui eu quem optei por ela. foi a poesia quem me escolheu, foi a poesia quem optou por mim. porque não está nas minhas mãos o poder de decidir quando adentrar a casa da poesia. é a poesia quem escolhe a hora da visita do poeta. não é o poeta o responsável pela decisão.

desse modo, a casa da poesia, essa casa não é minha: a casa da poesia pertence somente à poesia.

minha chave, a chave da minha casa, não serve à casa da poesia, não cabe em sua casa. desconheço a fechadura, desconheço o dispositivo de destrancar a sua porta, e, conseqüentemente, desconheço a metragem, o tamanho, da sua sala (até porque a sala de estar muda de metragem, altera de tamanho, a cada visita realizada).

tudo me é estranho, tudo me é diferente, tudo me é irreconhecível, na casa da poesia.

a cada visita, uma nova casa, uma grande surpresa: nunca se sabe o que encontrar na casa: metragem desconhecida, o teto que nada me diz, o ar estranho da cozinha, o quarto que não é meu, a cama em que nunca dormi, um ambiente que causa certo desconforto — não é certamente confortável estar entre as paredes da casa poética, sem saber se tal construção lírica é segura ou se pode desabar a qualquer momento.

essa casa não é minha.

ser poeta não é opção: é sina ou é maldição.

às coisas que não se tratam de sina, de maldição, nem de escolhas (como quando escolhemos um time de futebol — flamengo OU fluminense — para vibrar & torcer & se emocionar), abrigá-las todas dentro da morada do ser: a existência é um grande barato pela variedade de belezas que apresenta: variedade de bichos, de plantas, de mares, de rios, de rochas, de cores, de sons, de cheiros, de pessoas.

aproveitemos todas!

beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: A sombra do faquir. autor: Mauro Sta. Cecília. editora: 7Letras.)

 

 

FLA X FLU

 

Drummond ou João Cabral
Caetano ou Chico
Anderson Silva ou Minotauro
Pepê ou Rico

Mário ou Oswald
Pepeu ou Armandinho
Selton ou Wagner
Cartola ou Nelson Cavaquinho

Piquet ou Senna
Clarice ou Cecília
Paula ou Hortênsia
Mônica ou Cebolinha

Titãs ou Paralamas
João Gilberto ou Tom Jobim
Chacrinha ou Sílvio Santos
Maysa ou Elis

FHC ou Lula
Antonio Cicero ou Waly
Renato Russo ou Cazuza
Mundo Livre ou Nação Zumbi.

Escolhas erguem muros espessos no caminho.

 

 

ESSA CASA NÃO É MINHA

 

Minha chave aqui não cabe
desconheço a fechadura
e a metragem desta sala.
O teto não me diz nada
o ar da cozinha é estranho.
Claro que não é o meu quarto
onde me deparo agora.
Nunca dormi nesta cama,
nem me sinto bem aqui
depois de todos esses anos.

Ser poeta não é opção
é sina ou é maldição.

O MENINO AZUL
27 de março de 2014

O Menino Azul

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o menino azul que me habita o peito, cansado dos desmandos & injustiças cometidos por aqueles que se consideram os donos do poder (político, econômico, de informação), sufocado pelas dores & dissabores causados por aqueles que se consideram os donos do poder (político, econômico, de informação), o menino quer um burrinho para passear. um burrinho manso, que não corra nem pule, mas que saiba conversar.

o menino azul que me habita o peito quer um burrinho que saiba dizer o nome dos rios, das montanhas, das flores — de tudo o que aparecer.

o menino azul que me habita o peito quer um burrinho que saiba inventar histórias bonitas, com pessoas & bichos & com barquinhos no mar.

e os dois, o menino azul que me habita o peito & o seu burrinho, sairão pelo mundo, que é como um jardim, apenas mais largo & talvez mais comprido & que não tenha fim.

quem souber de um burrinho desses, pode escrever à rua das casas, número das portas, carta endereçada ao menino azul que não sabe ler.

o menino azul que me habita o peito não sabe ler, sabe somente sentir.

o menino azul que me habita o peito tem apenas duas mãos & o sentimento do mundo.

beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Poesia completa — volume II. autora: Cecília Meireles. organização: Antonio Carlos Secchin. editora: Nova Fronteira.)

 

 

O MENINO AZUL

 

O menino quer um burrinho
para passear.
Um burrinho manso,
que não corra nem pule,
mas que saiba conversar.

O menino quer um burrinho
que saiba dizer
o nome dos rios,
das montanhas, das flores
— de tudo o que aparecer.

O menino quer um burrinho
que saiba inventar
histórias bonitas
com pessoas e bichos
e com barquinhos no mar.

E os dois sairão pelo mundo
que é como um jardim
apenas mais largo
e talvez mais comprido
e que não tenha fim.

(Quem souber de um burrinho desses,
pode escrever
para a Rua das Casas,
Número das Portas,
ao Menino Azul que não sabe ler.)

 

O ESTUDANTE EMPÍRICO: CONTEMPLA O MUNDO & A NOITE
27 de setembro de 2011

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eu, estudante empírico, estudante que experimenta & observa, fecho o livro. e contemplo.
 
a contemplação, a observação, do entorno, daquilo onde somos & estamos.
 
a história humana nos mostra que o conhecimento é fruto da observação & experimentação do mundo.
 
eis o globo: o planisfério terrestre, o planisfério celeste, o horizonte, redondo, a ilusão dos firmamentos (dos céus, do que enxergamos deles aqui da terra), a ilusão dos firmamentos (de tudo aquilo que usamos de sustentação, de fundamento, alicerce, aos nossos conhecimentos), e a nossa existência, em meio a tudo…
 
eis o compasso, o esquadro, que traçam, projetam, linhas & desenhos, caminhos exatos, eis a balança, eis a pirâmide, o cone, o cilindro, o cubo, eis o peso, a forma, o volume, a proporção, as equivalências, das coisas no mundo.
 
e o nosso itinerário, sem régua, compasso ou esquadro, caminhos inexatos, sem uma forma precisa, sem que saibamos ao certo muitas coisas no mundo.
 
saem os mistérios das suas caixas: desenrola-se o mapa do esqueleto, com os ossos & seus nomes; o mapa do corpo, com suas veias & artérias, vasos que se ramificam e formam tipos de galhos, árvores, e o sangue, de cor azul na página, desenhando sua floresta; o mapa do corpo, com seus órgãos diversos & suas funções diferenciadas, além de enigmáticas: os órgãos são como esfinges certeiras, e certeiras porque, ainda que enigmáticas, cumprem o seu trabalho em prol do funcionamento harmônico do organismo.
 
hoje, os dinossauros são carros de triunfo, enormes, pesados, suntuosos, reduzidos à armação (ao esqueleto). enquanto isso, no olho profundo do microscópio, a célula se anuncia, e anuncia a vida, o início, alfa, o surgimento.
 
e o nosso destino…
 
(será que, um dia, o mesmo destino dos dinossauros? será que, um dia, a humanidade reduzida à sua armação?…)
 
o professor escreve no quadro: alfa & ômega.
 
alfa & ômega: respectivamente, a primeira & a última letras do alfabeto grego clássico, letras que, simbolicamente, representam o princípio & o fim, isto é, a totalidade das coisas, a sua durabilidade.
 
o todo. o eterno.
 
alfa & ômega: o cristianismo associa a figura de jesus às letras gregas, simbolizando a eternidade de cristo, que: está no começo de tudo (alfa) & tudo acompanha, até o fim do mundo (ômega).
 
alfa & ômega: o todo. o eterno. o universo.
 
a luz de sírius, estrela mais brilhante no céu, ainda lança, com seu brilho & as histórias sobre seu brilho, escadas em contínua cascata.
 
lentamente, subo (as escadas lançadas por sírius), fecho os olhos e lanço-me no espaço & na sua imensa escuridão, onde cabem todos os mistérios do universo, e sonho saber o que não se sabe simplesmente acordado.
 
simplesmente acordado, e atento, não basta para saber o que não se sabe.
 
o mundo fala uma língua muda, que a nada responde:
 
o alfa (o princípio) & o ômega (o fim): de onde? para onde? a que propósito? com que finalidade? alguma? será?
 
silêncio…
 
grande aula, a do silêncio.
 
ensina-nos a ver de longe a vida, sem interrogá-la.
 
(a resposta está além dos deuses: https://prosaempoema.wordpress.com/2011/06/21/aniversario-35-primaveras/.)
 
assim como a do silêncio,
 
grande aula, a da noite.
 
a noite: uma escuridão tão envolvente, parece um exercício de morte:
 
tudo vai desaparecendo (sem a luz artificial para clareá-la). desaparecemos dos outros, e desaparecemos de nós.
 
a noite: a escuridão: o sono que nos assalta e que, como a noite, nos envolve num exercício de morte.
 
o sono é um tipo de noite que nos assalta & envolve.
 
apenas respiramos. basta cortar esse último fio, fio que nos mantém conectados, fio da respiração, e o tear que somos (tantas as tramas urdidas com os fios da existência) se imobiliza.
 
a noite esconde a terra, o céu, a casa, os rostos dos senhores.
 
quando de noite, quando no sono, em que entranha me animo? onde se enrola o novelo da minha memória, em que cofre fica trancafiado?…
 
(nossas asas estão docemente fechadas e nossos olhos moram no pensamento, longe da realidade mundana que os circunda.)
 
cada um tem a sua noite. cada coisa.
 
o dia é um bailarino com sinos & espelhos: a dançar, chamando a atenção de todos para si, balançando os sinos para alardear-se, e refletindo a vida viva, em todos os cantos, nos seus espelhos.
 
de repente: acordamos. de repente: interrompemos a treva onde aprendíamos, com os sonhos, lembranças; e somos, de repente, uns falsos acordados, porque, ainda que acordados, continuamos a sonhar, fincamos pés no reino das ilusões.
 
a vida: um palco de ilusões sobrepostas.
 
que, nesse palco, saibamos bem representar os papéis que nos cabem, e que tais papéis nos levem, sempre, ao encontro de um feliz final.
 
beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Poesia completa — volume II. autora: Cecília Meireles. organização: Antonio Carlos Secchin. editora: Nova Fronteira.)
 
 
 
O ESTUDANTE EMPÍRICO
 
 
Eu, estudante empírico,
fecho o livro e contemplo.
 
Eis o globo, o planisfério terrestre,
o planisfério celeste,
o redondo horizonte, a ilusão dos firmamentos.
 
E a nossa existência.
 
Eis o compasso, o esquadro,
a balança, a pirâmide, 
o cone, o cilindro, o cubo,
o peso, a forma, a proporção, as equivalências.
 
E o nosso itinerário.
 
Saem das suas caixas os mistérios:
desenrola-se o mapa dos ossos, com seus nomes;
o sangue desenha sua floresta azul;
cada órgão cumpre um trabalho enigmático:
estamos repletos de esfinges certeiras.
 
E o nosso corpo.
 
E os dinossauros são como carros de triunfo,
reduzidos à armação;
e no olho profundo do microscópio
a célula se anuncia.
 
E o nosso destino.
 
O professor escreve no quadro o Alfa e o Ômega.
 
A luz de Sírius ainda lança escadas em contínua cascata.
E lentamente subo e fecho os olhos
e sonho saber o que não se sabe
simplesmente acordado.
 
Grande aula, a do silêncio.
 
 
 
A NOITE
 
 
A noite é essa escuridão tão envolvente
que parece um exercício de morte:
assim vai desaparecendo tudo,
assim desaparecemos dos outros
e de nós.
 
Apenas respiramos.
Podem cortar esse último fio
— e o tear que somos se imobiliza.
 
A noite esconde a terra, o céu, a casa,
os vossos rostos.
 
Estou novamente dentro de uma entranha?
Humana? Cósmica? Em que entranha me aninho,
onde se enrola o novelo da minha memória,
em que cofre, na escuridão?
 
Nossas asas estão docemente fechadas
e nossos olhos moram no pensamento.
 
Cada um tem a sua noite.
Cada coisa.
E tudo está na sua noite,
enquanto é noite.
 
O dia é um bailarino com sinos e espelhos.
 
Interrompemos a treva onde aprendíamos lembranças;
e somos de repente uns falsos acordados.

CONFISSÃO
24 de setembro de 2010

a vocês,
 
belíssima confissão poética, onde o meu (talentosíssimo) poeta das alagoas, adriano nunes, mostra que as diferenças podem & devem ser complementárias, inda mais se tratando de poesia.
 
uma coisa que não canso de proferir (digo & repito aos quatro ventos) é que:
 
belezas não nasceram para exclusão, nasceram para complementaridade
 
sinto que a poesia, os poetas e os leitores só têm a ganhar com as singularidades de cada voz poética.
 
percebo que me torno melhor sendo o eco de tantas vozes divergentes; acumulo saberes.
 
detesto enquadramentos. 
abomino rótulos.
não suporto classificações. 
 
sinto-me fora de tudo: fora de esquadro, fora de foco, fora do centro. o trabalho que desempenho não tem nome, não pede enquadramento, rótulo ou classificação.
 
por isso absorvo tantos vates, sem pré-conceitos. acima de tudo, o que busco é autenticidade. e a autenticidade, senhores, pode ser encontrada em qualquer livro-ambiente. basta o ser: autêntico. 
 
essa “libertinagem literária” (rs), que apoio inquestionavelmente, está presente nas linhas que seguem.
 
nos versos, o poeta revela ao leitor algumas importantes influências literárias suas, as mais díspares (e eu ADORO!):
 
engole ferreira gullar, dorme com carlos drummond, e, tamanha “libertinagem” (rs), é uma pessoa ligada em pessoa (no fernando) e, como o bardo português, repleto de pessoas na pessoa.
 
e continua poemafora:
 
andando a pé (o pé com a dor), pecador de ofício, segue dando bandeira ao lado do manuel. na visão, dois campos (o augusto e o haroldo). na razão, os mil anjos de rilke. às quintas, mário quintana & sua companhia.
 
(uma pausa para verificações: que sabe mais o poeta de si se tudo o que de si sabe está envolto em poesia?) 
 
prossegue, fazendo um divertido jogo poético com a gênese que resultou no que hoje denominamos “brasil”: citação ao descobridor do país, pedro álvares cabral, que, nos versos, acaba por ser descoberto (rs), ao responsável pelo primeiro texto literário de que se tem notícia em terras brasileiras, que é a carta de pero vaz de caminha (famoso escrivão da esquadra de pedro álvares cabral), na qual descreve o seu deslumbramento ante o mundo novo que se descortinava ao seu olhar, e citação ao padre antônio vieira, jesuíta que viveu no brasil no século 17, famoso por seus satíricos sermões contra determinadas práticas da sua época, sermões de suma relevância para a literatura barroca brasileira & portuguesa. 
 
de repente as linhas dão um salto para os modernos: e waly sailormoon?, onde está o navegante luarento? e adélia, será que junto ao seu: prado? e piva, o roberto, o poeta de paranóias da paulicéia desvairada, cadê?
 
são tantos os responsáveis pelo emaranhado de versos… a quem dedicá-los? a circe, a “feiticeira das odisséias”?, ou a cecília, a “poeta das canções”?   
 
ao final, a constatação de que ficam muitos (tantos & tantos & tantos outros) poetas apenas no pensamento e na intenção, à margem desta confissão, e a ressalva, confessando ao último mestre citado, o grande paulo leminski, que lamenta por todos os outros não citados.
 
toda homenagem é um tanto “desfalcada”, um tanto “incompleta”, deixa sempre algo de fora. porém, o fato de deixar, sempre, algo de fora não a torna menos bonita, delicada & inspiradora.  
 
deliciem-se com esta belíssima confissão, ventada das alagoas e devidamente pousada neste espaço!
 
beijo em todos!
um outro, especialíssimo, no meu querido poeta adriano nunes!   
 
o preto,
paulo sabino / paulinho. 
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(do blogue: QUEFAÇOCOMOQUENÃOFAÇO. de: Adriano Nunes.)
 
 
CONFISSÃO  (autor: Adriano Nunes)
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engulo gullar
durmo com drummond
sou uma pessoa
ando muito a pé
pecador de ofício
dou tanta bandeira
na visão, dois campos
na razão, mil anjos
às quintas, quintana
que sei mais de mim?
descubro cabral
conto pra caminha
confesso a vieira
onde está waly?
no ar? nos túneis? nada!
eu, nunca? nem ela,
minha piva, adélia.
pra circe ou cecília?
os outros, os outros…
lamento, leminski!

O SI-MESMO: VIDÁGUA, E NADA
1 de abril de 2010

seres humanos:
 
tão pequenos, tão insignificantes ante o mundo — “não somos mais que uma piada de deus”, que “um breve pulsar” —, e, no entanto, entre tanto, entre tantas coisas, um universo onde cabe um bocado de “apetrechos”, cabe tanto que é preciso de um basta, de um fim, do silêncio eterno & profundo.
 
o assunto sobre o qual tratamos é sempre o mesmo, isto é, sempre o mesmo papo porque sempre tratamos, no fim das contas, do “si-mesmo” (ciente de que o mundo, de que o entorno, não passa de uma interpretação pessoal, única, interpretação intransferível; o olhar, este pequeno planeta, como escreveu cecília meireles, antes, transcodifica tudo & todos).  
 
uma piada de deus. um breve pulsar. um ponto. um fragmento. um quase nada (a nossa existência). todavia, um universo que se basta, que nos é, em sua pequenez, um colosso (e como! e tanto!).
 
por tanto, entre tanto(s),
 
nunca não ser ninguém nem nada. continuamente “alguém”, constantemente algo onde lançamos o olhar e onde reconhecemos (em parte) o avistado.
 
porém,
 
contudo, 
 
deixar a vida (es)correr um tanto por suas força & vontade próprias. deixar que a vida tome a direção. deixar que ela nos navegue.
 
(es)correr através da “vidágua”, (sor)vendo o líquido que corre. ou seja: beber sua água enquanto é tempo.
 
para, depois,
 
nada. para, depois de deixar-se levar, depois que a vida comandou o “barco”, (re)tomar o leme e nadar para onde desejar seguir, para onde insistir aportar, para onde carecer singrar. (e sangrar.)
 
e agora: basta.
 
a vocês, estes dois lindíssimos poemas do ad–mirado: paulo henriques britto.
 
beijo grande!
o preto,
paulo sabino / paulinho.
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(do livro: Macau. do capítulo: Três tercinas. autor: Paulo Henriques Britto. editora: Companhia das Letras.)
 
 
I
 
Para o que se quer, isto basta.
Parece pouco. E é pouco, mesmo,
é um quase nada. E no entanto
 
cabe um bocado, cabe tanto
que é até preciso dar um basta.
Quanto ao assunto — o si-mesmo —
 
é invariavelmente o mesmo.
Um ponto. Um fragmento. Entretanto
é um universo que se basta —
 
e como! e tanto! — a si mesmo.
E agora basta.
 
 
III
 
Nunca não ser ninguém nem nada,
porém deixar-se estar no tempo
como se a vida fosse água,
 
como quem bóia à flor da água
sem rumo, sem remo, sem nada
além de sono, tédio e tempo,
 
senhor de todo o espaço e o tempo,
munido só de pão e água
e, sem precisar de mais nada,
 
beber sua água enquanto é tempo.
E, depois, nada.

MAPA DE ANATOMIA: O OLHO
24 de março de 2010

pessoas,
 
o poema que segue possui, na minha modesta opinião, um dos versos mais lindos do mundo (rs).
 
assim que o conheci, o poema, lia-o incansavelmente, em voz alta, e, muitas vezes, emocionava-me ao dizer o verso que, no meu humilde julgamento, como dito, é um dos mais belos do mundo. ei-lo:
 
O Olho é um teatro por dentro.
 
o achado poético provém da exuberante, da magistral: cecília meireles.
 
a poesia foi lançada no seu livro “o estudante empírico”, que reúne uma safra de textos escritos entre os anos de 1959 e 1964.
 
aqui, a poeta traça o que intitula de “mapa da anatomia”, um tipo de representação gráfica de um órgão que, segundo cecília, é uma espécie de pequeno planeta, de pequeno globo, o globo ocular: o olho. nas linhas, o status adquirido de “astro” é verificado no modo de escrevê-lo, sempre com letra maiúscula: o Olho.  
 
a partir daí, a descrição de tal estrela: o olho é uma espécie de pequeno planeta com pinturas do lado de fora. é como um aquário às avessas, um aquário onde o que é abrigado não está contido dentro, mas fora, na parte externa ao aquário — a paisagem que nos cerca, o mundo —. pinturas do lado de fora as mais variadas: azuis, verdes, amarelas, pinturas tropicais, pinturas compostas com as cores da bandeira brasileira, retratos de algas, sargaços, miniaturas marinhas, areias, rochas, naufrágios, peixes. 
 
no entanto, esclarece a poeta: por dentro desse aquário também há pinturas, porém pinturas de outra natureza, as que não podem ser avistadas: umas são as imagens do mundo, as interpretações nossas acerca do entorno; outras são inventadas: sonhos, desejos, insanidades.
 
(a percepção de que tudo o que habita este “planeta ocular” passa, sempre & antes, por uma interpretação, por um julgamento, por uma apreciação crítica de quem vê.)
 
portanto: o olho é um teatro por dentro.
 
e como teatro, os atores, ou a falta deles, os cenários, ou a ausência destes, nas peças existenciais (onde somos os artistas principais), formam, inúmeras vezes, em inúmeros momentos, por inúmeras razões, lágrimas. coisas do teatro, desta realidade fantástica, desta realidade das fantasias que vestimos nas atuações nossas de cada dia (rs)…  
 
assim como eu, apreciem este texto (sem moderação).
 
vale a mirada.
 
beijo afetuoso em vocês.
paulo sabino / paulinho.
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(do livro: Poesia Completa Volume II. organização: Antonio Carlos Secchin. autora: Cecília Meireles. editora: Nova Fronteira.)
 
 
Mapa de anatomia: o Olho
 
O Olho é uma espécie de globo,
é um pequeno planeta
com pinturas do lado de fora.
Muitas pinturas:
azuis, verdes, amarelas.
É um globo brilhante:
parece de cristal,
é como um aquário com plantas
finamente desenhadas: algas, sargaços,
miniaturas marinhas, areias, rochas, naufrágios e peixes de ouro.
 
Mas por dentro há outras pinturas,
que não se vêem:
umas são imagens do mundo,
outras são inventadas.
 
O Olho é um teatro por dentro.
 
E às vezes, sejam atores, sejam cenas,
e às vezes, sejam imagens, sejam ausências,
formam, no Olho, lágrimas.

ÀS MULHERES
8 de março de 2010

Mulheres_PB
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o dia de hoje, 8 de março, é reservado internacionalmente a uma homenagem às mulheres. por essa razão, segue este poema-canção, lindíssimo, que se encaixa perfeitamente ao laurel proposto: versos que falam de mulheres, mais especificamente das mulheres do meu brasil varonil, porém possíveis de serem estendidos a todas as demais mulheres, debuxados por uma grande cantora & compositora & interpretados por outra grande companheira de profissão. eu, desde sempre, desde a minha mãe, desde as minhas tias, sou louco por mulheres, um grande fã. as que conheço & estão ao meu lado são habituadas a delicadezas. inteligentes, protetoras, perspicazes.

gosto muito de gente. gosto de escutar gente, de saber o que pensa, como anda. não seria diferente com as mulheres.

a elas, a capacidade não só de gerar, mas também de armazenar vida latente, vida pulsante. acho comovente mulher barriguda que vai ter menino.

à jurema, nely, joyce, maria, clarice, lya, lygia, marly, nélida, adélia, rachel, orides, cora, cecília, sophia, natália, florbela, cacilda, fernanda, marília, bibi, dolores, clara, gal, nana, rita, elis, elisa, alice, hilda, claudia, patrícia, zélia, e assim sucessivamente, em espiral vertiginosa: muitíssimo obrigado. por tanto, por tudo, agradeço a vocês, mulheres da minha trilha, irmãs porque a mãe natureza fez todas tão belas.

parir, gerar, criar: existir: eis a prova de destino tão valoroso.

a mulher brasileira, no alto a sua bandeira, saúda o povo & pede passagem!

que vocês, mulheres, de um modo bonito, de um modo delicado, conquistem o mundo!

um brinde a elas!

beijo todos!
paulo sabino.
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(do encarte do cd: Maria. artista: Maria Bethânia. autora dos versos: Joyce. gravadora: BMG Ariola.)

 

 

MULHERES DO BRASIL

 

No tempo em que a maçã foi inventada
Antes da pólvora, da roda e do jornal
A mulher passou a ser culpada
Pelos deslizes do pecado original
Guardiã de todas as virtudes
Santas e megeras, pecadoras e donzelas
Filhas de Maria ou deusas lá de Hollywood
São irmãs porque a Mãe Natureza fez todas tão belas
Tão belas
Ó Mãe, ó Mãe, ó Mãe
Nossa Mãe, abre teu colo generoso
Parir, gerar, criar e provar nosso destino valoroso
São donas de casa, professoras, bailarinas
Moças, operárias, prostitutas, meninas
Lá do breu das brumas vem chegando a bandeira
Saúda o povo e pede passagem a mulher brasileira
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(do site: Youtube. áudio extraído do álbum: Maria. artista & intérprete: Maria Bethânia. canção: Mulheres do Brasil. autora da canção: Joyce. gravadora: BMG Ariola.)

OFERENDAS
14 de outubro de 2009

bacanas,
 
oferendas a vocês.
 
oferendas a você, lola borges, minha (futura!) comadre benvinda, mulher queridíssima, de uma delicadeza forjada na seda e no algodão, que hoje, por ordenação do destino, tive o grande prazer de encontrar quando caminhava para o trabalho, e a você também, athos luiz, outra pessoa iluminada que sempre ouço com a máxima atenção, homem de sensibilidade ímpar, que encontrei também hoje, depois da lola, ao entrar no ônibus.
 
(as ordenações do destino… os caminhos lançados pela sorte…) 
 
ofereçam estas prendas, pessoas, a quem/ao que  as merecer.
 
beijo bom em todos!
o preto.
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(poemas extraídos do livro Cecília Meireles — Poesia Completa Volume I, organização: Antonio Carlos Secchin, editora: Nova Fronteira)
 
 
Oferenda
 
A Ti,
Ó sol do último céu,
Por quem sofre
Toda a imensa miséria
Da minha treva…
 
 
Poema da fascinação
 
Vou a Ti
Como quem vai,
Antes e depois da morte,
Para onde lhe ordena o Destino…
Vou a Ti,
Seguindo a luz dos teus olhos,
Subindo por ela,
Caminhando pelo teu olhar
Como por uma escadaria d’astros…
O teu vulto,
Lá em cima,
É um palácio branco, a atrair-me…
Quando chegarei,
Ó Eleito,
Diante de Ti?
Quando descerrarás
As tuas portas de luz,
Para receberes
Os lírios e as rosas odorantes
Que andei colhendo
Para te ofertar?
Não demores, não tardes,
Ó Eleito,
Que eu vou a Ti
Como quem vai,
Antes e depois da Morte,
Para onde lhe ordena o Destino…