LICENÇA!
5 de maio de 2015

Paulo Sabino_Sarau Lgo das Neves_Março 2015

(Paulo Sabino, na leitura de poemas, num dos saraus que vem organizando com amigos.)
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licença, que eu vou cantar, porque cantar é uma bênção.

cantar, isto é, dizer poesia, isto é, escrever poesia, isto é, escrever sobre poesia: uma grande dádiva, um grande presente da vida.

digo & repito: a poesia afia, atiça, aguça, agita, minhas sensibilidade & inteligência. além de ser lugar onde as palavras podem receber os mais arriscados & belos manejos lingüísticos.

eu peço licença para cantar: quem se julga & se pensa capaz de vibrar o canto, assim, sem pedir licença, saiba que a voz é sentença de prender ou libertar, e quando vai pelo ar pode trazer recompensa mas também pode atrasar: o poder atribuído às palavras, de fazer o bem ou de fazer o mal, o poder atribuído às palavras, de materializar alguns pedidos feitos com a voz, sejam pedidos bons ou ruins. a voz, o canto, se dão através da vibração das cordas vocais. antes, é imprescindível vibrar. a voz, o canto, se fazem de vibrações. cantar é vibrar bem ou vibrar mal para alguém ou alguma coisa.

licença, que eu vou cantar, porque cantar é uma bênção.

o canto na imensidão, o canto lançado no ar, é ação & movimento (a ação de cantar os versos, o movimento inerente no dizer as palavras), é força em deslocamento, criação, reprodução: é grão plantado no chão, brotando como alimento, é centelha no momento que se torna combustão. sem dúvida, o verso é o que pode lançar mundos no mundo, é o mais saboroso & nutritivo alimento anímico. poesia é a arte que trabalha, sobretudo, com deslocamentos de linguagem nos seus mais variados sentidos, a fim de que a linguagem alcance & aponte caminhos, atalhos & desvios os mais sortidos; a fim de que afiem, aticem, agucem, agitem, minhas sensibilidade & inteligência.

o canto na imensidão, o canto lançado no ar: mensageiro, guardião, senhor dos quatro elementos, senhor de tudo que vibra (o canto é vibração pura), me dê seu consentimento para eu cantar nesta função: na função de louvá-lo por toda beleza que vejo no canto, por toda beleza que absorvo, respiro, inspiro, e que me inspira, me cativa, me arrebata.

licença, sempre que cantar, porque cantar é uma bênção.

beijo todos!
paulo sabino.
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(autor: Nei Lopes. livro: Poétnica. editora: Mórula Editorial.)

 

 

LICENÇA!

 

Licença, que eu vou cantar
Porque cantar é uma bênção
E quem se julga e se pensa
Capaz de o canto vibrar
Assim, sem pedir licença
Saiba que a voz é sentença
De prender ou libertar
E quando vai pelo ar
Pode trazer recompensa
Mas também pode atrasar.
Licença, que eu vou cantar
Porque cantar é uma bênção.

O canto na imensidão
É ação e movimento,
É força em deslocamento
Criação, reprodução.
É grão plantado no chão
Brotando como alimento,
É centelha no momento
Que se torna combustão.
Mensageiro, guardião
Senhor dos quatro elementos
Me dê seu consentimento
Pra eu cantar nesta função.

DO DESEJO
24 de março de 2015

Flor de mandacaru

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porque há desejo, porque há arbítrio, porque há querer, porque há vontade, porque há apetite, na poeta, é tudo cintilância, é tudo resplandecência, é tudo luz viva, é tudo clarão.

um dia, a poeta despertou.

antes, o cotidiano da poeta era um pensar alturas, o cotidiano da poeta, antes, era o pensamento na esfera celeste, buscando “aquele outro” decantado, procurando “aquele outro” enaltecido, elogiado, puro, o cotidiano da poeta era, antes, catando “aquele outro” surdo à sua humana ladradura, “aquele outro” mouco ao seu latido humano.

“aquele outro” decantado, enaltecido, elogiado, puro, “aquele outro” que, antes, a poeta buscava: deus, criador das criaturas, arquiteto do universo, senhor nas alturas.

um dia, a poeta despertou.

hoje, o amor da poeta, de carne & osso, de visgo & suor, amor terreno, amor de amante, laborioso, lascivo, toma o seu corpo.

um dia, a poeta despertou.

a poeta, antes, sonhava penhascos, sonhava escalar alturas (buscando “aquele outro” decantado), quando havia o jardim, florido, aqui ao lado, ao alcance dos seus pés. a poeta, antes, pensou subidas onde não havia rastros — afinal, por qual caminho, por qual penhasco, subir aos céus a fim de encontrar “aquele outro” decantado? que rastro levaria a poeta ao encontro daquele que é surdo à sua humana ladradura?

um dia, a poeta despertou.

hoje, extasiada do seu amor, a poeta fode com ele — visgo & suor, que nunca se faziam, hoje se fazem — ao invés de ganir diante do nada, ao invés de grunhir diante daquele que, supostamente, se encontra apenas nas alturas, por sobre subidas & penhascos, surdo à sua humana ladradura, deus mouco ao seu latido humano.

um dia, a poeta despertou.

hoje, dedica-se ao seu amor, terreno, amor de amante, de carne & osso, de visgo & suor: colada à boca do amado, a desordem da poeta, que é o seu vasto querer, querer que, de tão vasto, de tão amplo, de tão ancho, abriga a desordem, a indisciplina, a confusão, a incoerência, a alucinação, a loucura.

por causa do amado, por causa do amor que ama, o incompossível, o incompatível, o inconciliável (a desordem da poeta), se fazendo ordem.

colada à boca do amado está a poeta, mas descomedida, árdua, sôfrega (com o seu vasto querer, o seu amplo desejo), como se o amado fosse morrer colado à sua boca, querer afoito, desesperado, desembestado. como se, morrendo, o amado fizesse nascer a poeta de dentro de si. como se o amado fosse o dia magnânimo, o dia claro, o dia luminoso, o dia límpido, e a poeta, ao nascer, sorvesse extremada a luz do amante à luz do amanhecer, na luz que amanhece um novo dia.

colada à boca do amado está a poeta, e descomedida, árdua, sôfrega (com o seu vasto querer, o seu amplo desejo), examina o amado, construtor de ilusões: pois o amor do amado, tão intenso, tão imenso, deixa a impressão de que será eterno, quando, em verdade, como tudo na vida, um dia acabará, um dia morrerá, um dia extinguirá, queiram ou não queiram os amantes.

assim como o dia, o amado: um construtor de ilusões.

um dia, a poeta despertou.

esqueceu “aquele outro” decantado, enaltecido, elogiado, puro, aquele que não lhe dava ouvidos, e, hoje, dedica-se ao seu amor terreno, amor de amante, de carne & osso, de visgo & suor: colada à boca do amado, que é o dia magnânimo de onde nasce, de onde floresce, de onde desperta, a poeta está.

(a poeta fez do amor a sua casa, a sua morada.)

beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Do desejo. autora: Hilda Hilst. editora: Globo.)

 

 

I

 

Porque há desejo em mim, é tudo cintilância.
Antes, o cotidiano era um pensar alturas
Buscando Aquele Outro decantado
Surdo à minha humana ladradura.
Visgo e suor, pois nunca se faziam.
Hoje, de carne e osso, laborioso, lascivo
Tomas-me o corpo. E que descanso me dás
Depois das lidas. Sonhei penhascos
Quando havia o jardim aqui ao lado.
Pensei subidas onde não havia rastros.
Extasiada, fodo contigo
Ao invés de ganir diante do Nada.

 

 

III

 

Colada à tua boca a minha desordem.
O meu vasto querer.
O incompossível se fazendo ordem.
Colada à tua boca, mas descomedida
Árdua
Construtor de ilusões examino-te sôfrega
Como se fosses morrer colado à minha boca.
Como se fosse nascer
E tu fosses o dia magnânimo
Eu te sorvo extremada à luz do amanhecer.

CANÇÃO: POESIA & PROPAGANDA
3 de fevereiro de 2015

Avião (Esquadrilha da Fumaça)_Coração no céu
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na canção que canto, alguns desejos:

que saia, da noite, a última estrela da avareza, que vá embora, da noite, o último brilho da mesquinharia, da usura, da sovinice, e a esperança, e a vontade de uma existência mais sadia, venha arder em nosso peito.

e saiam também, da terra, os rios da paciência, os rios da resignação, os rios da submissão, da renúncia, os rios parados que não nos permitem a navegação. é no mar que a aventura de viver tem as margens que merece: largas, que não se pode enxergar, margens onde não se pode agarrar, a aventura entregue às extensas & profundas águas marinhas, a aventura pondo-se ao sabor do acaso, pondo-se onde o vento decidir ventar.

e saiam todos os sóis que apodreceram no céu dos que não quiseram ver, e saiam todos os sóis que pereceram no céu dos que se recusaram a enxergar o lado feio do mundo — mas que saiam (os sóis que apodreceram no céu dos que não quiseram ver) de joelhos, que saiam conscientes da sua falta, a falta de luz.

e que, das mãos inventivas, das mãos criadoras, das nossas mãos capacitadas, saiam gestos, saiam atitudes, de pura transformação.

entre o real, que são as vivências, e o sonho, que são as projeções, seremos nós a vertigem, seremos nós o desatino, o desvario, a loucura, de pintar o real com as mais variadas cores do sonho feliz de bem-estar a todos.

seja a minha canção, seja a minha voz, a minha poesia, propaganda voraz desses meus desejos:

hei-de mandar arrastar, com muito orgulho, pelo pequeno avião de propaganda, no céu inocente da cidade do rio de janeiro, um dos meus versos, um dos meus mais sonoros & compridos versos:

e certamente será um verso de amor…

(é tudo amor, e mais coisa nenhuma de que sequer se guarde uma lembrança.)

beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Poesias completas. autor: Alexandre O’Neill. editora: Assírio & Alvim.)

 

 

CANÇÃO

 

Que saia a última estrela
da avareza da noite
e a esperança venha arder
venha arder em nosso peito

E saiam também os rios
da paciência da terra
É no mar que a aventura
tem as margens que merece

E saiam todos os sóis
que apodreceram no céu
dos que não quiseram ver
— mas que saiam de joelhos

E das mãos que saiam gestos
de pura transformação
Entre o real e o sonho
seremos nós a vertigem

 

 

POESIA E PROPAGANDA

 

Hei-de mandar arrastar com muito orgulho,
Pelo pequeno avião da propaganda
E no céu inocente de Lisboa,
Um dos meus versos, um dos meus
Mais sonoros e compridos versos:

E será um verso de amor…

REINAUGURAÇÃO
26 de dezembro de 2014

Fogos de artifício sobre o mar______________________________________________________

entre o gasto dezembro, o dezembro desgastado, o dezembro usado, o dezembro que encerra o fim de um ciclo de doze meses, e o florido janeiro, o janeiro em flor, o janeiro repleto de desejos, o janeiro que inaugura o início de um ciclo de doze meses, entre a desmitificação (trazida pelo ano que finda, já gasto) & a expectativa (trazida pelo ano que começa, florido), tornamos a acreditar num futuro melhor, voltamos a ser bons meninos, e, como bons meninos, reclamamos a graça dos presentes coloridos, reivindicamos a dádiva dos presentes desejados.

nossa idade — velho ou moço — pouco importa.

importa é nos sentirmos vivos & alvoroçados mais uma vez, uma vez que ânimo & boa disposição são mais que necessários se se deseja enfrentar a cara feia do mundo cruel, importa é nos sentirmos revestidos de beleza, a exata beleza que vem dos gestos espontâneos, a beleza irretocável que vem dos gestos lhanos, dos gestos sinceros, dos gestos puros, dos gestos verdadeiros, e revestidos do profundo instinto de subsistir, de perdurar, de continuar a existir, enquanto as coisas em redor se derretem & somem como nuvens errantes no universo estável, enquanto as coisas em redor findam & somem — como as coisas têm de findar & sumir.

prosseguimos. reinauguramos. abrimos olhos gulosos a um sol diferente — prenhe de desejos luminosos — que nos acorda para os descobrimentos (“o futuro a deus pertence”, diz o dito popular).

esta é a magia do tempo, esta é a colheita particular, a colheita de cada um, a magia & a colheita que se exprimem no cálido abraço & no beijo comungante da virada do ano, a magia & a colheita que se exprimem no acreditar na vida & na doação de vivê-la em perpétua procura & perpétua criação: prosseguir, reinaugurando-se, reinventando-se, reavaliando-se, com olhos gulosos a um sol diferente, que nos acorda para os descobrimentos, para as conquistas, para as realizações.

assim, desse modo, já não somos apenas finitos & sós: somos uma fraternidade, somos um território, somos um país (tamanha força creditamos em nós & no outro), que começa outra vez no canto do galo de 1º de janeiro & desenvolve na luz o seu frágil, o seu delicado, o seu sensível, projeto de felicidade.

flui a vida como água, pois, como água, a vida se renova, a vida passa & não volta: assim como água, é sempre outra a vida a passar.

se a vida me foge, se de mim a vida parece afastar-se, afago-a em cada esperança nova: prosseguir, reinaugurando-se, reinventando-se, reavaliando-se, com olhos gulosos a um sol diferente, que nos acorda para os descobrimentos, para as conquistas, para as realizações.

sigamos bem. sigamos juntos.

um feliz 2015!

beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Receita de Ano Novo. autor: Carlos Drummond de Andrade. editora: Record.)

 

 

FLUI A VIDA COMO ÁGUA

 

Flui a vida como água,
como água se renova.
Se a vida me foge, afago-a
em cada esperança nova.

 

 

REINAUGURAÇÃO

 

Entre o gasto dezembro e o florido janeiro,
entre a desmitificação e a expectativa,
tornamos a acreditar, a ser bons meninos,
e como bons meninos reclamamos
a graça dos presentes coloridos.
Nossa idade — velho ou moço — pouco importa.
Importa é nos sentirmos vivos
e alvoroçados mais uma vez, e revestidos de beleza, a
exata beleza que vem dos gestos espontâneos
e do profundo instinto de subsistir
enquanto as coisas em redor se derretem e somem
como nuvens errantes no universo estável.
Prosseguimos. Reinauguramos. Abrimos olhos gulosos
a um sol diferente que nos acorda para os
descobrimentos.
Esta é a magia do tempo.
Esta é a colheita particular
que se exprime no cálido abraço e no beijo comungante,
no acreditar na vida e na doação de vivê-la
em perpétua procura e perpétua criação.
E já não somos apenas finitos e sós.
Somos uma fraternidade, um território, um país
que começa outra vez no canto do galo de 1º de janeiro
e desenvolve na luz o seu frágil projeto de felicidade.

NA LUTA, EU SOU MEUS PASSOS
26 de novembro de 2014

Piaba & Paulo Sabino_Diamantina (MG)

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eu sou meus passos bem mais que meu caminho: o meu caminho é tudo aquilo que construí até aqui, é o que se pode ver do meu caminhar, é a minha trajetória. o resto, isto é, o que me resta, é caminho por construir. e caminho por construir é construído a partir dos passos.

eu sou meus passos bem mais que meu caminho: o meu caminho é a estrada delineada até então, o que passou, o que não mais me cabe. os meus passos são o presente, o agora, o que está sendo, o quando: quando ando, quando desando, quando caminho, quando descaminho, quando insisto.

no caminhar, muitos — os que começaram a caminhada antes de mim — vão à frente, outros — os que começarão a caminhada — virão depois, e, ao meu lado, caminha a minha gente, os que começaram a caminhada juntamente comigo, nos simultâneos, nos caminhos coincidentes, e distanciamentos, nos caminhos divergentes.

bochechas de juventude (os mais jovens & o seu porvir), tristes antigamentes (os mais velhos & suas memórias): e cada ser que vai adiante leva seu fardo sozinho, que viver é de cada um, é experiência única, intransferível.

as minhas mãos vão repartindo o alimento (eis, aos senhores, a minha parcela de pão-poesia, o mais rico alimento anímico) & os meus olhos buscam o que, à frente, pode ser sombra lenta (para momentos de total relaxamento), descanso urgente (para momentos mais agitados, mais conturbados), caminho de água corrente (para limpeza & purificação do ser), sussurro de doce acalanto (para o sossego, para a tranqüilidade, do ser).

eu sou meus passos mais que meu caminho & me levo com cuidado, buscando que os meus ombros não se choquem com outros ombros nos assombros do acaso, buscando um caminho que não se choque com o caminho de outros irmãos de trilha nos imprevistos da vida, e buscando que os meus pés não atravessem o desenho de outros pés em seus compassos, buscando um caminho que não atropele o caminho de outros irmãos de trilha nos imprevistos da vida, e que eu não acorde a serpente sob a folhagem nem dê chance da picada do escorpião inclemente: que eu não acorde, que eu não dê chance, aos bichos peçonhentos & seus venenos, dispostos à beira do caminhar.

eu sou meus passos bem mais que meu caminho: e, no caminhar dos passos, a vida do homem é a luta contra a solidão, a vida do homem é a luta contra o galho onde pode esconder-se por medo de viver a vida, a vida do homem é a luta contra o céu sem ninguém, céu vazio, inabitado, onde não se vê luz nem horizontes, onde não se vê nada além.

enquanto a vida do homem é a luta contra a solidão, a vida do poeta é a luta contra o silêncio.

a vida do poeta é a luta contra o silêncio: o silêncio de dentro (quando a alma cala o desejo de dizer alguma coisa em verso) & o de fora (o silêncio do mundo, sua mudez inescrutável), o silêncio do outro (o silêncio que está fora do seu alcance) & o de si (o silêncio que está ao seu alcance mas não sob seu domínio).

a vida do poeta é a luta contra o silêncio: todo dia, toda hora, do nascer até o fim: a vida do poeta é dar voz a verso o mais que puder.

(a voz da poesia é voz que não se cala, que não se pode calar.)

beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: poemAteu. autor: Abel Silva. editora: 7Letras.)

 

 

EU SOU MEUS PASSOS

 

Eu sou meus passos
bem mais que meu caminho
e muitos vão à frente
outros virão depois
e ao meu lado caminha
a minha gente
nos simultâneos e distanciamentos

bochechas de juventudes
tristes antigamentes
e cada ser que vai adiante
leva seu fardo sozinho
que viver é de cada um

as mãos vão dividindo o alimento
e os olhos buscam o que, à frente,
pode ser sombra lenta, descanso urgente,
caminho de água corrente
sussurro de doce acalanto.

Eu sou meus passos
mais que meu caminho
e me levo com cuidado
buscando que os meus ombros
não se choquem com outros ombros
nos assombros do acaso,
e não atravessem o desenho
de outros pés em seus compassos

e que eu não acorde a serpente
sob a folhagem guardada

nem do escorpião inclemente
dê a chance da picada.

 

 

A LUTA

 

A vida do homem
é a luta contra a solidão.
A do poeta
contra o silêncio.

De dentro
e de fora.

Do outro
e de si.

Todo dia
toda hora.

Do nascer
até o fim.

FIBRILAÇÕES: CANTO PARA COMOVER A VIDA
17 de outubro de 2014

Papai_Mamãe_Eu

Jurema Armond_Rosto

Jurema Armond aos 72 anos

(Nas fotos, a grande homenageada: na primeira, aos cinqüenta & alguns anos, entre os dois grandes homens da sua vida; na segunda, aos sessenta & alguns anos; e na terceira, hoje, à beira dos seus 72 anos.)
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daqui a dois dias, isto é, no dia 19 de outubro (domingo próximo), a responsável por trazer ao mundo este que vos escreve vence as suas 72 primaveras, linda como sempre foi, é só olhar as fotos acima.

dona jurema armond, a minha cabocla jurema, não é a grande diva da minha vida apenas por sua beleza física: antes, esta é o reflexo do que vai no seu íntimo. porque dona jurema armond, intimamente, consegue ser ainda mais linda, ainda mais diva.

com ela, aprendi os passos & os caminhos do amor. antes de mais nada, é preciso que se afirme: dona jurema armond nasceu para o amor, dona jurema armond nasceu para o delicado, dona jurema armond nasceu para o pulsar do coração.

(notem que o seu sobrenome, armond, possui as letras que formam a palavra amor.)

sem dúvida, é das pessoas mais amorosas que conheço, se não for a mais amorosa dentre todas.

se hoje sou um homem amoroso, se hoje prezo pelo delicado da vida, se hoje sei que o que mais importa é o que o coração abriga, sou, prezo, sei, por causa dela.

ela é a grande responsável.

o amor que a envolve, o amor que a possui, é das coisas mais fortes & incomensuráveis que conheço.

os diamantes são indestrutíveis? mais é seu amor.

o mar é imenso? seu amor é maior, seu amor é mais belo porque sem ornamentos, porque sem enfeites, mais belo porque puro amor, sem afetações, mais belo do que um campo de flores.

seu amor, o amor de jurema armond, é mais triste do que a morte (minha cabocla, por ser deveras amorosa, sofre deveras de amor), seu amor é mais desesperançado do que a onda batendo no rochedo (minha cabocla, por ser deveras amorosa, sofre ao ver o mundo sofrer, chocando-se contra o indelicado da vida), seu amor é mais tenaz, mais resistente, mais obstinado, que o rochedo (minha cabocla, apesar de sofrer ao ver o mundo sofrer, chocando-se contra o indelicado da vida, preserva, em si, o seu amor ainda mais firme & ainda mais forte que o rochedo, que a pedra no meio do caminho).

o amor de dona jurema armond tanto ama, que, de tão amoroso, nem sabe mais o que ama.

ama tudo que houver para amar. sem restrições.

a ela, a jurema armond, tanto faz: funeral ou festim, tudo é desejo o que nela percute, tudo é desejo o que nela bate com força.

o seu coração, incansável à ressonância das coisas, o seu coração, incansável à reverberação das coisas, o seu coração, incansável à repercussão das coisas, o seu coração bate no compasso das batidas: “amo, te amo, te amo”.

o seu coração só sabe bater & dizer: “amo, te amo, te amo, ó mundo, mundo feito de maldades mas também de lindezas, ó homem, que de tão belo, por toda a riqueza & complexidade de que se constitui o ser humano, me paralisa, me espanta, me sensibiliza”.

e uma língua só, a linguagem do amor, é a que dona jurema armond aprendeu & sabe falar. um só ouvido, não absoluto, um só ouvido sem a capacidade de distinguir os tantos tons do amor, um só ouvido que sabe somente escutar a voz do amor independentemente das suas gradações.

certa erva do campo tem as folhas ásperas, e, ainda que ásperas, “te amo” é o que diz dona jurema armond à aspereza das folhas.

o seu amor pelo mundo, o seu amor pelo homem, o seu amor pelo amor que as coisas têm: o amor causa fibrilações, o amor causa batimentos descompassados no peito, o amor faz estremecer: a relva estremece com o passar do vento. o amor, para ela (para a relva), é a aragem, é o vento que a faz estremecer, que a faz fibrilar.

o amor de dona jurema armond tanto ama, que, de tão amoroso, nem sabe mais o que ama.

ama tudo que houver para amar. sem restrições.

a ela, musa maior da minha vida, às suas 72 primaveras vencidas no dia 19 de outubro, todos os meus salves & todas as minhas loas!

feliz aniversário, mãe! o melhor a você, sempre!

beijo todos!
paulo sabino.

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(do livro: O pelicano. autora: Adélia Prado. editora: Record.)

 

 

PRANTO PARA COMOVER JONATHAN

 

Os diamantes são indestrutíveis?
Mais é meu amor.
O mar é imenso?
Meu amor é maior,
mais belo sem ornamentos
do que um campo de flores.
Mais triste do que a morte,
mais desesperançado
do que a onda batendo no rochedo,
mais tenaz que o rochedo.
Ama e nem sabe mais o que ama.

 

 

FIBRILAÇÕES

 

Tanto faz
funeral ou festim,
tudo é desejo
o que percute em mim.
Ó coração incansável à ressonância das coisas,
amo, te amo, te amo,
assim triste, ó mundo,
ó homem tão belo que me paralisa.
Te amo, te amo.
E uma língua só,
um só ouvido, não absoluto.
Te amo.
Certa erva do campo tem as folhas ásperas
recobertas de pêlos,
te amo, digo desesperada
de que outra palavra venha em meu socorro.
A relva estremece,
o amor para ela é aragem.

O VENTO DE LÁ IMBELEZÔ EU
18 de junho de 2014

Maria Bethânia_PB

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hoje é o dia dela.

foi com ela, foi através da sua voz, que a poesia chegou até mim, conquistando minha sensibilidade & coração.

com ela aprendi que, na arte do verso como ofício, o que deve prevalecer, acima de tudo, é a verdade.

as escolhas devem perpassar, sempre, a emoção. as escolhas devem, sempre, despertar a atenção & emocionar a sensibilidade.

a voz que empresto à poesia, esta não deve, não pode, mentir: “eu minto mas minha voz não mente”.

a minha ambição com a palavra converge com a beleza que, nela, na aniversariante do dia, na sua carreira artística, coerente com as suas escolhas & verdades, encontro.

na arte da palavra, assim como ela, desejo seguir com o máximo de integridade.

há quase 38 anos, que é a minha quase idade, ela vem embelezando a minha existência com seu canto de amor & poesia.

a sua mão, que me tocou, embelezou eu.

embelezou eu, embelezou a vida, embelezou os palcos, com o vento da sua roda & saia a girar no compasso do seu gestual.

o vento da sua roda & saia a girar no compasso do seu gestual: o vento de iansã, dominador, que dorme & se agita no rodopio dos seus pés, sempre descalços.

a ela, à abelha-rainha, primeira-dama da canção na minha vida, esta singela homenagem pelos seus 68 anos neste 18 de junho.

salve maria bethânia!
salve a sua existência na minha!

beijo todos!
paulo sabino.
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(do encarte do cd: Meus quintais. artista: Maria Bethânia. autor dos versos: Roque Ferreira. gravadora: Biscoito Fino.)

 

 

IMBELEZÔ EU / VENTO DE LÁ

 

Só sem amor a dor me aconteceu
Você chegou e embelezou, embelezou eu
Embelezou eu, embelezou eu
Alecrim beira d’água
Que me beijou percebeu
Alguma coisa em mim aconteceu
A mão que me tocou
Embelezou eu
Embelezou eu, embelezou eu
Embelezada no espelho da paixão
Tô amarrada no cais do coração
Que me tomou e me prendeu
Embelezou, embelezou, embelezou eu
Embelezou eu, embelezou eu, embelezou, embelezou
Embelezou eu

Foi o vento de lá
Foi de lá que chegou
Foi o vento de Iansã
Dominador que dormia nos braços da manhã
E despertou

Mestre Chico jangadeiro
Depois de olhar o céu
Guardou a rede de arrasto
Não foi pescar xaréu
Mercador que foi pra feira
Não encontrou freguesia
E não teve capoeira
Que mostrasse valentia

Foi o vento de lá
Foi de lá que chegou
Foi o vento de Iansã
Dominador que dormia nos braços da manhã
E despertou

Lia que nunca rezava
Foi rezar naquele dia
O querer por quem chorava
Voltou pra sua companhia
A barra do mar fechava
Mas a flor do amor se abria
Lia foi sambar só, foi sambar só
Lia foi sambar só na ventania

Foi o vento de lá
Foi de lá que chegou
Foi o vento de Iansã
Dominador que dormia nos braços da manhã
E despertou
Lia foi sambar só, foi sambar só
Lia foi sambar só na ventania

Lia foi sambar só, foi sambar só
Lia foi sambar só na ventania

Embelezou eu, embelezou eu
Embelezou, embelezou
Embelezou eu
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(do site: Youtube. áudio extraído do álbum: Meus quintais. artista & intérprete: Maria Bethânia. autor da canção: Roque Ferreira. gravadora: Biscoito Fino.)

WAVE
6 de maio de 2014

Barco a vela

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para Péricles Cavalcanti, pelo seu aniversário hoje

 

wave: palavra da língua inglesa que significa: onda: eis, aqui, a minha grande onda:

gasto muitos cardumes de versos compondo músicas para a vida: gasto gestos louvando a vida: gasto vida por ela (pela vida): e faz sentido o gasto, o pasto, o boi, o homem: plantios diversos: faz sentido uma série de gastos que promove o bem-estar existencial: plantios diversos: o aconchego da pessoa amada, a comida cheirosa posta à mesa, o encontro com o mar, a luz de um dia outonal, o sorriso dos amigos, a leitura de poemas.

temos vida em cada cova que nos cava a vida, ou que cavamos na vida, com o passar do tempo, pois, em cada cova, uma experiência que marca mas que passa, a fim de que uma outra chegue: em cada cova escavada, seja para o plantio da semente de algo que florescerá, seja para o sepultamento de algo que não nos serve mais, a renovação da vida que nos vê passar trilhafora.

gasto dias poemando a vida, homenageando-a, celebrando-a: punheta adolescente: prazer aprendiz, gozo gostoso, vontade alegre de permanecer dentro da vida, de pertencer a ela, apesar dos pesares.

em nome dela, da vida que se renova em cada cova, em cada fenda aberta (seja para o plantio da semente de algo que florescerá, seja para o sepultamento de algo que não nos serve mais), minha poesia de navio, de barco, minha poesia itinerante, errática, minha poesia destinada a navegar sempre; em nome dela, da vida que se renova em cada cova, em cada fenda aberta, minha poesia vela, cuida, zela.

em nome dela, da vida que se renova em cada cova, em cada fenda aberta (seja para o plantio da semente de algo que florescerá, seja para o sepultamento de algo que não nos serve mais), minha poesia de navio, de barco, minha poesia “vela”, minha poesia peça de tecido usada para a propulsão eólica da embarcação em que sigo singrando os mares da vida, eu, o antinavegador de moçambiques, goas, calecutes.

beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Euteamo e suas estréias. autora: Elisa Lucinda. editora: Record.)

 

 

WAVE

 

Gasto muitos cardumes de versos
compondo músicas pra vida
Gasto gestos louvando a vida
Gasto vida por ela
e faz sentido o gasto
o pasto
os bois
o homem
plantios diversos.
Temos vida em cada cova
Cada uma
se renova
pra nos ver passar.

Gasto dias poemando a vida
homenageando-a
celebrando-a
punheta adolescente

Em nome dela
minha poesia
de navio
de barco
minha poesia vela.

PRINCIPALMENTE: A VOZ DO MAR
17 de abril de 2014

O mar & sua voz

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sempre fui bem tratado, sempre fui tratado bem, com carinho, com respeito, sempre vontades satisfeitas. por isso mesmo, sempre fui bem tratado, sempre fui muito tratado, sempre fui bastante tratado, como um príncipe.

com isso, fui me afeiçoando aos privilégios, aos florilégios (às coleções de flores devidamente escolhidas), às vilegiaturas (às férias que se passa fora dos centros urbanos, no campo, na praia, na montanha, no deserto), que me couberam neste reino — que é a vida — etéreo (sublime, magnífico, elevado, e também vaporoso) & ao mesmo tempo deletério (aviltante, insalubre, danoso).

a vida, sabe-se, possui a sua faceta exuberante como também a faceta cariada, feia, cheia de tristezas.

além disso, neste reino que é a vida, etéreo & deletério, o esquecimento é tão inevitável quanto a vida & a morte é toda feita de mistério.

a vida é uma coisa da qual não se pode dispor. não conhecemos o suficiente para saber, apreender, o que é a existência mundana & universal — a morte, para nós, ainda é um mistério, não se sabe muito a respeito dela, para onde vamos, se é que vamos para algum lugar além das nossas sepulturas, nem nunca podemos ter a apreciação total das nossas próprias vidas, pois, pelo caminho, vamos deixando acontecimentos para trás, justamente porque o esquecimento é tão inevitável quanto a vida.

procuro ouvir a minha sorte, procuro ouvir o que me destina o destino (será que existe destino?), nos meus búzios, como o — poeta olavo — bilac ouvia suas estrelas (vide o poema feito pelo poeta, “ouvir estrelas”), coisa que nunca ouvi, mas compreendi (a minha sorte), mesmo não tendo credo acreditável, mesmo não tendo crença crível, mesmo não tendo credo no qual se possa confiar & acreditar.

assim, bicho homem sem credo no qual se possa confiar & acreditar, fui construindo meu edifício sobre essa arquitetura de quimeras (na vida, sempre fui bem tratado, sempre fui tratado bem, com carinho, com respeito, sempre vontades satisfeitas, e, por isso mesmo, sempre fui bem tratado, sempre fui muito tratado, sempre fui bastante tratado, como um príncipe), cujo arquiteto (o arquiteto dessa arquitetura de quimeras que é a vida: “deus”, ou como quer que se chame a força criadora do universo) talvez fosse cego (construindo tal arquitetura às escuras), ou gênio (construindo tal arquitetura com total entendimento do que construía), ou talvez fosse, simplesmente, ausente (simplesmente inexistente, e a vida, um grande capricho do acaso).

neste reino etéreo & deletério, fundo a minha voz, inauguro o meu canto: na nave língua em que me navego, só me navego “eu”, como “nave”, sendo língua.

(“navego”: na palavra em destaque, duas outras palavras cabem, duas outras palavras formam a palavra “navego”: “nave” + “ego”, que é o mesmo que “eu”. é na língua que posso, através das palavras, me fazer “nave”, e, com elas, o “ego” “navego”.)

na nave língua em que me navego, língua na qual em/barco, só me navego “eu” (“ego”), como “nave”, sendo língua.

a língua é minha pátria. eu canto, falo, declamo, exponho, penso, logo existo, em língua portuguesa.

me navego em língua, “nave” & “ave”.

(“navego”: na palavra em destaque, além de caberem as palavras “nave” & “ego”, uma outra também cabe: “ave”.)

em língua me navego, “nave” que me permite viajar caminho afora, “ave” que me leva em suas asas, na minha tentativa de vôos altos por sobre a vida.

eu sou sol, luz, eu esplendo, eu resplandeço, eu brilho intensamente, sendo sonhador (afinal, fui construindo meu edifício sobre essa arquitetura de quimeras), eu, sendo esplendor, sendo brilho intenso, eu espelho especiaria, sou como o conjunto de temperos que dá aroma & sabor, eu, navegante (dos mares da vida), sou o antinavegador de moçambiques, goas, calecutes, o antinavegador porque nunca me aventurei a descobertas ultramarinas, o antinavegador porque nunca me prontifiquei a vencer os mares em busca de reinos perdidos & tesouros inexplorados, eu, que dobrei & venci o cabo da esperança (sentimento de quem confia na realização daquilo que deseja), eu, que desinventei o cabo das tormentas (das tempestades violentas, das situações conturbadas & perturbadoras), eu, que inventei o vento que me carregou nas minhas andanças, eu, que inventei a “taprobana”, a ilha que só existe na minha ilusão (“taprobana” é o nome pelo qual a ilha de sri lanka era conhecida na antigüidade), eu, que inventei a ilha que não há, talvez “ceilão”, sei lá (“ceilão” foi como a ilha de sri lanka foi denominada até 1972), eu, que inventei o mapa, o astrolábio, a embarcação, a rota, só sei que fui em busca dos meus interesses & sonhos & nunca mais voltei.

me derramei & me mudei em mar — virei a sua voz, me transformei no seu canto, só sei que me morri de tanto amar na aventura das velas caravelas (por todo o fascínio que sempre me despertaram as grandes navegações & suas expedições mundo afora), só sei que morri de tanto amar em todas as saudades de aquém-mar, em todas as saudades que ficam, que permanecem, na parte de cá, neste lado daqui, de quem nunca se lançou em aventuras de além-mar, de quem, viajando em sonhos & desejos, fundou o seu edifício neste reino etéreo & deletério, fundou o seu edifício sobre essa arquitetura de quimeras, cujo arquiteto talvez fosse cego, ou gênio, ou, simplesmente, ausente.

beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Poemas reunidos. autor: Geraldo Carneiro. editoras: Nova Fronteira / Fundação Biblioteca Nacional.)

 

 

PRINCIPALMENTE

 

sempre fui bem tratado como um príncipe
e fui me afeiçoando aos privilégios
aos florilégios e às vilegiaturas
que me couberam neste reino etéreo
e deletério, porque o esquecimento
é tão inevitável quanto a vida
e a morte é toda feita de mistério.
procuro ouvir a sorte nos meus búzios
como o Bilac ouvia suas estrelas,
coisa que nunca ouvi, mas compreendi
mesmo não tendo credo acreditável.
fui construindo assim meu edifício
sobre essa arquitetura de quimeras,
cujo arquiteto talvez fosse cego,
ou gênio, ou simplesmente ausente.

 

 

A VOZ DO MAR

 

na nave língua em que me navego
só me navego eu nave sendo língua
ou me navego em língua, nave e ave.
eu sol me esplendo sendo sonhador
eu esplendor espelho especiaria
eu navegante, o antinavegador
de Moçambiques, Goas, Calecutes,
eu que dobrei o Cabo da Esperança
desinventei o Cabo das Tormentas,
eu que inventei o vento e a Taprobana,
a ilha que só existe na ilusão,
a que não há, talvez Ceilão, sei lá,
só sei que fui e nunca mais voltei
me derramei e me mudei em mar;
só sei que me morri de tanto amar
na aventura das velas caravelas
em todas as saudades de aquém-mar

DESEJO INCONTIDO: O AMOR & O TEMPO
12 de março de 2014

RM 1

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para r.m.

 

no amor, nada, além do amor, importa.

o tempo não faz a menor diferença: voa ou se arrasta, dependendo, única & exclusivamente, da maré do amor.

o meu amor, eu o deixei fisicamente no domingo passado. hoje, quarta-feira. nem três dias ainda completos. a saudade, a vontade, o desejo, tudo me leva a crer que eu o deixei numa estação longínqua, para uma viagem, há meses atrás.

a urgência de amor é tamanha que tudo o que se quer é tê-lo fisicamente o máximo de vezes, tudo o que se quer é a sua cara limpa, lavada, banhada em luz, abrilhantando o ambiente, tudo o que se quer é sua presença feita de boca, cheiros, toques, olhares, sussurros & prazeres, a todo o instante, sem preocupações com o tempo que corre para fora do seu círculo.

o meu amor é uma preciosidade sem fim em tão pouco tempo…

mas o que, de fato, importa?

o amor não mede tempo: a ele, tempo é nada.

pois, no amor, nada, além do amor, importa.

ao amor, “não existe mais concessão: eu só digo sim mesmo quando digo não”.

beijo todos!
paulo sabino.
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(Autor: Paulo Sabino.)

 

 

DESEJO INCONTIDO

 

Ser o seu colorido
Arder em febre de amor descomedido
Ferir a noite taciturna
E repousar sobre a rosa noturna