UM MUNDO DENTRO DO MUNDO
28 de junho de 2011

benvindos,
 
deixo-os com estas comoventes & emocionadas palavras do escritor uruguaio eduardo galeano.
 
o mundo, a vida, as coisas são feitas de possibilidades. nada é determinado para sempre; a natureza nos mostra que tudo está em constante mutação, em permanente transformação. como o mundo, nós operamos mudanças com o passar do tempo.
 
nada é determinado para sempre — fora a morte, que é o oposto de tudo o que vive —.
 
há um mundo, melhor, a ser gestado dentro deste mundo cheio de entraves & dificuldades.
 
vamos juntos atrás desse mundo melhor, vivendo o “é”, vivendo o presente, e deixando o “porvir” (o futuro) ao porvir, e que, nele, no mundo melhor a ser gestado dentro deste mundo, a poesia dite/diga os passos.
 
creiam: com poesia os passos são mais bem firmados.
 
beijo todos!
paulo sabino.
___________________________________________________________________________________________________________
 
(do site: Youtube. palavras de: Eduardo Galeano.)  
 
 
 
 

A ARTE PARA AS CRIANÇAS
22 de setembro de 2009

porque, no fundo, não passamos de velhas crianças — que bom! a notar pelo segundo texto que segue (rs).
 
beijo nocês tudo!
paulo sabino / paulinho.
_______________________________________________
 
A arte para as crianças 
 
Ela estava sentada numa cadeira alta, na frente de um prato de sopa que chegava à altura de seus olhos. Tinha o nariz enrugado e os dentes apertados e os braços cruzados. A mãe pediu ajuda:
 
Conta uma história para ela, Onélio —. Pediu — Conta, você que é escritor…
 
E Onélio Jorge Cardoso, esgrimindo a colher de sopa, fez seu conto:
 
Era uma vez um passarinho que não queria comer a comidinha. O passarinho tinha o biquinho fechadinho, fechadinho, e a mamãezinha dizia: “Você vai ficar anãozinho, passarinho, se não comer a comidinha”. Mas o passarinho não ouvia a mamãezinha e não abria o biquinho… 
 
E então a menina interrompeu:
 
Que passarinho de merdinha — opinou.
________________________________________________
 
Crônica da cidade de Havana
 
Os pais tinham fugido para o Norte. Naquele tempo, a revolução e ele eram recém-nascidos. Um quarto de século depois, Nelson Valdés viajou de Los Angeles a Havana, para conhecer seu país.
 
A cada meio-dia, Nelson tomava o ônibus, a guaga 68, na porta do hotel, e ia ler livros sobre Cuba. Lendo passava as tardes na biblioteca José Martí, até que a noite caía.
 
Naquele meio-dia, a guaga 68 deu uma violenta freada num cruzamento. Houve gritos de protesto, pela tremenda sacudida, até que os passageiros viram o motivo daquilo tudo: uma mulher prodigiosa, que tinha atrevessado a rua.
 
— Me desculpem, cavalheiros — disse o motorista da guaga 68, e desceu. Então todos os passageiros aplaudiram e lhe desejaram boa sorte.
 
O motorista caminhou balançando, sem pressa, e os passageiros viram como ele se aproximava da saborosa mulher que estava na esquina, encostada no muro, lambendo um sorvete. Da guaga 68 os passageiros seguiam o ir-e-vir daquela lingüinha que beijava o sorvete enquanto o motorista falava sem resposta, até que de repente ela riu, e brindou-lhe um olhar. O motorista ergueu o polegar e todos os passageiros lhe dedicaram uma intensa ovação.
 
Mas quando o chofer entrou na sorveteria, produziu-se uma certa inquietação generalizada. E quando depois de um instante saiu com um sorvete em cada mão, espalhou-se o pânico nas massas.
 
Tocaram a buzina. Alguém grudou-se na buzina com alma e vida, e tocou a buzina como alarme de roubos ou sirena de incêndios; mas o motorista, surdo, continuava grudado na perigosa mulher.
 
Então avançou, lá dos fundos da guaga 68, uma mulher que parecia uma bala de canhão e tinha cara de mandona. Sem dizer uma palavra, sentou-se no assento do chofer e ligou o motor. A guaga 68 continuou sua rota, parando nos pontos habituais, até que a mulher chegou no seu próprio ponto e desceu. Outro passageiro ocupou seu lugar, durante um bom trecho, de ponto em ponto, e depois outro, e outro, e assim a guaga 68 continuou até o fim.
 
Nelson Valdés foi o último a descer. Tinha esquecido a biblioteca.
 
(Textos extraídos da obra O livro dos abraços, de Eduardo Galeano, e tradução de Eric Nepomuceno)

PARADOXOS
22 de setembro de 2009

Se a contradição for o pulmão da história, o paradoxo deverá ser, penso eu, o espelho que a história usa para debochar de nós.
 
Nem o próprio filho de Deus salvou-se do paradoxo. Ele escolheu, para nascer, um deserto subtropical onde jamais nevou, mas a neve se converteu num símbolo universal do Natal desde que a Europa decidiu europeizar Jesus. E para mais inri, o nascimento de Jesus é, hoje em dia, o negócio que mais dá dinheiro aos mercadores que Jesus tinha expulsado do templo.
 
Napoleão Bonaparte, o mais francês dos franceses, não era francês. Não era russo Josef Stálin, o mais russo dos russos; e o mais alemão dos alemães, Adolf Hitler, tinha nascido na Áustria. Margherita Sarfatti, a mulher mais amada do anti-semita Mussolini, era judia. José Carlos Mariátegui, o mais marxista dos marxistas latino-americanos, acreditava fervorosamente em Deus. O Che Guevara tinha sido declarado completamente incapaz para a vida militar pelo exército argentino.
 
Das mãos de um escultor chamado Aleijadinho, que era o mais feio dos brasileiros, nasceram as mais altas formosuras do Brasil. Os negros norte-americanos, os mais oprimidos, criaram o jazz, que é a mais livre das músicas. No fundo de um cárcere foi concebido o Dom Quixote, o mais andante dos cavaleiros. E cúmulo dos paradoxos, Dom Quixote nunca disse sua frase mais célebre. Nunca disse: Ladram, Sancho, sinal que cavalgamos.
 
“Acho que você está meio nervosa”, diz o histérico. “Te odeio”, diz a apaixonada. “Não haverá desvalorização”, diz, na véspera da desvalorização, o ministro da Economia. “Os militares respeitam a Constituição”, diz, na véspera do golpe de Estado, o ministro da Defesa.
 
Em sua guerra contra a revolução sandinista, o governo dos Estados Unidos coincidia, paradoxalmente, com o Partido Comunista da Nicarágua. E paradoxais foram, enfim, as barricadas sandinistas durante a ditadura de Somoza: as barricadas, que fechavam as ruas, abriam o caminho.
 
(autor: Eduardo Galeano. livro: O livro dos abraços. tradução: Eric Nepomuceno. editora: L&PM Editores)

CHAMAMENTO
19 de agosto de 2009

amamento chama: chamamento: 

qualquer chamamento que se dê sem o uso de forças que não a da vontade primacial, qualquer chamamento que se faça de maneira natural, cuja intenção primeira seja a necessidade última do que é chamado, sem se pensar utilidades & finalidades, é um tipo de amor.  

considero justa toda forma de amor. 

amem. amamentem os chamamentos, amamentem as chamas.  

(morramos de amor morro abaixo.) 

um beijo em vocês,

o preto,

paulinho / paulo sabino.

_______________________________________________

As chamadas 

A lua chama o mar e o mar chama o humilde fiapinho de água, que na busca do mar corre e corre de onde for, por mais longe que seja, e correndo cresce e avança e não há montanha que pare seu peito. O sol chama a parreira, que desejando sol se estica e sobe. O primeiro ar da manhã chama os cheiros da cidade que desperta, aroma de pão recém-dourado, aroma do café recém-moído, e os aromas do ar que entram e do ar se apoderam. A noite chama as flores da dama-da-noite, e à meia-noite em ponto explodem no rio esses brancos fulgores que abrem o negror e se metem nele e o rompem e o comem.  

O diagnóstico e a terapêutica  

O amor é uma das doenças mais bravas e contagiosas. Qualquer um reconhece os doentes dessa doença. Fundas olheiras delatam que jamais dormimos, despertos noite após noite pelos abraços, ou pela ausência de abraços, e padecemos febres devastadoras e sentimos uma irresistível necessidade de dizer estupidezes. 

O amor pode ser provocado deixando cair um punhadinho de pó de me ame, como por descuido, no café ou na sopa ou na bebida. Pode ser provocado, mas nada pode impedi-lo. Não o impede nem a água benta, nem o pó de hóstia; tampouco o dente de alho, que nesse caso não serve para nada. O amor é surdo frente ao Verbo divino e ao esconjuro das bruxas. Não há decreto de governo que possa com ele, nem poção capaz de evitá-lo, embora as vivandeiras apregoem, nos mercados, infalíveis beberragens com garantia e tudo.

A pequena morte 

Não nos provoca riso o amor quando chega ao mais profundo de sua viagem, ao mais alto de seu vôo: no mais profundo, no mais alto, nos arranca gemidos e suspiros, vozes de dor, embora seja dor jubilosa, e pensando bem não há nada de estranho nisso, porque nascer é uma alegria que dói. Pequena morte, chamam na França a culminação do abraço, que ao quebrar-nos faz por juntar-nos, e perdendo-nos faz por nos encontrar e acabando conosco nos principia. Pequena morte, dizem; mas grande, muito grande haverá de ser, se ao nos matar nos nasce. 

(Todos os textos extraídos da obra: O livro dos abraços, autor: Eduardo Galeano, tradução: Eric Nepomuceno, editora: L&PM Editores)