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eu, estudante empírico, estudante que experimenta & observa, fecho o livro. e contemplo.
a contemplação, a observação, do entorno, daquilo onde somos & estamos.
a história humana nos mostra que o conhecimento é fruto da observação & experimentação do mundo.
eis o globo: o planisfério terrestre, o planisfério celeste, o horizonte, redondo, a ilusão dos firmamentos (dos céus, do que enxergamos deles aqui da terra), a ilusão dos firmamentos (de tudo aquilo que usamos de sustentação, de fundamento, alicerce, aos nossos conhecimentos), e a nossa existência, em meio a tudo…
eis o compasso, o esquadro, que traçam, projetam, linhas & desenhos, caminhos exatos, eis a balança, eis a pirâmide, o cone, o cilindro, o cubo, eis o peso, a forma, o volume, a proporção, as equivalências, das coisas no mundo.
e o nosso itinerário, sem régua, compasso ou esquadro, caminhos inexatos, sem uma forma precisa, sem que saibamos ao certo muitas coisas no mundo.
saem os mistérios das suas caixas: desenrola-se o mapa do esqueleto, com os ossos & seus nomes; o mapa do corpo, com suas veias & artérias, vasos que se ramificam e formam tipos de galhos, árvores, e o sangue, de cor azul na página, desenhando sua floresta; o mapa do corpo, com seus órgãos diversos & suas funções diferenciadas, além de enigmáticas: os órgãos são como esfinges certeiras, e certeiras porque, ainda que enigmáticas, cumprem o seu trabalho em prol do funcionamento harmônico do organismo.
hoje, os dinossauros são carros de triunfo, enormes, pesados, suntuosos, reduzidos à armação (ao esqueleto). enquanto isso, no olho profundo do microscópio, a célula se anuncia, e anuncia a vida, o início, alfa, o surgimento.
e o nosso destino…
(será que, um dia, o mesmo destino dos dinossauros? será que, um dia, a humanidade reduzida à sua armação?…)
o professor escreve no quadro: alfa & ômega.
alfa & ômega: respectivamente, a primeira & a última letras do alfabeto grego clássico, letras que, simbolicamente, representam o princípio & o fim, isto é, a totalidade das coisas, a sua durabilidade.
o todo. o eterno.
alfa & ômega: o cristianismo associa a figura de jesus às letras gregas, simbolizando a eternidade de cristo, que: está no começo de tudo (alfa) & tudo acompanha, até o fim do mundo (ômega).
alfa & ômega: o todo. o eterno. o universo.
a luz de sírius, estrela mais brilhante no céu, ainda lança, com seu brilho & as histórias sobre seu brilho, escadas em contínua cascata.
lentamente, subo (as escadas lançadas por sírius), fecho os olhos e lanço-me no espaço & na sua imensa escuridão, onde cabem todos os mistérios do universo, e sonho saber o que não se sabe simplesmente acordado.
simplesmente acordado, e atento, não basta para saber o que não se sabe.
o mundo fala uma língua muda, que a nada responde:
o alfa (o princípio) & o ômega (o fim): de onde? para onde? a que propósito? com que finalidade? alguma? será?
silêncio…
grande aula, a do silêncio.
ensina-nos a ver de longe a vida, sem interrogá-la.
assim como a do silêncio,
grande aula, a da noite.
a noite: uma escuridão tão envolvente, parece um exercício de morte:
tudo vai desaparecendo (sem a luz artificial para clareá-la). desaparecemos dos outros, e desaparecemos de nós.
a noite: a escuridão: o sono que nos assalta e que, como a noite, nos envolve num exercício de morte.
o sono é um tipo de noite que nos assalta & envolve.
apenas respiramos. basta cortar esse último fio, fio que nos mantém conectados, fio da respiração, e o tear que somos (tantas as tramas urdidas com os fios da existência) se imobiliza.
a noite esconde a terra, o céu, a casa, os rostos dos senhores.
quando de noite, quando no sono, em que entranha me animo? onde se enrola o novelo da minha memória, em que cofre fica trancafiado?…
(nossas asas estão docemente fechadas e nossos olhos moram no pensamento, longe da realidade mundana que os circunda.)
cada um tem a sua noite. cada coisa.
o dia é um bailarino com sinos & espelhos: a dançar, chamando a atenção de todos para si, balançando os sinos para alardear-se, e refletindo a vida viva, em todos os cantos, nos seus espelhos.
de repente: acordamos. de repente: interrompemos a treva onde aprendíamos, com os sonhos, lembranças; e somos, de repente, uns falsos acordados, porque, ainda que acordados, continuamos a sonhar, fincamos pés no reino das ilusões.
a vida: um palco de ilusões sobrepostas.
que, nesse palco, saibamos bem representar os papéis que nos cabem, e que tais papéis nos levem, sempre, ao encontro de um feliz final.
beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Poesia completa — volume II. autora: Cecília Meireles. organização: Antonio Carlos Secchin. editora: Nova Fronteira.)
O ESTUDANTE EMPÍRICO
Eu, estudante empírico,
fecho o livro e contemplo.
Eis o globo, o planisfério terrestre,
o planisfério celeste,
o redondo horizonte, a ilusão dos firmamentos.
E a nossa existência.
Eis o compasso, o esquadro,
a balança, a pirâmide,
o cone, o cilindro, o cubo,
o peso, a forma, a proporção, as equivalências.
E o nosso itinerário.
Saem das suas caixas os mistérios:
desenrola-se o mapa dos ossos, com seus nomes;
o sangue desenha sua floresta azul;
cada órgão cumpre um trabalho enigmático:
estamos repletos de esfinges certeiras.
E o nosso corpo.
E os dinossauros são como carros de triunfo,
reduzidos à armação;
e no olho profundo do microscópio
a célula se anuncia.
E o nosso destino.
O professor escreve no quadro o Alfa e o Ômega.
A luz de Sírius ainda lança escadas em contínua cascata.
E lentamente subo e fecho os olhos
e sonho saber o que não se sabe
simplesmente acordado.
Grande aula, a do silêncio.
A NOITE
A noite é essa escuridão tão envolvente
que parece um exercício de morte:
assim vai desaparecendo tudo,
assim desaparecemos dos outros
e de nós.
Apenas respiramos.
Podem cortar esse último fio
— e o tear que somos se imobiliza.
A noite esconde a terra, o céu, a casa,
os vossos rostos.
Estou novamente dentro de uma entranha?
Humana? Cósmica? Em que entranha me aninho,
onde se enrola o novelo da minha memória,
em que cofre, na escuridão?
Nossas asas estão docemente fechadas
e nossos olhos moram no pensamento.
Cada um tem a sua noite.
Cada coisa.
E tudo está na sua noite,
enquanto é noite.
O dia é um bailarino com sinos e espelhos.
Interrompemos a treva onde aprendíamos lembranças;
e somos de repente uns falsos acordados.