SONETOS DA PORTUGUESA
11 de agosto de 2011

benvindos,
 
como já anunciado neste espaço, a editora rocco me pediu o release, que é um texto de divulgação à mídia, para o lançamento dos sonetos da portuguesa, de elizabeth barrett browning, com tradução de leonardo fróes.
 
como existe um limite de linhas para o texto, ele foi editado pela rocco.
 
abaixo, o release na íntegra.
 
abaixo do release, uma seleção dos sonetos.
 
boa leitura!
 
beijo todos!
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(release do livro: Sonetos da portuguesa, de Elizabeth Barrett Browning. autor do release: Paulo Sabino.)
 
 
A poeta inglesa da era vitoriana Elizabeth Barrett Browning é uma célebre autora, aclamada em todo o mundo pela crítica especializada.
 
Em 1847, publicou a reunião de poemas intitulada “Sonnets from the Portuguese” (“Sonetos da Portuguesa”), que a editora Rocco lança com tradução e posfácio (uma breve biografia da escritora) de Leonardo Fróes.
 
Os sonetos narram a invulgar e imprevisível história de amor de Elizabeth com o também poeta, e conterrâneo, Robert Browning, oito anos mais jovem que a escritora. Seu romance, à época, com o incipiente e jovem poeta, inicia quando a escritora está com os seus 40 anos, idade avançada para uma mulher da metade do século XIX. Não bastasse a idade, Elizabeth tinha ordens expressas do seu excêntrico pai, Mr. Barrett, um homem rico, herdeiro de plantações na Jamaica, para nunca se casar na vida; caso contrário seria deserdada, além de não mais poder ver o pai.
 
Apesar da séria intimação paterna, a poeta, que vivia trancada em casa e era dada como “inválida”, não resistiu ao sentimento que começou a nascer após iniciar correspondência com aquele que viria a ser o seu marido, até a sua morte. À época da troca de cartas, Elizabeth tornava-se cada vez mais conhecida, através de sua literatura, na Inglaterra e nos Estados Unidos, desde que seus poemas reunidos foram publicados em dois volumes. Portanto, era natural que, no seu cotidiano, recebesse cartas dos seus leitores. A primeira missiva enviada por Robert Browning demonstrava o seu profundo conhecimento sobre a sua obra e um grande amor pela mulher (mesmo sem Robert conhecê-la pessoalmente), o que despertou o interesse de Elizabeth. Ao longo de 20 meses, foram um total de 574 cartas trocadas entre os missivistas, que culminaram no casamento.
 
Durante a troca de correspondência, Elizabeth Barrett Browning foi, passo a passo, delineando os seus sonetos. Por isso os seus versos abrigam, segundo o tradutor e poeta Leonardo Fróes, “três movimentos de definição muito clara: o da recusa inicial da amada, o do contágio do amor que se propaga (…) e o do coroamento glorioso do encontro (…)”.
 
Ainda que exista o movimento inicial da recusa, no primeiro soneto a poeta demonstra indícios do seu interesse pelo “amor”: “(…) E então notava / Que uma mística forma se movia / Por trás; pelo cabelo me puxava, / Impondo-me na voz supremacia. / ‘É a morte que me agarra?’ eu perguntava. ‘É amor’, a voz de prata me dizia”.
 
Nos demais sonetos que seguem, fica clara a descrença de Elizabeth de que o amor poderia flosrecer. A poeta aposta na crença de que aquele amor morreria antes mesmo de começar de fato. Afirma num verso que encerra um poema: “Lugar de encontro a Morte há de cavar”. Enquanto, segundo Elizabeth, Robert Browning era um “grácil cantor de alta poesia”, ela chora em campo aberto o seu estado de desolação para com a vida — mulher frágil e doente. O tempo todo, no primeiro movimento, a autora dos sonetos tenta mostrar as diferenças existentes a fim de ratificar os destinos desencontrados de um e de outro.
 
Até que Elizabeth começa a dar vestígios do contágio do amor. Um sentimento de inquietação brota das linhas poéticas, nasce de quem começa a ceder aos encantos do amor, ainda com dúvidas e apreensões. Verseja que o melhor seria o afastamento do pretendente devido ao seu modo de existir, soturno e solitário, modo que, acreditava a poeta, não perderia por causa de sortilégios amorosos. Diz-se não feita para o amor, mostra-se insegura quanto ao que pode ofertar de sentimento ao amado e desconfiada sobre o rumo a ser tomado: “Por minha vez, que posso dar-te, ó puro / E nobre doador que a honra e o ouro / De um coração trouxeste sem desdouro, / Depondo-os fora, lá ao pé do muro, / Para alguém como eu pegar ou não / Tão súbita largueza? Serei fria, / Ingrata, que não dê a esta honraria, / À grande oferta, retribuição? (…) / As lágrimas frequentes / Lavaram toda a cor de minha vida”.  
 
Contudo, os sonetos seguintes comprovam a sua decisão final, que foi a de acolher e viver a sua história com Robert Browning: “Porém o amor, o puro amor, é lindo, / Merece aceitação (…)”. Mostram a importância do seu amado em sua vida, capaz de estirpar o medo antes existente e de cingir de cor o coração da poeta: “Como és nobre porém, como és um rei, / E que nisso por certo me dominas, / Podes vencer o medo meu e apenas / Cingir de cor meu coração que hei / De ver crescer junto do teu lembrando / Como tremia só (…)”.
 
Nessa parte, a última dos sonetos, que retrata, segundo Leonardo Fróes, o “coroamento glorioso do encontro”, Elizabeth, inclusive, pede desculpas por sua repulsa inicial, mostrando as razões que fizeram-na duvidar, cega, da pura feição do amor do seu então futuro marido, preferindo, durante um tempo, acreditar que o sentimento que Robert Browning lhe nutria não passava de uma mera imitação do amor. 
 
Encerra, lindamente, falando dos seus modos de amar o seu amado, no “soneto 43”, um dos mais famosos do livro, também traduzido por Manuel Bandeira, e mostrando a sua delicadeza na entrega do sentimento. Esclarece, no “soneto 44”, que, por maiores a dedicação e o afeto, as agruras e dificuldades estariam dispostas no balaio da relação. Junto às “rosas silvestres” que Elizabeth oferta a Robert Browning, das quais a poeta se diz “o chão”, há a entrega “de ervas amargas, cardos e lamentos”, incumbência dada ao amado, incumbência de cuidar das plantas daninhas que também surgem no jardim do amor.
 
Ao que consta, Robert soube cumprir a sua missão de salvaguardar o jardim de Elizabeth Barrett Browning. “Sonetos da Portuguesa” é uma obra, acima de tudo, existencialista, pois, ao narrar liricamente a história de amor dos dois poetas, nos confronta com sentimentos que existem em nós: os medos, as dúvidas, as inquietações e a aceitação de um sentimento que amedronta, como versejou Caetano Veloso, “pela sua grandeza”.
 
É praticamente impossível ler este livro e não se sentir profundamente tocado pelos sonetos; estes, mais do que à Elizabeth Barrett Browning, mais do que ao Robert Browning, dizem respeito a nós próprios.
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(do livro: Sonetos da portuguesa. autora: Elizabeth Barrett Browning. tradução: Leonardo Fróes. editora: Rocco.)
 
 
 
1
 
Já pensei em Teócrito a cantar
Os anos doces, desejados, bons,
Que com mãos graciosas tantos dons
A todos os mortais parecem dar.
Eu, em sua língua antiga cismando,
Por entre lágrimas aos poucos via
Os anos doces de melancolia
Que em minha vida triste iam lançando
Uma sombra por cima. E então notava
Que uma mística forma se movia
Por trás; pelo cabelo me puxava,
Impondo-me na voz supremacia.
“É a Morte que me agarra?” eu perguntava.
“É Amor”, a voz de prata me dizia.
 
 
 
3
 
Desiguais somos, coração de infante!
Desiguais nos costumes, nos destinos.
Nossos anjos da guarda peregrinos
Estranham-se ao passar como se avante
Suas asas se  chocassem. És, e o sabes,
Um refém de rainhas em sociais
Torneios, onde os olhos brilham mais
Que os meus em pranto, e o papel que te cabe
É reger a orquestra. Então, por que ali
Da luz dos janelões lançar um olhar
A um cantor que, um cipreste contra si,
Cansa e nas trevas canta sem parar?
Em mim, o orvalho do ar — o crisma em ti.
Lugar de encontro a Morte há de cavar.
 
 
 
4
 
A um palácio te chama a vocação,
Grácil cantor de alta poesia! Onde
Quem dança às vezes nem se corresponde,
Tanto nos lábios teus põe a atenção.
Virás abrir o trinco desta casa
Tão pobre a ti? Suportarás que a tua
Música à minha porta se destrua
Sem audição no ouro em que se vaza?
Tudo aqui, tão quebrado, é tão ruim,
Há morcegos, corujas no telhado!
Meu grilo arranha ante teu bandolim.
Silêncio! Não quero eco ao meu estado
De desolação. Há uma voz em mim
Que, enquanto cantas, chora ao descampado.
 
   
 
8
 
Por minha vez, que posso dar-te, ó puro
E nobre doador que a honra e o ouro
De um coração trouxeste sem desdouro,
Depondo-os fora, lá ao pé do muro,
Para alguém como eu pegar ou não
Tão súbita largueza? Serei fria,
Ingrata, que não dê a esta honraria,
À grande oferta, retribuição?
Fria, de fato, não — mas desvalida,
Como Deus sabe. As lágrimas frequentes
Lavaram toda a cor de minha vida.
Restou um estofo morto que não sente
Onde à tua cabeça dar guarida.
Deixa-o para pisar e segue em frente!
 
 
 
10
 
Porém o amor, o puro amor, é lindo,
Merece aceitação. O fogo ardente
Queima tudo que encontra pela frente,
A mesma luz ao longe transmitindo.
O amor é fogo. E acaso se eu disser
Eu te amo, nota quão transfigurada
Em teu olhar me achei glorificada,
Cônscia dos novos raios que iam ter
Da minha face à tua. Nada é vil,
Por baixo que o amor for: a pequeneza
Do ser que o ama Deus fará gentil.
E o que ora sinto, sob esta incerteza
Disto que eu sou, por si brotou e viu
Que a obra do Amor reforça a Natureza.
 
 
 
16
 
Como és nobre porém, como é um rei,
E que nisso por certo me dominas,
Podes vencer o medo meu e apenas
Cingir de cor meu coração que hei
De ver crescer junto do teu lembrando
Como tremia só. Ora, a conquista
Bem será majestosa e finalista,
Quer eleve ou rebaixe onde tem mando.
O saldado vencido entrega a espada
Ao que o ergue da ensanguentada lama.
Enfim me dou, amado, à derrocada,
Minha luta termina. Se me chamas
Além, me altearei não degradada.
Maior valor é o meu se amor tu somas.
 
 
 
37
 
Perdoa minha alma por formar
Do divino poder que em ti se alteia
Uma imagem composta só de areia,
Que logo some e está sempre a mudar.
Anos idos, distantes do teu mando
E recuando a um golpe, aqui deixaram
Essa dúvida e o horror que me fizeram
A cabeça rodar, cega negando
Tua pura feição. Eu distorcia
Válido amor em mera imitação:
Como se um náufrago pagão, que ia
Com o deus do mar quitar a salvação,
Desse um boto de pedra, mas que abria
A boca em bafo e a cauda em vibração.
 
 
 
43
 
Como te amo? Deixa eu contar os modos.
Te amo do fundo e da largura e altura
A que a alma chega quando os fins procura
Do ser, da Graça ideal, sumindo a todos.
Eu te amo ao nível das necessidades
Serenas, seja ao sol ou luz de vela.
Livre te amo como quem luta pela
Justiça; pura te amo sem vaidades.
Te amo com a paixão que punha em uso
Na dor; com a confiança de menina.
De um amor te amo às vezes já confuso,
Pois, quando perde, a mais se determina.
Te amo rindo e chorando. E até me induzo
A na morte te amar, se Deus designa.
 
 
 
44
 
Estas flores colhidas no jardim
Que me trazias no verão, no inverno,
Poderiam, no escuro quarto interno,
Sem sol ou chuva ter crescido em mim.
Em nome deste amor toma as ideias
Que de igual modo aqui desabrocharam,
Do coração provindo, e acompanharam
Dias frios ou quentes. Estão cheias
De ervas amargas, cardos e lamentos
De que te incumbo. Juntas também vão
Rosas silvestres. Dá-lhes tratamento 
Bom como eu dou às flores que me dão.
Que a cor persista ao teu olhar atento.
Das raízes, te lembra, eu sou o chão.

AVISO AOS NAVEGANTES: O TEMPO & A NOSSA MACAU
13 de julho de 2011

benvindos,
 
como vocês devem notar, há algum tempo o “prosa em poema” não recebe publicações novas de acordo com a freqüência habitual.
 
explico-lhes os porquês:
 
um deles, porque estava de férias o mês de junho e parte do mês de julho.
 
o outro, porque recebi a proposta da editora rocco para fazer o release, que é um texto de divulgação que segue à imprensa, de dois dos seus lançamentos: do livro de poesias inéditas do GRANDE affonso romano de sant’anna, chamado exercício de finitude (que afirmo, em primeira mão, que é lindo), e do lançamento dos sonetos da portuguesa, da CÉLEBRE poeta inglesa da era vitoriana elizabeth barrett browning, reunião de poemas românticos sobre sua própria história de amor com o poeta (conterrâneo) robert browning, em tradução do SUPER poeta leonardo fróes.
 
voltei das férias com essas duas funções extras.
 
logo logo a dinâmica do quotidiano regressa ao seu comum, e as publicações mais freqüentes, neste espaço, retornarão.
 
por enquanto, deixo-os com versos (belíssimos) que tratam deste espaço mínimo que é o corpo, território nosso, território mínimo, limitado, mas que mal conseguimos explorar.
 
linhas poéticas que falam do corpo, desta macau sempre à mercê do latejar de um músculo localizado ao lado esquerdo do peito.
 
o reino que é o corpo: “ame-o ou deixe-o” (como dizia um slogan à época da ditadura militar no brasil). 
 
o espaço do corpo: ame-o ou deixe-o. sim, porém: amá-lo, amar esse espaço, pois essa é a única opção que nos resta. a outra é o asco, é a aversão, é o desprezo, e, se optarmos por essa segunda alternativa, a saída (a resolução) é a saída, é o desembarque, é o fim da viagem.
 
nenhum descobridor, nem mesmo o mais ousado navegador, jamais se desprendeu (e algum navegador tentou?) do cais úmido & ínfimo do eu.
 
sigamos nesta desconhecida & fascinante viagem que é: viver!, aceitando as limitações deste território que nos abriga.
 
beijo todos!
(e vamos que vamos!)
paulo sabino.
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(do livro: Macau. autor: Paulo Henriques Britto. editora: Companhia das Letras.)
 
 
  
II 
 
Tão limitado, estar aqui e agora,
dentro de si, sem poder ir embora,
 
dentro de um espaço mínimo que mal
se consegue explorar, esse minúsculo
império sem território, Macau

sempre à mercê do latejar de um músculo.
Ame-o ou deixe-o? Sim: porém amar
por falta de opção (a outra é o asco).
Que além das suas bordas há um mar

infenso a toda nau exploratória,
imune mesmo ao mais ousado Vasco.
Porque nenhum descobridor na história

(e algum tentou?) jamais se desprendeu
do cais úmido e ínfimo do eu.