DECLARAÇÃO: AS PALAVRAS SÃO NOVAS
16 de abril de 2013

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(Na foto, a partir do primeiro plano: Jorge Amado, José Saramago & Caetano Veloso.)

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 declaração: não, não há morte.
 
nem esta pedra é morta, nem morto está o fruto que tombou: o abraço dos meus dedos — na pedra, no fruto que tombou — dá-lhes vida, (a pedra, o fruto que tombou) respiram na cadência do meu sangue, (a pedra, o fruto que tombou) respiram na cadência do bafo que os tocou.
 
também um dia, quando esta mão secar, quando, um dia, não mais estiver entre os senhores esta mão a abraçar com os dedos a pedra & o fruto que tombou, dando-lhes vida, na memória de outra mão perdurará; na memória da mão tocada, afagada, acarinhada, esta minha mão perdurará quando estiver secado (sem gota de sangue que a anime), perdurará à prova de tempo, assim como a boca guardará, caladamente, o sabor das bocas que beijou.
 
também um dia, quando esta mão secar & não mais falarem as palavras por meio dela, que perdurem na memória de quem as lê as palavras aqui dispostas.
 
as palavras, mesmo velhas, são novas: nascem quando as projetamos em cristais de macias ou duras ressonâncias, nascem quando as projetamos em cristais de brandas, suaves, ou de árduas, rígidas, repercussões sonoras.
 
as palavras, mesmo velhas, são novas, porque novas as disposições, novos os encaixes, das palavras na frase ou no verso (as tantas disposições & os tantos encaixes possíveis das palavras na frase ou no verso é o que lhes confere o caráter de “novidade”), e, dependendo da intenção de quem as escreva ou pronuncie, as palavras projetam cristais de reverberações sonoras macias (brandas, suaves) ou reverberações sonoras duras (árduas, rígidas). 
 
somos iguais aos deuses (que, segundo a mitologia, inventaram os homens): inventamos, na solidão do mundo (pois o mundo nada nos diz, nada nos revela: o mundo segue cego & mudo a sua jornada rumo ao nada), estes sinais (os sinais: as palavras, criadas por nós na tentativa de compreender & explicar o mundo), que nos servem de pontes (entre entre a nossa profunda ignorância & o que está fora de nós), pontes que arcam as distâncias; inventamos, na solidão do mundo, estes sinais — as palavras — que nos servem de pontes (entre a nossa profunda ignorância & o que está fora de nós) que tentam nos dar acesso a isto a que chamamos: mundo, o nosso entorno, aquilo que nos cerca — com as palavras, a tentativa (errante) de compreendê-lo, de conhecê-lo, de desvendá-lo.
 
as palavras são pontes que arcam as distâncias: as palavras não encurtam as distâncias entre a nossa profunda ignorância & o que está fora de nós (o mundo, o nosso entorno, aquilo que nos cerca), as palavras mudam as distâncias de perspectiva, as palavras tornam as distâncias mais curvas: apesar de parecer que damos conta, na verdade, não damos conta de muitas coisas — não damos conta da maioria das coisas — com a linguagem: as palavras não solucionam uma série de coisas: mais desconhecemos que conhecemos: fadados — por conta da nossa pequenez & insignificância frente à grandeza do mundo — a uma ignorância atávica abismal.
 
ainda assim, nas nossas tentativas errantes, às palavras devemos muito o pouco que alcançamos. 
 
beijo todos!
paulo sabino. 
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(do livro: Poesia completa. autor: José Saramago. editora: Alfaguara.)
 
 
 
DECLARAÇÃO
 
 
Não, não há morte.
Nem esta pedra é morta,
Nem morto está o fruto que tombou:
Dá-lhes vida o abraço dos meus dedos,
Respiram na cadência do meu sangue,
Do bafo que os tocou.
Também um dia, quando esta mão secar,
Na memória doutra mão perdurará,
Como a boca guardará caladamente
O sabor das bocas que beijou.
 
 
 
“AS PALAVRAS SÃO NOVAS”
 
 
As palavras são novas: nascem quando
No ar as projectamos em cristais
De macias ou duras ressonâncias.
 
Somos iguais aos deuses, inventando
Na solidão do mundo estes sinais
Como pontes que arcam as distâncias.

ENIGMAS
31 de maio de 2012

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enigma: segundo o dicionário houaiss, “definição de algo por suas qualidades ou particularidades, mas difícil de entender”. por extensão de sentido, “texto ou parte dele, frase ou discurso cujo sentido seja incompreensível ou ambíguo”.

 enigma: segundo o dicionário aurélio, “questão proposta em termos obscuros, ambíguos, para ser interpretada ou adivinhada por alguém”. por extensão de sentido, “enunciado ambíguo ou velado”, “coisa inexplicável, aquilo que é difícil compreender; mistério”.
 
portanto, os enigmas carecem da argúcia alheia (precisam ser interpretados ou adivinhados por alguém) & da retórica. é mal de enigmas não se decifrarem a si próprios.
 
a condição dos enigmas: procuram uma qualidade em pedra & cal: 
 
os enigmas são como uma parede lisa branca, pois, a princípio, por conta das ambigüidades do que propõem, por conta das dicas obscuras, parecem uma barreira intransponível. os enigmas buscam uma qualidade em parede, em pedra, barreira branca como cal, parede branca como uma folha de papel em branco (como se nada houvesse ali).
 
no entanto, ao mesmo tempo que os enigmas procuram uma qualidade em pedra & cal, repelem-na, repelem essa qualidade que procuram, posto que todo o enigma, no fundo no fundo, por possuir uma resposta, busca a sua solução.
 
todo o enigma, por possuir uma resposta, apesar de toda a engenharia semântica em prol do silêncio, quer ser decifrado.
 
por conta da engenharia semântica dos enigmas, muitos quedam-se por aí: esguios ao tato, ocos de imagem, ferozes no seu silêncio. isto é: indecifráveis.
 
dignos & sós. 
 
existirmos: a que será que se destina?
 
este, o maior, o grande enigma bolado pela humanidade. e um enigma muito complexo, uma vez que, para ele, em princípio, não há resposta.
 
(será que a existência se destina a algo?…)
 
alguns enigmas merecem a ferocidade do seu silêncio. deixemos a busca pela resposta. vivamos. é o que nos resta. e vivamos em busca de paisagens que animem o ser.
 
lembrem-se sempre: as viagens são os viajantes.
 
beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: A estrela fria. autor: José Almino. editora: Companhia das Letras.)  
 
 
 
É mal de enigmas não se decifrarem a si próprios.*
Carecem de argúcia alheia
e da retórica.
Procuram uma qualidade
em pedra e cal.
 
(Repelem-na,
ao mesmo tempo.
Tal é a condição dos enigmas.)
 
Quedam-se por aí:
esguios ao tato,
ocos de imagem,
ferozes no seu silêncio.
 
Dignos e sós
como um concerto de violoncelo.
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*autor da citação no poema: Carlos Drummond de Andrade