AO DOBRAR UMA ESQUINA, A DEVORAÇÃO DA PAISAGEM
15 de dezembro de 2011

 
(Paulo Sabino em devoração da paisagem.) 
_____________________________________________________________
 
a sombra, como uma carícia, toma o meu corpo inteiro e se refina, e torna-se mais requintada, ainda mais fresca, ao toque dos dedos & lábios do vento.
 
sensação refrescante, confortável, feliz.
 
a mente se ergue, comovida, diante de um estar a que aspira.
 
a mente também deseja a vivência de um sombreado-carícia acompanhado do vento & seu frescor.
 
a mente se ergue comovida diante de um estar a que aspira, mas que é contrário às condições em que habita.
 
afinal, a mente trabalha o obscuro, o que corrói, o que faz sofrer, a mente trabalha o que, se não bem dosado, pode aniquilar.
 
na mente, não só o vento-brisa, que acaricia. na mente, ventos se enfrentam de todos os lados e as sombras são outras — sombras que impedem a visão.
 
incertezas, dúvidas, medos, hesitação, apreensão: tudo isso fabricado pela mente, sombras que impedem a visão.
 
incertezas, dúvidas, medos, hesitação, apreensão: um desabrigo (total) que nos impõe a disciplina, o rigor, o hábito, de construir o nosso próprio clima — se pegamos a tempestade e fazemos com que passe, permitindo a vinda de tempos melhores, ou se transformamos qualquer chuvinha no pior dos temporais.
 
somos nós os responsáveis por construir o nosso próprio clima — se vento, se ventania, se vendaval.
 
na construção do meu clima, devorar paisagens é de suma relevância.
 
o mar, o rio, o bicho, a flor, a montanha, o céu, o arvoredo, o casario, o desenho das nuvens, o vôo dos pássaros, o homem que passa, tudo isso me desperta — cores que ultrapassam distâncias, sugestão de texturas nas paisagens que desnudo sem pudor.
 
de repente, o que é só paisagem — diante das retinas — se contrai ao ver irromper, ao ver surgir, de algum lugar, a fera.
 
a fera: a mente, que entope a paisagem de significados que de nada servem.
 
ou que, pelo menos, servem (os significados) a quem os cria: é assim que a fera-mente realimenta a sua fome, é assim que a fera-mente reinventa o seu estar no mundo, contra o desabrigo (incertezas, dúvidas, medos, hesitação, apreensão) que nos abriga.
 
que saibamos construir o nosso próprio clima, bem devorando as paisagens que nos cercam & nos cabem.
 
beijo todos!
paulo sabino.  
____________________________________________________________
 
(do livro: Margem de uma onda. autor: Duda Machado. editora: Editora 34.)
 
 
 
AO DOBRAR UMA ESQUINA
 
 
a sombra como uma carícia
toma o corpo inteiro e se refina
mais ainda ao toque dos dedos
e lábios do vento
 
a mente se ergue comovida
diante de um estar a que aspira
mas tão contrário às condições
em que habita
 
onde ventos se enfrentam de todos
os lados e as sombras
são outras
— que impedem a visão
 
um desabrigo que nos
impõe a disciplina
de construir
nosso próprio clima
 
 
 
DEVORAÇÃO DA PAISAGEM
 
 
À esquerda, o morro. Logo
adiante casas, o arvoredo
vário. Um pouco abaixo,
a estrada, o riacho.
 
Cores que ultrapassam distâncias,
sugestões de textura
entre vegetação e vento;
o olhar que erra e se prolonga
em busca de sua moradia.
 
De algum lugar,
diante das retinas,
a fera irrompe
e de pronto,
a paisagem se contrai.
 
Já é presa,
repasto de significados
com que a fera
realimenta sua fome.

A UM APOSTADOR
4 de novembro de 2009

moças, rapazes,
 
tô com o poema e não abro: o páreo é dentro, é interno, é em mim, e corro por fora, para melhor observar, observar de fora, da margem, do alto, por sobre, aéreo, mas aéreo e atento, lúcido, para melhor mirar, para melhor reter.
 
essa é a minha aposta.

e fim.

 
aproveitem as linhas!
 
beijo!
o preto.
_______________________
 
(autor: Duda Machado. livro: Crescente. editora: Duas Cidades.)
 
A um apostador
 
pra mim

o páreo
é dentro

corro
por fora

(aéreo,
atento)

e fim.