AO NOSSO AMOR, UMA ETERNA ESTRÉIA
19 de outubro de 2016

paulo-sabino-jurema-armond

(Há pouco tempo, indo votar — ela, já desobrigada.)

figa

(A figa, antes do meu pai, agora minha.)
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“PAULO SABINO, meu irmão,

Que lindo o seu poema para a ‘nossa mãe’! Desejo para a ‘CABOCLA JUREMA’ uma longa e boa vida, alegria e… Axé! Muito Axé! Com abraços, MARTINHO DA VILA.”

(Martinho da Vila — cantor & compositor)

 

 

Que alegria! Vê-la completar o seu septuagésimo quarto ano novo (74) lúcida, recém-recuperada de um problema no cérebro.

Em junho, há exatos 4 meses, me perguntava como seria este dia para ela & para mim, com o medo de que ela ainda estivesse doente.

Escrevi o texto que segue em itálico para amigos bem no início do mês de julho:

 

Queridos & Queridas,

Há quase 2 meses, a minha mãe, peça fundamental da minha existência, a grande responsável pelo meu amor à literatura e, mais especificamente, à poesia, a minha cabocla Jurema Armond, não anda bem da saúde.

Estamos na luta para diagnosticar o que, há quase 2 meses, vem causando nela uma fraqueza grande nas pernas & nos braços (precisa de ajuda para absolutamente tudo: para levantar, sentar, deitar, comer, tomar banho) & uns desnorteios de tempo & espaço (agora há pouco tive que consolá-la, ela estava aos prantos, desejando chegar em casa, chegar no lugar de onde ela não sai há quase 2 meses, não contando as saídas para consultas médicas & exames).

Tem sido bem difícil para mim. Sou filho único, meu pai já não está mais entre nós, e sou eu só a tomar as decisões sobre a saúde da minha cabocla, a gerir a casa & as contas. Cansaço emocional & físico imensos.

Hoje, procurando travessas & potes aqui em casa, a fim de organizar a cozinha para a pessoa que me ajudará com a casa duas vezes na semana, me deparei com esta figa de madeira do meu pai, de cuja existência nem mais me lembrava. Chorei tanto ao vê-la, ao tocá-la, tudo tão simbólico neste momento — encontrar na estante da sala uma figa, e que era do meu pai, de quem, pela sensibilidade & humor ímpar, sinto tanta falta, inda mais num momento como este…

Agora ela está na minha mesa de trabalho, acompanhada das minhas outras pequenas preciosidades. Está, na mesa, exatamente de frente para mim.

Tomara que esta figa, antes do meu pai, agora minha, me traga a sorte & o axé necessários na melhoria desta situação.

E conto com as preces & orações & energia positiva de quem acredita em preces & orações & energia positiva. Incluam a minha cabocla Jurema Armond em seus pedidos de saúde & recuperação. Torçam comigo.

E vamos que vamos. A vida urge, o tempo não pára.

 

Depois de muitos medos, muitas incertezas, muitas dificuldades, muitas lágrimas, e muitos exames, no início de agosto conseguimos o diagnóstico & desde então ela só faz melhorar.

O poema que segue, eu o escrevi para ela há muitos anos. Mais do que nunca, faz todo o sentido publicá-lo hoje, 19 de outubro, em homenagem à minha cabocla.

Mais do que nunca, depois deste mau tempo que atravessamos, o sol da saúde desponta com a sua luz & o seu calor, mostrando-nos que a vida renova-se a cada instante, que, por isso, a vida é uma eterna estréia. Nunca sabemos que momento da trama nos aguarda no próximo capítulo; o script/roteiro é escrito no decorrer de cada cena.  Com isso, o amor também faz-se & refaz-se a cada vivência nossa.

Mãe, depois de tanto, depois de tudo, eu só posso desejar que o céu aberto de dias azuis permaneça límpido, sem mudanças tão bruscas.

Mãe, depois de tanto, depois de tudo, a conclusão de que, aqui, o amor existe — firme, forte, em riste.

Graças!

Feliz aniversário! Feliz 74 primaveras vencidas!

Beijo todos & especialmente a minha cabocla Jurema Armond!
Paulo Sabino.
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(autor: Paulo Sabino.)

 

 

ESTRÉIA

 

te  escrevo  porque

te  mereço,

porque  és  diva,

a  dama  divina

—  mulher  maravilha

da  minha  ilha

cercada  de  carinhos

por  todos  os  lados —.

todos  os  cafunés,  todas  as  lágrimas  e  desabafos

é  onde  me  acabo  em  ti.

por  ti  meu  riso  ri,

por  isso  minha  prece,

minha  missa.

minha  oração  se  aquece

em  teus  escaninhos,  teus  desalinhos,  teus  achados.

assim  é  que  te  amasso,

te  acho,

te  cato.

porque  humana  sem  desacato.

eu  te  amo  e  é  outra  estréia,

sem  vida  histérica,

sem  amor  estéril.

pelo  contrário,  é  amor  de  império,

o  carinho  sem  enterro  e  cemitério,

a  poesia  livre  de  impropério.

és  o  meu  hemisfério,

o  meu  norte,

os  versos  sem  corte.

eu  te  amo  e  não  há  miséria,

há  beleza,  há  estética

—  revelação, reverberação

que  insiste

em  mostrar  ao  mundo  triste

que,  aqui,  o amor  existe:

firme

forte

em  riste —.

ELEGIA (1938)
10 de setembro de 2014

Pessoas na rua

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elegia: poema lírico de tom terno & triste.

uma elegia feita ao ano de 1938 & transportada ao ano de 2014:

tu, pessoa comum, de carne & osso & coração assim como eu, trabalhas sem alegria, sem ânimo, para um mundo caduco, trabalhas sem alegria para um mundo demente, insano, decrépito, onde as formas — formas de trabalho, modelos de relação, estilos de vida — & as ações — o que priorizar, o que valorizar, o que desprezar, o que aniquilar — não encerram nenhum exemplo, onde as formas & as ações não encerram, não contêm, não incluem, nenhum exemplo.

tu, pessoa comum, de carne & osso & coração assim como eu, praticas laboriosamente, praticas sofridamente, triste, angustiado, os gestos universais, os gestos comuns a todos nós, seres de carne & osso & coração, sentes calor & frio, sentes a falta de dinheiro, fome & desejo sexual.

tu, pessoa comum, de carne & osso & coração assim como eu, praticas laboriosamente os gestos universais, os gestos comuns a todos nós, enquanto heróis — os homens de destaque, homens prestigiosos, de atitudes “nobres” — enchem os parques da cidade em que te arrastas & preconizam, recomendam, alardeiam: a virtude (ser bom, aceitando o que é empurrado goela abaixo), a renúncia (abdicar de prazeres pelo trabalho, ainda que sufocante, ainda que asfixante, ainda que opressivo), o sangue-frio (manter a calma diante de toda a calamidade que é a tua vida), a concepção (acreditar & investir na criação, na formulação, na produção, deste mundo caduco).

à noite, se neblina, se chuvisca, se garoa, os heróis (os homens de destaque, homens prestigiosos, de atitudes “nobres”) abrem guarda-chuvas de bronze, guarda-chuvas tão poderosos que os protegem de todo & qualquer respingo deste mundo, ou se recolhem aos volumes de bibliotecas sinistras, bibliotecas nefastas, maléficas, assustadoras, bibliotecas que ensinam os meandros do ter mais do que ser, do capital, da riqueza, do papel-moeda, das cifras, da especulação financeira.

tu, pessoa comum, de carne & osso & coração assim como eu, amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra (à noite, dormes o teu sono profundo, cansado) & sabes que, dormindo, os problemas, os pesares todos, te dispensam de morrer. mas o terrível despertar (“terrível” porque mais um despertar em que trabalharás para este mundo caduco) prova a existência da “grande máquina” em que o mundo se transformou (provando, assim, a sua grande caducidade) & ele, o terrível despertar, te repõe, pequenino, ínfimo, limitado, em face de indecifráveis palmeiras, palmeiras altaneiras, palmeiras enigmáticas, palmeiras no mundo caduco para quê?

tu, pessoa comum, de carne & osso & coração assim como eu, caminhas entre mortos (entre os teus, que já partiram deste mundo caduco) & com eles conversas sobre coisas do tempo futuro — teus planos, teus anseios — & negócios do espírito, assuntos que dizem respeito à tua existência. a literatura, arte do livro que te livrou do mundo caduco, arte a que recorreste na tentativa de amenizar dores & dissabores, estragou as tuas melhores horas de amor, e ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear (de semear as tuas horas de amor).

tu, pessoa comum, de carne & osso & coração assim como eu, entristecido, desanimado, sentindo-se um fracassado: coração orgulhoso, coração vaidoso, coração empertigado, tens pressa de confessar tua derrota & adiar, para outro século, a felicidade coletiva.

coração orgulhoso, coração vaidoso, coração empertigado, tens pressa de confessar tua derrota & adiar, para outro século, a felicidade coletiva: confessar a própria derrota é confessar a derrota de todo um tempo, de todo um sistema, de todo um modelo, de todo um estilo, de toda uma concepção de vida, que, ao adiar a felicidade coletiva, instaura a infelicidade coletiva, instaura o mal-estar do grupo, a tristeza & o desânimo de todo & qualquer ser humano comum, de carne & osso & coração, assim como eu, assim como você, leitor.

tu, pessoa comum, de carne & osso & coração assim como eu, aceitas a chuva, a guerra, o desemprego & a injusta distribuição porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de manhattan, ilha onde se localiza wall street, rua da ilha célebre, onde se situa a bolsa de valores de nova iorque, a mais importante do mundo, por isso mesmo, ilha considerada o centro nervoso da economia mundial.

tu, pessoa comum, de carne & osso & coração assim como eu, trabalhas sem alegria para um mundo caduco, onde as formas & as ações não encerram nenhum exemplo: por isso, eu & tu, nós, temos que cavar, temos que batalhar, temos que alcançar, maneiras, modos, formas & ações que neutralizem todos os malefícios do mundo demente, insano, decrépito, para o nosso próprio bem, e porque a existência, até onde se sabe, é uma só, e é melhor que a façamos valer a pena, valer as dores & dissabores.

beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Antologia poética. autor: Carlos Drummond de Andrade. editora: Record.)

 

 

ELEGIA 1938

 

Trabalhas sem alegria para um mundo caduco,
onde as formas e as ações não encerram nenhum exemplo.
Praticas laboriosamente os gestos universais,
sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo sexual.

Heróis enchem os parques da cidade em que te arrastas,
e preconizam a virtude, a renúncia, o sangue-frio, a concepção.
À noite, se neblina, abrem guarda-chuvas de bronze
ou se recolhem aos volumes de sinistras bibliotecas.

Amas a noite pelo poder de aniquilamento que encerra
e sabes que, dormindo, os problemas te dispensam de morrer.
Mas o terrível despertar prova a existência da Grande Máquina
e te repõe, pequenino, em face de indecifráveis palmeiras.

Caminhas entre mortos e com eles conversas
sobre coisas do tempo futuro e negócios do espírito.
A literatura estragou tuas melhores horas de amor.
Ao telefone perdeste muito, muitíssimo tempo de semear.

Coração orgulhoso, tens pressa de confessar tua derrota
e adiar para outro século a felicidade coletiva.
Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição
porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan.

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(do site: Youtube. Caetano Veloso interpreta o poema Elegia 1938, de Carlos Drummond de Andrade.)

CHUVA DE VERÃO
13 de março de 2013

Rio de Janeiro alagadoRio de Janeiro alagado 02

(A cidade do Rio de Janeiro, a mais cara cidade do país & uma das mais caras cidades do mundo, em dias de chuva de verão: a pergunta que não quer calar: quem é que vai pagar por isso?…)
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às quatro da tarde, na floresta da tijuca, floresta cravada nas montanhas que cortam o rio de janeiro, a terra se entrega para a chuva & a terra segrega, separa, aparta, humores túmidos, a terra segrega, separa, aparta, às plantas, o alimento de que precisam para estarem firmes, fortes, a terra segrega, separa, aparta, para as plantas os humores túmidos, os líqüidos encorpados, com que se alimentam, a fim de manterem-se firmes & fortes em sua jornada estática.

a chuva a penetra, penetra a terra, segregando os seus humores túmidos, segregando os seus líqüidos encorpados de alimentos que servem às plantas.

as samambaias & os jatobás se regozijam com o acalanto das águas.

as flores-da-paixão (que são as flores do maracujá), lindíssimas, se abrem de contentamento.

a chuva na floresta: uma bênção do céu.

mas, não longe dali, da floresta, mais abaixo, na cidade que é cortada pelas montanhas, as calhas os rufos os bueiros & as sarjetas, indiferentes a humores & encantos, as calhas os rufos os bueiros & as sarjetas, impassíveis aos líqüidos encorpados da terra & aos encantos florais, se preparam para o trabalho sujo.

o trabalho sujo: o lixo espalhado pelas ruas & calçadas da cidade mais a rede de esgotos & de escoamento da água pluvial deficientes, que já não atendem às demandas urbanas dos dias de hoje, resultam nas célebres enchentes & alagamentos que assolam a cidade nos dias de verão.

entra ano, sai ano, entram prefeito & governador, saem prefeito & governador, e a cidade continua com os mesmíssimos problemas de enchentes & alagamentos provocados pelo calor excessivo dos dias de verão.

à tarde, no fim do dia, depois da cidade “fritar” num sol de mais de 40 graus, um toró desaba & transforma a vida do residente num imenso transtorno. pessoas morrem levadas pela força das correntezas dos rios-ruas, pessoas morrem eletrocutadas, pessoas perdem suas casas em desabamentos, pessoas presas nos engarrafamentos.

a cidade, em termos de serviços, não presta em muitos vários aspectos. e a cidade, mesmo não prestando em termos de serviços sob vários aspectos, é a mais cara do país & das mais caras do mundo. morar, comer, beber, ir a um espetáculo, pegar um cinema, tudo no rio de janeiro, hoje em dia, custa “os olhos da cara”. cidade que será sede de copa do mundo, de olimpíadas, cidade que, por ser a capital do estado, recebe (recebia) já os royalties do petróleo (com a descoberta & exploração do petróleo na camada pré-sal), cidade que vem recebendo cada vez mais turistas, em suma: uma cidade com capital financeiro, com investimentos, e, no entanto: uma cidade que não cuida dos seus calçamentos, que não cuida da qualidade das suas ruas, que não cuida da sua rede de esgotos, que não cuida do seu sistema de escoamento da água pluvial, que não dá a mínima atenção para os desiquilíbrios ambientais causados na região, uma cidade com tanto investimento financeiro & que não investe nos serviços oferecidos. a negligência parte dos gestores oficiais da cidade.

pode-se perguntar: mas a população da cidade não é deseducada, a população da cidade não joga lixo nas ruas, nas praias? sim, a população da cidade é deseducada, joga lixo nas ruas, nas praias, contribui com as enchentes & os alagamentos (afinal, o entupimento de bueiros acontece pelo excesso de lixo jogado nas ruas pelos transeuntes). mas isso, em parte, é responsabilidade dos gestores oficiais da cidade. não existe nenhuma política SÉRIA para a manutenção da cidade limpa ATRAVÉS DE um trabalho DEDICADO à educação da população residente. no estado do rio de janeiro, há alguns anos atrás, a cidade de cabo frio foi eleita a quinta cidade mais limpa do brasil. conseguiu o título porque os gestores oficiais do município apostaram numa política SÉRIA de educação da população quanto a lixo nas ruas. é impressionante: seja no centro, seja em bairro pobre, seja em bairro nobre, nas praias, em cabo frio não se vê detrito nas vias públicas, na orla marítima. 

sabe-se que as condições climáticas do planeta estão mudando muito rapidamente. a cada ano, a terra aumenta um tanto a sua temperatura, e esse aumento da temperatura — gerando, conseqüentemente, mais calor — contribui, entre outras coisas, para chuvas de verão (aqui no rio de janeiro) cada vez mais intensas, chuvas de verão (aqui no rio de janeiro) cada vez mais volumosas.

(uma cidade que não cuida dos seus calçamentos, que não cuida da qualidade das suas ruas, que não cuida da sua rede de esgotos, que não cuida do seu sistema de escoamento da água pluvial, que não dá a mínima atenção para os desiquilíbrios ambientais causados na região, e que é, em termos de serviços, a mais cara do país…)

uma cidade com tanto investimento financeiro & que não investe nos serviços oferecidos…

cuidar da cidade do rio de janeiro, para que não mais ocorram enchentes & alagamentos, para que as calhas os rufos os bueiros & as sarjetas não mais tenham que se preparar para o trabalho sujo, é deixá-la em harmonia com os humores & encantos que a chuva leva à terra ao penetrá-la & tê-la sua. 

beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Enquanto velo teu sono. autor: Adalberto Müller. editora: 7Letras.)

 

 

CHUVA DE VERÃO

 

Às quatro da tarde
a terra se entrega para a chuva
e segrega humores túmidos.
A chuva a penetra.

As samambaias e os jatobás
se regozijam
com o acalanto das gotas.

As flores-da-paixão se abrem
de contentamento.

Mas
                  não longe dali
as calhas os rufos os bueiros e as sarjetas
indiferentes a humores e encantos
se preparam para o trabalho sujo.