FAÇAMOS: VAMOS AMAR
30 de julho de 2014

Façamos (Vamos amar)

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todo o tipo de gente, das mais diversas nacionalidades & etnias & culturas, faz.

façamos todos: vamos amar!

amar é o melhor que temos a fazer na vida. fazer amor é das melhores formas de amar que se tem na vida.

os cidadãos, no japão, fazem. lá na china, um bilhão fazem. os espanhóis, os lapões, fazem. lituanos & letões também fazem.

façamos: vamos amar!

os alemães, em berlim, fazem, e numa outra cidade do país, bonn. em bombain, na índia, fazem: os hindus acham bom — que bom! nisseis (filhos de japoneses), nikkeis (descendentes de japoneses ou japoneses que vivem fora do japão) & sanseis (netos de japoneses) fazem. lá em san francisco, cidade-palco de importantes acontecimentos à conquista de direitos civis para a comunidade homossexual norte-americana, muitos gays fazem.

façamos: vamos amar!

todo o tipo de ave, dos mais diversos gênero & família, faz.

os rouxinóis, conhecidos por seu canto melodioso especialmente à noite & em época de reprodução, nos saraus, fazem. “picantes” pica-paus (e seu duplo sentido) fazem. uirapurus, aves de plumagem colorida encontradas no norte do país (no pará), fazem. tico-ticos no fubá (como sugere o significado da expressão “tico-tico no fubá”) fazem.

façamos: vamos amar!

chinfrins galinhas (e seu duplo sentido), a fim (de fazer), fazem, e jamais dizem “não”. corujas, sim, fazem, sábias (símbolos da sabedoria) como elas são. muitos perus, todos nus, fazem. gaviões, pavões & urubus fazem.

façamos: vamos amar!

todo o tipo de peixe & fruto do mar, dos mais diversos gênero & família, fazem.

dourados, no — rio — solimões, fazem. camarões, no mar de camarões (do país), fazem. piranhas (e seu duplo sentido), só por fazer, fazem. namorados (e seu duplo sentido), por prazer, fazem.

façamos: vamos amar!

peixes elétricos bem fazem bem, entre beijos & choques. cações também fazem — sem falar nos hadoques. salmões no sal, em geral, fazem. bacalhaus, no mar em portugal, fazem.

façamos: vamos amar!

todo o tipo de inseto, dos mais diversos gênero & família, faz.

libélulas, em bambus, fazem. centopéias, sem tabus, fazem. os louva-deuses, com “fé” (já que os deuses louvam), fazem. dizem que bichos-de-pé também fazem.

façamos: vamos amar!

as taturanas, que são lagartas que possuem pêlos urticantes & inoculam forte toxina ao menor contato com a pele, com “ardor incomum”, fazem. grilos, meu bem, fazem, e “sem grilo” (sem problema) nenhum. com seus ferrões, os zangões fazem. pulgas, em calcinhas & calções, fazem.

façamos: vamos amar!

todo o tipo de mamífero, dos mais diversos gênero & espécie & família, faz.

tamanduás & tatus fazem. corajosos cangurus, que são animais ariscos, fazem. coelhos, animais conhecidos por reproduzirem-se rapidamente, só, e tão-só, fazem. macaquinhos, num cipó, fazem.

façamos: vamos amar!

gatinhas, com seus gatões (e seu duplo sentido), fazem, dando gritos de “ais”. os garanhões, que são cavalos destinados à reprodução, fazem — esses fazem demais. leões ao léu, sob o céu, fazem. ursos, lambuzando-se no mel, fazem.

façamos: vamos amar!

amar é o melhor que temos a fazer na vida. fazer amor é das melhores formas de amar que se tem na vida.

beijo todos!
paulo sabino.
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(do site: Carlos Rennó — Oficial. autor dos versos: Cole Porter. versão: Carlos Rennó.)

 

 

FAÇAMOS, VAMOS AMAR
(LET’S DO IT, LET’S FALL IN LOVE)

 

Os cidadãos, no Japão, fazem,
Lá na China um bilhão fazem,
Façamos, vamos amar.
Os espanhóis, os lapões fazem,
Lituanos e letões fazem,
Façamos, vamos amar.
Os alemães, em Berlim, fazem,
E também lá em Bonn;
Em Bombaim, fazem:
Os hindus acham bom.
Nisseis, nikkeis e sanseis fazem;
Lá em San Francisco muitos gays fazem;
Façamos, vamos amar.

Os rouxinóis, nos saraus, fazem,
Picantes picapaus fazem,
Façamos, vamos amar.
Uirapurus, no Pará, fazem,
Tico-ticos no fubá fazem,
Façamos, vamos amar.
Chinfrins galinhas a fim fazem,
E jamais dizem não;
Corujas — sim — fazem,
Sábias como elas são.
Muitos perus, todos nus, fazem,
Gaviões, pavões e urubus fazem,
Façamos, vamos amar.

Dourados no Solimões fazem;
Camarões em Camarões fazem;
Façamos, vamos amar.
Piranhas, só por fazer, fazem,
Namorados, por prazer, fazem,
Façamos, vamos amar.
Peixes elétricos bem fazem,
Entre beijos e choques;
Cações também fazem,
Sem falar nos hadoques…
Salmões no sal, em geral, fazem,
Bacalhaus no mar em Portugal fazem,
Façamos, vamos amar.

Libélulas, em bambus, fazem,
Centopéias sem tabus fazem,
Façamos, vamos amar.
Os louva-deuses, com fé, fazem,
Dizem que bichos-de-pé fazem,
Façamos, vamos amar.
As taturanas também fazem
Com ardor incomum;
Grilos, meu bem, fazem,
E sem grilo nenhum…
Com seus ferrões, os zangões fazem,
Pulgas em calcinhas e calções fazem,
Façamos, vamos amar.

Tamanduás e tatus fazem;
Corajosos cangurus fazem;
Façamos, vamos amar.
Coelhos só, e tão-só, fazem;
Macaquinhos num cipó fazem;
Façamos, vamos amar.
Gatinhas com seus gatões fazem,
Dando gritos de “ais”;
Os garanhões fazem —
Esses fazem demais…
Leões ao léu, sob o céu, fazem;
Ursos lambuzando-se no mel fazem;
Façamos, vamos amar.
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(do site: Youtube. áudio extraído do álbum: Canções, versões — Cole Porter e George Gershwin. idealizador do projeto: Carlos Rennó. canção: Façamos, vamos amar (Let’s do it, let’s fall in love). autor da canção: Cole Porter. versão: Carlos Rennó. intérpretes: Chico Buarque / Elza Soares. gravadora. WEA.)

POSSIBILIDADES: ALGUNS GOSTAM DE POESIA
20 de fevereiro de 2013

Paulo Sabino_Amante da poesia

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 preferência / predileção: ação de escolher uma coisa entre outras.
 
se a preferência / predileção implica em escolha, o escolhido é uma possibilidade entre outras possibilidades.
 
a preferência / predileção implica em possibilidades de escolha:
 
prefiro os parques de área verde.
 
prefiro os cachorros.
 
prefiro chico buarque a cole porter.
 
prefiro-me gostando das pessoas do que amando a humanidade (amar a humanidade é amar todos. e, no mundo, há pessoas de que não gosto, pessoas com quem não simpatizo).
 
prefiro a cor azul.
 
prefiro não achar que a razão é a culpada de tudo (os impulsos & arroubos têm o seu lugar no mundo).
 
prefiro conversar, se encontro algum médico (amigo ou apenas conhecido), sobre outra coisa que não seja doença.
 
prefiro, no amor, os aniversários não marcados — para celebrá-los todos os dias.
 
prefiro a bondade astuta (que não se deixa enganar, esperta, matreira) à bondade confiante demais (a bondade que confia em si demasiadamente não pondera, não questiona, se, de fato, está sendo boa).
 
prefiro a terra à paisana, prefiro a terra sem fardas & armas & toques de recolher.
 
prefiro os países conquistados aos conquistadores.
 
prefiro o inferno do caos ao inferno da ordem (ao menos no caos estou em ordem com o mundo: confuso desordenado desarrumado inexplicável).
 
prefiro os contos de machado de assis às manchetes dos jornais.
 
prefiro os cães sem a cauda cortada.
 
prefiro os olhos claros porque os tenho escuros.
 
prefiro muitas coisas que não mencionei aqui a muitas outras também não mencionadas.
 
prefiro os zeros soltos do que postos em fila para formar cifras.
 
prefiro o tempo dos insetos (breve) ao das estrelas (eterno).
 
prefiro desvirar o chinelo com a sola para cima.
 
prefiro não perguntar quanto tempo ainda & quando (desejo apenas viver o quanto me for permitido viver).
 
prefiro, inclusive, ponderar, prefiro questionar, a própria possibilidade do ser ter sua razão: será o homem, de fato, um ser pensante, um ser racional? ou, no fundo, um lunático, ser que fundou um mundo de fábulas & fantasias, recheado de deuses, significações absurdas & acontecimentos desastrosos (guerras, escravidões, fome, depredação do meio ambiente)? 
 
porém, independentemente de tudo & mais um pouco:
 
prefiro o ridículo de escrever poemas ao ridículo de não escrevê-los.
 
alguns gostam de poesia. “alguns” — ou seja: nem todos.
 
e esses “alguns” — que gostam de poesia — não chegam a ser a maioria de todos, mas a minoria.
 
(sem contar a escola, onde o estudo de literatura é obrigatório & os próprios poetas seriam talvez uns dois num universo de mil alunos.)
 
alguns — a minoria de todos — gostam de poesia. mas também se gosta de canja de galinha, gosta-se de galanteios, gosta-se da cor azul, gosta-se de fazer o que se tem vontade.
 
no mundo, gosta-se de inúmeras coisas. a poesia — para muitos dos “alguns” que gostam — está apenas entre as tantas outras coisas de que se gosta. desse modo, a poesia — para muitos dos “alguns” que gostam — pode tornar-se um “item” apreciado porém esquecido no fundo de uma gaveta empoeirada ou de um velho baú.
 
alguns gostam de poesia… mas o que é isso: “poesia”?
 
muita resposta já foi dada a essa pergunta & até hoje não se chegou a um consenso. portanto, qualquer resposta é vaga, qualquer resposta deixa a desejar, qualquer resposta não responde exatamente:
 
o que é isso — “poesia”?
 
pois eu digo que não sei, não sei & não sei, e, mesmo não sabendo a resposta, me agarro a ela como a uma tábua de salvação.
 
(a poesia aguça minha inteligência, a poesia melhora meu humor, a poesia me livra das azias existenciais, a poesia imprime ritmo à minha vida.)
 
salve a sua existência na minha!
 
beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Poemas. autora: Wislawa Szymborska. seleção & tradução: Regina Przybycien. editora: Companhia das Letras.)
 
 
 
POSSIBILIDADES
 
 
Prefiro o cinema.
Prefiro os gatos.
Prefiro Dickens a Dostoiévski.
Prefiro-me gostando das pessoas
do que amando a humanidade.
Prefiro ter agulha e linha à mão.
Prefiro a cor verde.
Prefiro não achar
que a razão é culpada de tudo.
Prefiro as exceções.
Prefiro sair mais cedo.
Prefiro conversar sobre outra coisa com os médicos.
Prefiro as velhas ilustrações listradas.
Prefiro o ridículo de escrever poemas
ao ridículo de não escrevê-los.
Prefiro, no amor, os aniversários não marcados,
para celebrá-los todos os dias.
Prefiro os moralistas
que nada me prometem.
Prefiro a bondade astuta à confiante demais.
Prefiro a terra à paisana.
Prefiro os países conquistados aos conquistadores.
Prefiro guardar certa reserva.
Prefiro o inferno do caos ao inferno da ordem.
Prefiro os contos de Grimm às manchetes dos jornais.
Prefiro as folhas sem flores às flores sem folhas.
Prefiro os cães sem a cauda cortada.
Prefiro os olhos claros porque os tenho escuros.
Prefiro as gavetas.
Prefiro muitas coisas que não mencionei aqui
a muitas outras também não mencionadas.
Prefiro os zeros soltos
do que postos em fila para formar cifras.
Prefiro o tempo dos insetos ao das estrelas.
Prefiro bater na madeira.
Prefiro não perguntar quanto tempo ainda e quando.
Prefiro ponderar a própria possibilidade
do ser ter sua razão.
 
 
 
ALGUNS GOSTAM DE POESIA
 
 
Alguns —
ou seja nem todos.
Nem mesmo a maioria de todos, mas a minoria.
Sem contar a escola onde é obrigatório
e os próprios poetas
seriam talvez uns dois em mil.
 
Gostam —
mas também se gosta de canja de galinha,
gosta-se de galanteios e da cor azul,
gosta-se de um xale velho,
gosta-se de fazer o que se tem vontade
gosta-se de afagar um cão.
 
De poesia —
mas o que é isso, poesia.
Muita resposta vaga
já foi dada a essa pergunta.
Pois eu não sei e não sei e me agarro a isso
como a uma tábua de salvação.

O ESTRANGEIRO
8 de outubro de 2010

francisco ferraz,
 
amigo querido, do qual muitas saudades sinto,
 
pessoa responsável pela existência, em termos práticos, deste espaço, “o prosa em poema”,
 
este post é dedicado inteiramente a você.
 
devo esta publicação ao chico há muito tempo; ela foi prometida no início de tudo, e só foi “existir” agora (rs).
 
mas é aquela tal história: paulo sabino: um homem que tarda, mas não falha (rs).
 
chicão, finalmente (rs)!
 
eu e o francisco ferraz somos apaixonados pela canção, e, principalmente, por este poema-canção.
 
estas linhas, que considero primorosas, traduzem a minha visão acerca do brasil. enxergo este país exatamente desta maneira.
 
caetano veloso parte dos olhares estrangeiros, dos olhares que vêm de fora, dos olhares alheios, estranhos, não nativos, para a construção dos versos que acabam por desnudar o seu olhar.
 
através dos olhares estrangeiros, o seu olhar é desfraldado.
 
enquanto o pintor paul gauguin e o compositor cole porter, em visita à baía de guanabara, sentiram-se deslumbrados, porque a enxergaram como bela, o antropólogo claude lévis-strauss detestou-a; pareceu-lhe, a baía, uma boca banguela.
 
para um tipo de olhar, bela; para outro, o inverso, banguela.
 
bela & banguela: adjetivos antagônicos utilizados para a qualificação da baía de guanabara.
 
daí, a pergunta: mas o que seria, exatamente, uma coisa bela?
 
caetano interroga-se a respeito do seu sentimento pela guanabara: “e eu, menos a conhecera, mais a amara?”
 
e por que ” menos a conhecera, mais a amara”? ama-se mais quanto menos se conhece? a intensidade do amor aumenta quanto menos conhecido aquilo que se ama?
 
há a célebre sentença que diz: o amor é cego. isto significa afirmar que o amor enxerga: nada.
 
mas será? será que o amor enxerga: nada?
 
o amor é cego (falam). e ray charles também é cego. stevie wonder, outro cego. e o albino hermeto (pascoal) não enxerga mesmo muito bem.
 
três exemplos para se dizer que, na cegueira, enxerga-se muito. (afinal, como desdizer que ray charles, stevie wonder & hermeto pascoal, grandes homens de visão, grandes visionários?)
 
a constatação, portanto, de que, mesmo amando, isto é, mesmo com o grande amor que nutre pela baía, caetano não deixa de enxergar bem, não deixa de ser um visionário.
 
e segue: o que seria uma coisa bela? uma baleia, uma telenovela, um alaúde, um trem, uma arara?… o quê?
 
de qualquer modo, fica a verificação, a averiguação, de caetano sobre a baía que tanto ama, baía que o deixa cego de tanto vê-la & tê-la estrela: ao mesmo tempo bela & banguela.
 
ele parte da baía de guanabara para traçar a sua visão acerca do brasil: belo & banguela, feito a guanabara. 
 
assim, com o olhar mergulhado em adjetivos antagônicos para com a baía, para com o brasil, inicia a revelação de um raro pesadelo, de um sonho ruim, que busca, sempre: o belo & o amaro, isto é, os adjetivos antagônicos.
 
junto ao sonho, a imagem que não foi sonhada (ainda que, no sonho, utilizada): a praia de botafogo, um cenário lindo, que agrega à sua paisagem o pão de açúcar, era uma esteira de areia branca & óleo diesel sob os tênis. tudo quanto havia de aurora no cenário: o morro famoso o menos óbvio possível, com umas arestas insuspeitadas (o morro visto como se pela primeira vez, visto como se por um olhar forasteiro, por um olhar estrangeiro); o morro banhado na áspera luz laranja contra a “quase-não-luz” do branco das areias e das espumas (escurecido, degradado o branco, pelo tanto de óleo diesel).
 
verificar uma paisagem tão encantadora, e, ao mesmo tempo, tão maltratada: tudo quanto havia, então, de aurora…
 
caetano prossegue o sonho e afirma ser um “cego às avessas”: não necessita olhar para trás a fim de saber o que acontece; vê absolutamente tudo o que deseja.
 
às suas costas, nas areias da praia de botafogo (com o pão de açúcar ao fundo), descreve um velho com cabelos nas narinas & uma menina ainda adolescente e muito linda.
 
do velho & da menina, mesmo podendo, caetano não deseja ver aquilo que, neles, não lhe agrada: o terno negro (do velho) e os dentes “quase-não-púrpura” (da menina). e pede que o ouvinte/leitor pense a imagem de modo impressionista (como pensava o pintor francês georges seurat), que trabalha com as formas naturais e sua disposição diante da incidência de luz, elaborando contrastes com as cores. alerta, o compositor, para que a paisagem do sonho não seja encarada no termo surrealista, que mexe com o irracional; pois o surrealismo é uma outra “onda”, outra “viagem”, é uma outra história.
 
o cenário pintado (a praia de botafogo, um velho de terno negro com cabelos nas narinas & uma menina ainda adolescente e muito linda às costas do compositor) é delineado em tons impressionistas, com a paisagem natural (praia e morro), com seus jogos de luzes & cores, com os contrastes cromáticos, e o claro-escuro, o belo-feio, tudo junto, amalgamado, e não em tons surrealistas. não há surrealismo nenhum aqui (mesmo tratando-se de um total devaneio). 
 
segue caetano, dizendo que ouve vozes, dizendo que os dois (o velho & a menina) lhe dizem, num duplo som, como que sampleados num sinclavier, as seguintes sentenças: 
 
— é chegada a hora da reeducação do cristianismo & suas religiões, para que estes arrebanhem ainda mais cordeiros para os seus rebanhos (!);
— o certo é louco tomar eletrochoque (!);
— o certo é saber que o certo é certo, ou seja: engolir sem questionar (!); 
— o macho (o homem heterossexual, de cunho procriativo) adulto, branco, sempre no comando, mandando & desmandando conforme seus desejos (!);
— e para o resto, que é a escória, para o resto, que são os que não interessam, o resto (!);
— reconhecer o valor necessário do ato hipócrita, isto é, reconhecer o valor indispensável do ato falso, do ato mentiroso, do ato enganador (!);
— riscar os índios (!), nada esperar dos pretos (!);
 
frente a todos os horrores proferidos pelo velho & pela menina, afirma caetano seguir ainda mais sozinho, caminhando contra o vento, nadando contra a maré, e entender o centro, o núcleo, a idéia principal, do que dizem aquele cara (o velho) e aquela (a menina):
 
o que disseram é um desmascaro. o que disseram é um singelo grito:
 
“o rei está nu!”
 
o que disseram, aquele cara & aquela, desmascara um brasil que existe por trás da terra boa & gostosa, terra da morena sestrosa. por trás do “meu brasil-brasileiro”, do brasil bom & gostoso, existem setores da sociedade brasileira que pensam exatamente o que está no “desmascaro”, o que está no “singelo grito”, do velho & da menina (que, para mim, representam vozes saídas de dentro do brasil: o velho, a figura de um brasil antigo, arcaico, preso a conservadorismos; a menina ainda adolescente & muito linda, a figura de um país do futuro, um país que tem tudo para tornar-se uma grande potência). 
 
setores da sociedade brasileira que pensam assim, mas que não têm a coragem de confessar: instituições religiosas cristãs, racistas, sexistas, homofóbicos, corruptos, organizações tradicionalistas.
 
o rei está nu, o rei foi desmascarado.
 
e o rei, nu, é mais bonito; ante sua nudez, tudo se cala.
 
aqui, a compreensão de que, acima de tudo, a lucidez para os reconhecimentos: o rei não é somente belo como também não é somente banguela. o rei é, ao mesmo tempo, belo & banguela; o rei abriga, em si, os adjetivos antagônicos, o rei abriga lindezas & feiúras.
 
brasil: terra boa & gostosa, da morena sestrosa, porém, terra também de corruptos, de homofóbicos, conservadores & sexistas.
 
o reconhecimento mais abrangente da figura do rei torna-o mais bonito.
 
é melhor que assim seja: ser o lobo do lobo do homem.
 
(eu também sinto dessa forma. não me vejo amando menos o brasil porque reconheço as suas mazelas. não. reconhecê-las, e amando-o, me estimula a extirpá-las.)
 
e avança caetano em seu caminho, amando o azul, o púrpura e o amarelo, amando cores celestiais, e entre o seu ir, isto é, entre a sua jornada, entre o seu caminhar, e o caminho do sol, há um aro, há um elo que os une.
 
apostar na luz, no brilho, apostar no elo, no aro que se configura com o astro-rei, luminoso, caloroso: o sol. afinal, gente é para brilhar, não é para morrer de fome.
 
pronto, chicão! publicação todinha sua (rs). (e para quem mais a desejar.)
 
sigamos lúcidos & amorosos!
 
beijo nos senhores!
um outro, especialíssimo, em você, francisco ferraz!
 
paulo sabino / paulinho.
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(do livro: Letra Só. autor: Caetano Veloso. organização: Eucanaã Ferraz. editora: Companhia das Letras.)
 
 
O ESTRANGEIRO
 
O pintor Paul Gauguin amou a luz na Baía de Guanabara
O compositor Cole Porter adorou as luzes na noite dela
A Baía de Guanabara
O antropólogo Claude Lévi-Strauss detestou
                                [a Baía de Guanabara
Pareceu-lhe uma boca banguela
E eu, menos a conhecera, mais a amara?
Sou cego de tanto vê-la, de tanto tê-la estrela
O que é uma coisa bela?
O amor é cego
Ray Charles é cego
Stevie Wonder é cego
E o albino Hermeto não enxerga mesmo muito bem
Uma baleia, uma telenovela, um alaúde, um trem?
Uma arara?
Mas era ao mesmo tempo bela e banguela a Guanabara
Em que se passara passa passará um raro pesadelo
Que aqui começo a construir sempre buscando o belo
                                                              [e o Amaro 
Eu não sonhei:
A praia de Botafogo era uma esteira rolante de areia
                                              [branca e óleo diesel
Sob meus tênis
E o Pão de Açúcar menos óbvio possível
À minha frente
Um Pão de Açúcar com umas arestas insuspeitadas
À áspera luz laranja contra a quase não luz, quase não púrpura
Do branco das areias e das espumas
Que era tudo quanto havia então de aurora
Estão às minhas costas um velho com cabelos
                                                  [nas narinas
E uma menina ainda adolescente e muito linda
Não olho pra trás mas sei de tudo
Cego às avessas, como nos sonhos, vejo o que desejo
Mas eu não desejo ver o terno negro do velho
Nem os dentes quase-não-púrpura da menina
(Pense Seurat e pense impressionista
Essa coisa da luz nos brancos dente e onda
Mas não pense surrealista que é outra onda)
E ouço as vozes
Os dois me dizem
Num duplo som
Como que sampleados num Sinclavier:
“É chegada a hora da reeducação de alguém
Do Pai, do Filho, do Espírito Santo, amém
O certo é louco tomar eletrochoque
O certo é saber que o certo é certo
O macho adulto branco sempre no comando
E o resto ao resto, o sexo é o corte, o sexo
Reconhecer o valor necessário do ato hipócrita
Riscar os índios, nada esperar dos pretos”
E eu, menos estrangeiro no lugar que no momento
Sigo mais sozinho caminhando contra o vento
E entendo o centro do que estão dizendo
Aquele cara e aquela:
É um desmascaro
Singelo grito:
“O rei está nu”
Mas eu desperto porque tudo cala frente ao fato de que
                                               [o rei é mais bonito nu
E eu vou e amo o azul, o púrpura e o amarelo
E entre o meu ir e o do sol, um aro, um elo
(“Some may like a soft brazilian singer
But I’ve given up all attempts at perfection”)