comensais,
as poesias que seguem são frutos de um poeta cuja obra transpira delicadeza, sensibilidade e sofisticação. as linhas são de um lirismo à flor da pele, à flor da sua pena, ágil e certeira, ao manejar tão precisamente as palavras para a configuração de imagens tão apetecíveis.
desta quitanda, frutos da melhor qualidade postos a consumo d’alma. os olhos acesos ante a beleza e o sabor do poemalimento.
eis, aqui, algumas ofertas da quitanda do quintana.
fartem-se, convivas! estas frutas regulam o bom funcionamento da flora psíquica (rs).
(chico lobo, meu eterno GRANDE amigo, homem bonito e bacana, homem que me trouxe uma série de pessoas que se tornaram amigas e que desejo, e que carrego!, comigo para sempre, ser humano que marcou de modo enriquecedor a minha vida, tantas as belezas compartilhadas, isto é muito para você. para nós, como já bradou o seu xará buarque de hollanda, peço: luz! quero luz! tenha sempre em mente: para além das cortinas, palcos azuis, e, para além dos palcos azuis, infinitas cortinas com palcos atrás. beijo grande, meu lobo bom!)
outro enorme em todos vocês,
o preto,
paulo sabino / paulinho.
_________________________
(Todos os poemas de Mário Quintana. Dos livros: A Rua dos Cataventos; Canções; Sapato Florido; Espelho Mágico; editora: Globo)
III
Quando os meus olhos de manhã se abriram,
Fecharam-se de novo, deslumbrados:
Uns peixes, em reflexos doirados,
Voavam na luz: dentro da luz sumiram-se…
Rua em rua, acenderam-se os telhados.
Num claro riso as tabuletas riram.
E até no canto onde os deixei guardados
Os meus sapatos velhos refloriram.
Quase que eu saio voando céu em fora!
Evitemos, Senhor, esse prodígio…
As famílias, que haviam de dizer?
Nenhum milagre é permitido agora…
E lá se iria o resto de prestígio
Que no meu bairro eu inda possa ter!…
IV
Minha rua está cheia de pregões.
Parece que estou vendo com os ouvidos:
“Couves! Abacaxis! Cáquis! Melões!”
Eu vou sair pro Carnaval dos ruídos,
Mas vem, Anjo da Guarda… Por que pões
Horrorizado as mãos em teus ouvidos?
Anda: escutemos esses palavrões
Que trocam dois gavroches atrevidos!
Pra que viver assim num outro plano?
Entremos no bulício quotidiano…
O ritmo da rua nos convida.
Vem! Vamos cair na multidão!
Não é poesia socialista… Não,
Meu pobre anjo… É… simplesmente… a Vida!…
VI
Na minha rua há um menininho doente.
Enquanto os outros partem para a escola,
Junto à janela, sonhadoramente,
Ele ouve o sapateiro bater sola.
Ouve também o carpinteiro, em frente,
Que uma canção napolitana engrola.
E pouco a pouco, gradativamente,
O sofriemento que ele tem se evola…
Mas nesta rua há um operário triste:
Não canta nada na manhã sonora
E o menino nem sonha que ele existe.
Ele trabalha silenciosamente…
E está compondo este soneto agora,
Pra alminha boa do menino doente…
XXVII
Quando a luz estender a roupa nos telhados
E for todo o horizonte um frêmito de palmas
E junto ao leito fundo nossas duas almas
Chamarem nossos corpos nus, entrelaçados,
Seremos, na manhã, duas máscaras calmas
E felizes, de grandes olhos claros e rasgados…
Depois, volvendo ao sol as nossas quatro palmas,
Encheremos o céu de vôos encantados!…
E as rosas da Cidade inda serão mais rosas,
Serão todos felizes, sem saber por quê…
Até os cegos, os entrevadinhos… E
Vestidos, contra o azul, de tons vibrantes e violentos,
Nós improvisaremos danças espantosas
Sobre os telhados altos, entre o fumo e os cataventos!
A Canção da Menina e Moça
Uma paisagem com um só coqueiro.
Que triste!
E o companheiro?
Cabrinha que sobes o monte pedrento.
Só, contra as nuvens.
Será teu esposo o vento?
O meu esposo há de cheirar a tronco,
Como eu cheiro à flor.
Um coração não cabe num só peito:
Amor… Amor…
Uma paisagem com um só coqueiro…
Uma igrejinha com uma torre só…
Sem companheira… Sem companheiro…
Ó dor!
O meu esposo há de cheirar a tronco,
Como eu cheiro… como eu cheiro
A amor…
Janela de Abril
Tudo tão nítido! O céu rentinho às pedras. Pode-se enxergar até os nomes que andaram traçando a carvão naquele muro. Mas, mesmo que o céu soubesse ler, isso não teria agora a mínima importância. E sente-se que Nosso Senhor, em comemoração de abril, instituirá hoje valiosos prêmios para o riso mais despreocupado, para o sapato mais rinchador, para a pandorga mais alta sobre o morro.
XII Das Utopias
Se as coisas são inatingíveis… ora!
Não é motivo para não querê-las…
Que tristes os caminhos, se não fora
A presença distante das estrelas!
XIII Do Belo
Nada, no mundo, é, por si só, feio.
Inda a mais vil mulher, inda o mais triste poema,
Palpita sempre neles o divino anseio
Da beleza suprema…
XIV Do Mal e do Bem
Todos têm seu encanto: os santos e os corruptos.
Não há coisa, na vida, inteiramente má.
Tu dizes que a verdade produz frutos…
Já viste as flores qua a mentira dá?
XXVI Da Mediocridade
Nossa alma incapaz e pequenina
Mais complacência que irrisão merece.
Se ninguém é tão bom quanto imagina,
Também não é tão mau como parece.
XLI Da Arte de Ser Bom
Sê bom. Mas ao coração
Prudência e cautela ajunta.
Quem todo de mel se unta,
Os ursos o lamberão.
XLIV Dos Livros
Não percas nunca, pelo vão saber,
A fonte viva da sabedoria.
Por mais que estudes, que te adiantaria,
Se a teu amigo tu não sabes ler?
LXVIII Da Felicidade
Quantas vezes a gente, em busca da ventura,
Procede tal e qual o avozinho infeliz:
Em vão, por toda parte, os óculos procura,
Tendo-os na ponta do nariz!
Canção do Dia de Sempre
Tão bom viver dia a dia…
A vida, assim, jamais cansa…
Viver tão só de momentos
Como essas nuvens no céu…
E só ganhar, toda a vida,
Inexperiência… esperança…
E a rosa louca dos ventos
Presa à copa do chapéu.
Nunca dês um nome a um rio:
Sempre é outro rio a passar.
Nada jamais continua,
Tudo vai recomeçar!
E sem nenhuma lembrança
Das outras vezes perdidas,
Atiro a rosa do sonho
Nas tuas mãos distraídas…