MUNDO CRUEL
19 de novembro de 2014

Céu & árvore_PB

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desce desse galho em que te escondes, desce desse galho que te proíbe aproximação, desce desse galho em que te colocas por causa do medo de viver a vida & sofrer por conseqüência.

cai desse céu sem ninguém, cai desse céu que te proíbe aproximação, cai desse céu vazio, inabitado, árido, cai desse céu onde não vês luz nem horizontes — onde não vês nada além.

pára de ficar rolando o tempo, pára de ficar retardando, postergando, protelando, adiando, o tempo, pára de ficar deixando para depois o que se tem a viver no tempo presente, hoje. pára de ficar lamentando & alimentando dentro — do teu ser — a ferida do tormento, a ferida da angústia, da agonia, da tristeza.

também sei, também conheço, a dor de que te poupas, a dor que evitas viver — sim, o mundo é cruel: guerra, fome, miséria, doença, preconceito, injustiça, ódio, inveja, exploração, violência, mentira.

sim, o mundo é cruel. mas eu te pergunto: no mundo cruel, com que roupas vais contracenar o teu papel? vais contracenar o teu papel, vais viver a vida que é tua, intransferível, com as vestes do tormento ou com as vestes do bem-estar?

porque, queira ou não queira, o mundo é cruel desde que o mundo é mundo, a vida é perda desde que a vida é vida (a cada passo dado, um a menos na estrada), e isso é uma realidade que nos atinge a todos, seres de carne, osso & coração, desde os primórdios dos tempos.

assim sendo (sendo o mundo cruel desde que o mundo é mundo, sendo a vida perda desde que a vida é vida), por que temer o mundo, a vida, e abdicar do mundo, da vida, se, adiando ou não as vivências do mundo, da vida, a dor, que é inerente à condição existencial, consegue alcançar-te mesmo no galho em que te escondes, mesmo nesse céu sem ninguém?

pára de ficar rolando o tempo, pára de ficar retardando, postergando, protelando, adiando, o tempo, pára de ficar deixando para depois o que se tem a viver no tempo presente, hoje. pára de ficar lamentando & alimentando dentro — do teu ser — a ferida do tormento, a ferida da angústia, da agonia, da tristeza.

sim, o mundo é cruel: o destino armou, para ti, uma rede cuja trama resultou numa cilada má. e tu, ressentido, atormentado, entristecido, fizeste, da cilada má, da trama & a rede que o destino armou para ti, a cama, o chão & a parede do teu próprio quarto de dormir.

tu fizeste o teu próprio quarto de dormir com a rede cuja trama resultou numa cilada má.

(já é hora de trocar a cama, o chão & a parede do teu próprio quarto de dormir, já é hora de uma reforma no ambiente.)

pára de ficar rolando o tempo, pára de ficar retardando, postergando, protelando, adiando, o tempo, pára de ficar deixando para depois o que se tem a viver no tempo presente, hoje. pára de ficar lamentando & alimentando dentro — do teu ser — a ferida do tormento, a ferida da angústia, da agonia, da tristeza.

já não há o que resguardar. já não há do que te resguardares. já não há com que te resguardares. não tens ninguém, evitas o mundo, a vida, estás só no galho, no céu. enfim, joga a tua carta, pois, no jogo do mundo, da vida, tua carta vale muito pouco. joga a tua carta antes de arder o ocaso, antes de queimar o poente, antes de ter fim o verão, antes da entrada das estações mais frias, antes que seja tarde demais.

enfim. não vou prosseguir nesta toada, não continuarei nesta cantiga, dizendo-te as coisas que te digo. não vou insistir, dizer mais nada.

deixa que te diga o vento & sua fala muda, deixa que te diga o vento & a toada inaudível do tempo a passar no compasso do teu coração.

(pára de ficar rolando o tempo, pára de ficar retardando, postergando, protelando, adiando, o tempo, pára de ficar deixando para depois o que se tem a viver no tempo presente, hoje. pára de ficar lamentando & alimentando dentro — do teu ser — a ferida do tormento, a ferida da angústia, da agonia, da tristeza.)

beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Sem receita — ensaios e canções. autor: José Miguel Wisnik. editora: Publifolha.)

 

 

MUNDO CRUEL

 

desce desse galho em que te escondes
cai desse céu sem ninguém
onde não vês luz nem horizontes
onde não vês nada além

pára de ficar rolando o tempo
lamentando e alimentando dentro
a ferida do tormento

também sei a dor de que te poupas
sim, o mundo é cruel
mas eu te pergunto, com que roupas
vais contracenar o teu papel?

pára de ficar rolando o tempo
lamentando e alimentando dentro
a ferida do tormento

da cilada má da trama e a rede
que o destino armou pra ti
tu fizeste a cama o chão e a parede
do teu próprio quarto de dormir

pára de ficar rolando o tempo
lamentando e alimentando dentro
a ferida do tormento

já não há o quê, de quê, com quê
que te resguarde
joga a tua carta enfim
antes do ocaso arder antes que tarde
antes do verão ter fim

não vou prosseguir nesta toada
não vou insistir dizer mais nada
deixa que te diga o vento

(pára de ficar rolando o tempo
lamentando e alimentando dentro
a ferida do tormento)
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(do site: Youtube. áudio extraído do álbum: Mais simples. intérprete & artista: Zizi Possi. canção: Mundo cruel. compositor: José Miguel Wisnik. gravadora: PolyGram.)

AS BORBOLETAS
24 de setembro de 2014

Borboletas

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Eu vou lhe dar de presente uma coisa.
É assim: borboleta é pétala que voa.

(Clarice Lispector)

 

primavera: segundo o dicionário houaiss: “estação temperada e amena, entre o inverno e o verão. [No hemisfério sul, estende-se do equinócio de setembro (22) ao solstício de dezembro (20); no hemisfério norte, do equinócio de março (21) ao solstício de junho (20).]”

primavera: estação considerada a estação das flores, representante do renascimento, da transformação.

a estação das flores é a estação das borboletas.

borboletas: segundo o dicionário aurélio: “designação comum aos insetos lepidópteros diurnos, cujas antenas são clavadas. As larvas das borboletas não tecem casulos, passando o período ninfal sob forma de crisálidas.”

borboletas: insetos diurnos que se alimentam principalmente do néctar das flores & cujo desenvolvimento se caracteriza por quatro fases: o ovo, a lagarta, a pupa (quando em transformação, em metamorfose, dentro da crisálida) & a fase adulta (já borboleta).

sendo o néctar das flores um dos principais alimentos das borboletas, a primavera, estação que se inicia, estação considerada a estação das flores, é, também, a estação das borboletas, bichinhos que, além de flores, gostam do dia.

brancas, azuis, amarelas & pretas: uma profusão de cores soltas no ar: brincam, na luz do dia, as belas borboletas.

soltas no ar, delicadas, levíssimas, qual pétalas a voar, brincam as borboletas, que se misturam, se embaralham, se desordenam, em cores as mais diversas: brancas, azuis, amarelas & pretas.

enquanto brincam, na luz, as belas borboletas, brancas, azuis, amarelas & pretas, a poesia trata de lhes dar as rimas fantásticas, rimas lúdicas, como a brincadeira das borboletas à luz do dia, para que elas sofram mais uma metamorfose, para que elas se transformem em pura lírica:

borboletas brancas são alegres & francas.

borboletas azuis gostam muito de luz.

as amarelinhas são tão bonitinhas!

e as pretas, então… que escuridão!

enquanto brinca de rima a poesia, metamorfoseando borboletas em pura lírica, brincam, na luz, as belas borboletas: brancas, azuis, amarelas & pretas.

primavera: estação considerada a estação das flores, representante do renascimento, da transformação.

borboleta: pétala que voa.

que a estação que se inicia (in)vente a todos as belezas que lhe são caras, as belezas que lhe são estimadas, as belezas que reflitam a sua cara, que reflitam o seu rosto: que belas borboletas — brancas, azuis, amarelas & pretas — brinquem à luz do olhar de cada um nesta primavera.

beijo todos!
paulo sabino.
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(do site: Vinicius de Moraes — Oficial. autor: Vinicius de Moraes.)

 

 

AS BORBOLETAS

 

Brancas
Azuis
Amarelas
E pretas
Brincam
Na luz
As belas
Borboletas.

Borboletas brancas
São alegres e francas.

Borboletas azuis
Gostam muito de luz.

As amarelinhas
São tão bonitinhas!

E as pretas, então…
Oh, que escuridão!
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(do site: Youtube. áudio extraído do álbum: Partimpim Dois. artista & intérprete: Adriana Calcanhotto. canção: As borboletas. poema: Vinicius de Moraes. música: Cid Campos. gravadora: Sony-BMG.)

AS APARÊNCIAS ENGANAM
11 de novembro de 2013

Fogo & Gelo

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(Esta é uma das coisas mais lindas que a música popular poderia ter feito por mim, por nós. E, nesta fase, tudo muito à flor da pele, é assim: coloco para escutar, e choro choro choro – rs.)
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As aparências enganam os que odeiam & os que amam: pois o amor & o ódio se tocam em suas extremidades: um amor, quando torna-se mágoa, é o avesso de um sentimento: oceano sem água.

O ódio, em caso de amor, só existe porque, no fundo do ser, existe algum sentimento resguardado pelo outro.

As aparências enganam os que odeiam & os que amam: porque o amor & o ódio se irmanam na fogueira das paixões: os corações pegam fogo e, depois, não há nada que os apague.

Se a combustão os persegue, as labaredas & as brasas são o alimento (aquilo que faz viver), o veneno (aquilo que faz morrer), o pão, o vinho seco (a bebida quente, que aquece & inebria, e que é, ao mesmo tempo, rascante): a recordação dos tempos idos de comunhão, dos tempos idos de união feliz — sonhos vividos de conviver…

As aparências enganam os que odeiam & os que amam: porque o amor & o ódio se irmanam na geleira das paixões: os corações viram gelo e, depois, não há nada que os degele.

Se a neve, cobrindo a pele, vai esfriando por dentro o ser: não há mais forma de se aquecer… não há mais tempo de se esquentar… não há mais nada pra se fazer senão chorar sob o cobertor…

As aparências enganam os que gelam & os que inflamam: porque o fogo & o gelo se irmanam no outono das paixões: o outono das paixões: tempo de recolhimento, tempo de quietude, tempo de reestruturação do ser: pensar & repensar o relacionamento vivenciado, pensar & repensar se o relacionamento vivenciado vale a pena, e, caso não valha mais, aprontar-se para o porvir: os corações cortam lenha e, depois, se preparam para outro inverno.

Mas, apesar dos pesares, o verão que os unira — que unira os corações agora separados — ainda vive & transpira ali (ainda vive & transpira dentro do ser, na recordação dos tempos idos de comunhão, nos sonhos vividos de conviver): nos corpos juntos, na lareira; na reticente primavera, primavera — estação da floração, do renascimento — ainda hesitante; no insistente perfume de alguma coisa — que não sabemos & não podemos definir ao certo — chamada:

AMOR.

Beijo todos!
Paulo Sabino.
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(autores: Tunai / Sérgio Natureza.)

 

 

AS APARÊNCIAS ENGANAM

 

As aparências enganam
Aos que odeiam e aos que amam
Porque o amor e o ódio
Se irmanam na fogueira das paixões
Os corações pegam fogo e depois
Não há nada que os apague
Se a combustão os persegue
As labaredas e as brasas são
O alimento, o veneno, o pão
O vinho seco, a recordação
Dos tempos idos de comunhão
Sonhos vividos de conviver

As aparências enganam
Aos que odeiam e aos que amam
Porque o amor e o ódio
Se irmanam na geleira das paixões
Os corações viram gelo e depois
Não há nada que os degele
Se a neve cobrindo a pele
Vai esfriando por dentro o ser
Não há mais forma de se aquecer
Não há mais tempo de se esquentar
Não há mais nada pra se fazer
Senão chorar sob o cobertor

As aparências enganam
Aos que gelam e aos que inflamam
Porque o fogo e o gelo
Se irmanam no outono das paixões
Os corações cortam lenha e depois
Se preparam pra outro inverno
Mas o verão que os unira
Ainda vive e transpira ali
Nos corpos juntos, na lareira
Na reticente primavera
No insistente perfume
De alguma coisa chamada amor
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(do site: Youtube. áudio extraído do álbum: Elis, essa mulher. artista & intérprete: Elis Regina. canção: As aparências enganam. autores da canção: Tunai / Sérgio Natureza. gravadora: WEA Music.)

RESGATE
20 de março de 2013

Cai a tardeCai a tarde 2

 

(Na foto acima, Orlando, meu camelo azul da cor do mar, companheiro de pedaladas & paisagens nos fins de tarde.)
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cai a tarde & não há quem o retarde (o cair da tarde).

cai a tarde, e o cair da tarde, não há quem o faça tardar a chegar, não há quem faça a tarde alongar-se, prolongar-se, não há quem faça o cair da tarde chegar ainda mais tarde, e não há quem faça a tarde tornar-se tarde novamente, não há quem nem o que: “re-tarde”, não há quem nem o que reedite a tarde.

cai a tarde, que, ao cair, me invade com seus efeitos & delírios cromáticos.

cai a tarde & não cai à parte. cai a tarde, que, ao cair, não cai separadamente de tudo que abriga. cai a tarde e, junto com ela, o canto de pássaros & os hibiscos vermelhos também caem, também escondem-se, também desaparecem, dos nossos ouvidos & das nossas vistas.

(no cair da tarde, onde caem o canto de pássaros & hibiscos vermelhos? para onde fogem, que dimensão habitam?…)

tarde de outono; tarde de começo de outono… folhas ainda nas árvores — as folhas não caíram das árvores assim como a tarde, que cai do pé do dia.

sem alarde, cai a tarde & o que com ela cai (o canto dos pássaros, os hibiscos vermelhos). e não cai pela metade (ao cair, a tarde não cai separadamente de tudo que abriga).

cai mais esta tarde de sol, finda, encerra-se. cai a tarde e, com ela, tudo o que é dia, o que é manhã.

num desenlace: noite.

cai a tarde, acéfala no céu, sem a sua cabeça coroada pela luz solar, cai a tarde, acéfala no céu quase já escuro, sem qualquer possibilidade de resgate, de retorno, de reconquista, sem qualquer possibilidade de que seja reeditada, de que: re-tarde.

(cai a tarde & não há quem retarde o cair da tarde.)

que a tarde caia caiando — pintando colorindo ornando — o fim do dia com seus delírios cromáticos.

(e que se edifiquem outras tantas!)

beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Até agora. autor: Régis Bonvicino. editora: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.)

 

 

RESGATE

 

Cai a tarde
e não há quem o retarde
o cair da tarde
Cai a tarde

que, ao cair, me invade
Cai a tarde
e não cai à parte
Cai a tarde de sábado

na tarde, de canto de pássaros e
hibiscos vermelhos
caem onde?
tarde de outono

tarde de começo de outono
folhas ainda nas árvores
as folhas não caíram das árvores
cai a tarde

e o que com ela cai
sem alarde
cai a tarde
e não cai pela metade

cai mais esta tarde de sol
cai a tarde e com ela a manhã
num desenlace
noite

cai a tarde
acéfala no céu já quase escuro
sem qualquer possibilidade
de resgate

CHUVA DE VERÃO
13 de março de 2013

Rio de Janeiro alagadoRio de Janeiro alagado 02

(A cidade do Rio de Janeiro, a mais cara cidade do país & uma das mais caras cidades do mundo, em dias de chuva de verão: a pergunta que não quer calar: quem é que vai pagar por isso?…)
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às quatro da tarde, na floresta da tijuca, floresta cravada nas montanhas que cortam o rio de janeiro, a terra se entrega para a chuva & a terra segrega, separa, aparta, humores túmidos, a terra segrega, separa, aparta, às plantas, o alimento de que precisam para estarem firmes, fortes, a terra segrega, separa, aparta, para as plantas os humores túmidos, os líqüidos encorpados, com que se alimentam, a fim de manterem-se firmes & fortes em sua jornada estática.

a chuva a penetra, penetra a terra, segregando os seus humores túmidos, segregando os seus líqüidos encorpados de alimentos que servem às plantas.

as samambaias & os jatobás se regozijam com o acalanto das águas.

as flores-da-paixão (que são as flores do maracujá), lindíssimas, se abrem de contentamento.

a chuva na floresta: uma bênção do céu.

mas, não longe dali, da floresta, mais abaixo, na cidade que é cortada pelas montanhas, as calhas os rufos os bueiros & as sarjetas, indiferentes a humores & encantos, as calhas os rufos os bueiros & as sarjetas, impassíveis aos líqüidos encorpados da terra & aos encantos florais, se preparam para o trabalho sujo.

o trabalho sujo: o lixo espalhado pelas ruas & calçadas da cidade mais a rede de esgotos & de escoamento da água pluvial deficientes, que já não atendem às demandas urbanas dos dias de hoje, resultam nas célebres enchentes & alagamentos que assolam a cidade nos dias de verão.

entra ano, sai ano, entram prefeito & governador, saem prefeito & governador, e a cidade continua com os mesmíssimos problemas de enchentes & alagamentos provocados pelo calor excessivo dos dias de verão.

à tarde, no fim do dia, depois da cidade “fritar” num sol de mais de 40 graus, um toró desaba & transforma a vida do residente num imenso transtorno. pessoas morrem levadas pela força das correntezas dos rios-ruas, pessoas morrem eletrocutadas, pessoas perdem suas casas em desabamentos, pessoas presas nos engarrafamentos.

a cidade, em termos de serviços, não presta em muitos vários aspectos. e a cidade, mesmo não prestando em termos de serviços sob vários aspectos, é a mais cara do país & das mais caras do mundo. morar, comer, beber, ir a um espetáculo, pegar um cinema, tudo no rio de janeiro, hoje em dia, custa “os olhos da cara”. cidade que será sede de copa do mundo, de olimpíadas, cidade que, por ser a capital do estado, recebe (recebia) já os royalties do petróleo (com a descoberta & exploração do petróleo na camada pré-sal), cidade que vem recebendo cada vez mais turistas, em suma: uma cidade com capital financeiro, com investimentos, e, no entanto: uma cidade que não cuida dos seus calçamentos, que não cuida da qualidade das suas ruas, que não cuida da sua rede de esgotos, que não cuida do seu sistema de escoamento da água pluvial, que não dá a mínima atenção para os desiquilíbrios ambientais causados na região, uma cidade com tanto investimento financeiro & que não investe nos serviços oferecidos. a negligência parte dos gestores oficiais da cidade.

pode-se perguntar: mas a população da cidade não é deseducada, a população da cidade não joga lixo nas ruas, nas praias? sim, a população da cidade é deseducada, joga lixo nas ruas, nas praias, contribui com as enchentes & os alagamentos (afinal, o entupimento de bueiros acontece pelo excesso de lixo jogado nas ruas pelos transeuntes). mas isso, em parte, é responsabilidade dos gestores oficiais da cidade. não existe nenhuma política SÉRIA para a manutenção da cidade limpa ATRAVÉS DE um trabalho DEDICADO à educação da população residente. no estado do rio de janeiro, há alguns anos atrás, a cidade de cabo frio foi eleita a quinta cidade mais limpa do brasil. conseguiu o título porque os gestores oficiais do município apostaram numa política SÉRIA de educação da população quanto a lixo nas ruas. é impressionante: seja no centro, seja em bairro pobre, seja em bairro nobre, nas praias, em cabo frio não se vê detrito nas vias públicas, na orla marítima. 

sabe-se que as condições climáticas do planeta estão mudando muito rapidamente. a cada ano, a terra aumenta um tanto a sua temperatura, e esse aumento da temperatura — gerando, conseqüentemente, mais calor — contribui, entre outras coisas, para chuvas de verão (aqui no rio de janeiro) cada vez mais intensas, chuvas de verão (aqui no rio de janeiro) cada vez mais volumosas.

(uma cidade que não cuida dos seus calçamentos, que não cuida da qualidade das suas ruas, que não cuida da sua rede de esgotos, que não cuida do seu sistema de escoamento da água pluvial, que não dá a mínima atenção para os desiquilíbrios ambientais causados na região, e que é, em termos de serviços, a mais cara do país…)

uma cidade com tanto investimento financeiro & que não investe nos serviços oferecidos…

cuidar da cidade do rio de janeiro, para que não mais ocorram enchentes & alagamentos, para que as calhas os rufos os bueiros & as sarjetas não mais tenham que se preparar para o trabalho sujo, é deixá-la em harmonia com os humores & encantos que a chuva leva à terra ao penetrá-la & tê-la sua. 

beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Enquanto velo teu sono. autor: Adalberto Müller. editora: 7Letras.)

 

 

CHUVA DE VERÃO

 

Às quatro da tarde
a terra se entrega para a chuva
e segrega humores túmidos.
A chuva a penetra.

As samambaias e os jatobás
se regozijam
com o acalanto das gotas.

As flores-da-paixão se abrem
de contentamento.

Mas
                  não longe dali
as calhas os rufos os bueiros e as sarjetas
indiferentes a humores e encantos
se preparam para o trabalho sujo.

EPIGRAMA: O PRESENTE
4 de dezembro de 2012

Paulo Sabino_Lençóis maranhenses

(Paulo Sabino & seu epigrama: avançar, sempre, com o presente que se desembrulha nas mãos.)
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epigrama: consta no dicionário houaiss: “entre os antigos gregos, qualquer inscrição, em prosa ou verso, colocada em monumento, estátuas, moedas etc., dedicada à lembrança de um evento memorável, uma vida exemplar etc.”
 
epigrama:
 
bom é ser árvore, vento, e sua grandeza inconsciente: não pensar, não temer; apenas: “ser”.
 
e, assim sendo (árvore, vento, e sua grandeza inconsciente), temer coisa alguma, ser “altamente”. “altamente” porque o único compromisso de vida num caso como esse — o de viver sendo como árvore & vento, dentro das suas grandezas inconscientes — é viver sem se preocupar em como, até quando, ou por quê.
 
bom é ser árvore, vento: ser, apenas: altamente.
 
permanecer uno, íntegro, inteiriço, permanecer sem se pensar em partes, fragmentos, pedaços, olho boca cérebro rim coração, permanecer sem se pensar como tipo, modelo, categoria, permanecer uno, sempre só, alheio à própria sorte, sem qualquer tipo de preocupação com o mais adiante, sem qualquer tipo de preocupação com o segundo seguinte (bom é ser árvore, vento: ser, apenas: altamente), sem qualquer tipo de preocupação com o minuto que atravessa estas linhas quando escrevo.
 
(meu tempo é quando.)
 
permanecer uno & sempre só & alheio à própria sorte, com o mesmo rosto tranqüilo, sereno, diante da vida ou da morte.
 
o rosto tranqüilo, sereno, diante da vida (assustadora por suas artimanhas & reviravoltas) ou diante da morte (assustadora por representar o fim & o desconhecido, viagem de onde não mais se retorna): a grandeza inconsciente de não pensar & de, não pensando, não temer: ser, apenas: altamente.
 
apenas “ser”: viver no mais cristalino, no mais puro presente: permanecer uno, alheio à própria sorte, sem qualquer tipo de preocupação com o mais adiante, sem qualquer tipo de preocupação com o segundo seguinte, sem qualquer tipo de preocupação com o minuto que atravessa estas linhas quando escrevo.
 
apenas “ser”: viver no mais cristalino, no mais puro presente:
 
o presente:
 
para mim, este rumor alado de primavera: pássaros a riscar o céu azul da estação que representa o eterno renascer, a presente renovação das coisas & do mundo.
 
dia claro, céu limpo de nuvens: o vinho da claridade, vinho doce, nada rascante, servido em copos de mais azul.
 
vida: dia claro céu azul: tua lúcida presença.
 
vida: viva acesa intransponível: este rumor alado de primavera.
 
enquanto a terra, que não sabe este instante (em sua grandeza inconsciente, assim como a árvore, o vento), enquanto a terra, distante (terra: por mais distante, este errante navegante: quem jamais te esqueceria), enquanto a terra, com toda a sua umidade, com todo o seu frescor primaveril, terra onde se renasce, onde se revive, segura & sem pressa (apoiada — a terra — na firmeza própria da sua matéria), a terra espera, a terra aguarda, espera por nosso encontro, encontro nosso que ocorrerá a qualquer instante, num instante qualquer.
 
(terra: o meu rosto, no futuro, sendo aquele de todos os teus mortos, mais um rosto passado, anônimo, desconhecido: rosto nenhum.)
 
o meu epigrama: desembrulhar eternamente o presente que me chega nas mãos, enquanto a terra, distante, com toda a sua umidade, segura & sem pressa, espera (por mim).
 
beijo todos!
paulo sabino.
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(do livro: Antologia poética. autora: Marly de Oliveira. organização: João Cabral de Melo Neto. editora: Nova Fronteira.)
 
 
 
EPIGRAMA
 
 
Bom é ser árvore, vento,
sua grandeza inconsciente;
e não pensar, não temer,
ser, apenas: altamente.
 
Permanecer uno e sempre
só e alheio à própria sorte,
com o mesmo rosto tranqüilo
diante da vida ou da morte.
 
 
 
PRESENTE
 
 
Para mim, este rumor
alado de primavera.
 
O vinho da claridade
em copos de mais azul.
 
Tua lúcida presença.
Enquanto, distante, a terra,
 
 com toda a sua umidade,
segura e sem pressa, espera.

PERFEIÇÃO
26 de novembro de 2010

Primavera

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Eu preciso e quero ter carinho, liberdade e respeito
Chega de opressão:
Quero viver a minha vida em paz

Quero um milhão de amigos
Quero irmãos e irmãs
Deve de ser cisma minha
Mas a única maneira ainda
De imaginar a minha vida
É vê-la como um musical dos anos trinta
E no meio de uma depressão
Te ver e ter beleza e fantasia

(trecho do poema-canção “vamos fazer um filme”, de renato russo)
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senhores,

celebremos a estupidez humana.

celebremos o meu país & sua corja de assassinos, covardes, estupradores & ladrões.

celebremos a estupidez do povo!

celebremos a nossa polícia, corrupta & violenta!

celebremos a nossa televisão, mentirosa, tendenciosa, caluniosa!

celebremos eros (o deus do amor) & tânato (gênio masculino alado que personifica a morte), celebremos a união de eros & tânato, isto é, a união do amor & da morte, a união na forma de uma síndrome — a síndrome da imuno-deficiência adquirida, popularmente conhecida como aids. (durante muito tempo, a associação do amor, da relação sexual, com a morte, foi muito emblemática. hoje em dia, a síndrome virou uma espécie de doença crônica, e essa associação, graças!, veio abaixo.)

celebremos a morte & seus deuses, perséfone & hades.

celebremos todos os mortos nas estradas (por conta de imprudências no trânsito), os mortos por falta de hospitais!

celebremos a nossa justiça, muitas vezes injusta!

os preconceitos! o voto dos analfabetos! o trabalho escravo! todo o roubo & toda a indiferença!

celebremos epidemias!

comemoremos a água podre — dos mares, rios, lagos!

celebremos a nossa bandeira (e o ufanismo, sempre demasiado & perigoso) & o nosso passado de absurdos gloriosos!

festejemos a violência & esqueçamos a nossa gente que trabalhou honestamente a vida inteira & que, agora, não tem mais direito a nada (sem direito a uma aposentadoria decente, sem direito a serviços públicos de qualidade)!

festejemos a aberração de toda a nossa falta de bom senso!

festejemos o nosso descaso por educação!

porém,

sobre-tudo & todos,

vamos celebrar o horror de tudo isso, de tudo o que foi escrito acima — com festa, velório & caixão!

já que está tudo morto & enterrado agora (com festa, velório & caixão!), podemos também celebrar:

a estupidez de quem tais horrores & atrocidades festejou, a estupidez de quem tais horrores & atrocidades cantou!

pôr abaixo tudo o que arquitetado nas linhas, e alimentar, no coração, a esperança & a vontade de melhorar, uma melhora para todos, estudando & discutindo caminhos, com os pés no chão: chega de maldade & ilusão! de meias-verdades! de travas! de portas fechadas!

lembrem-se: o amor tem sempre a porta aberta.

neste espaço, que faço de aufúgio, que tenho como guarida, abrigo, ninho, para quem o desejar & for do bem, a porta sempre aberta!

(venha, que o que vem, daqui, é afeição.)

beijo todos!
paulo sabino.
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(do encarte do cd: O descobrimento do Brasil. artista: Legião Urbana. autor: Renato Russo. gravadora: EMI.)

 

 

PERFEIÇÃO

 

1
Vamos celebrar a estupidez humana
A estupidez de todas as nações
O meu país e sua corja de assassinos
Covardes, estupradores e ladrões
Vamos celebrar a estupidez do povo
Nossa polícia e televisão
Vamos celebrar nosso governo
E nosso Estado, que não é nação
Celebrar a juventude sem escola
As crianças mortas
Celebrar nossa desunião
Vamos celebrar Eros e Thanatos
Persephone e Hades
Vamos celebrar nossa tristeza
Vamos celebrar nossa vaidade.

2
Vamos comemorar como idiotas
A cada fevereiro e feriado
Todos os mortos nas estradas
Os mortos por falta de hospitais
Vamos celebrar nossa justiça
A ganância e a difamação
Vamos celebrar os preconceitos
O voto dos analfabetos
Comemorar a água podre
E todos os impostos
Queimadas, mentiras e seqüestros
Nosso castelo de cartas marcadas
O trabalho escravo
Nosso pequeno universo
Toda hipocrisia e toda afetação
Todo roubo e toda indiferença
Vamos celebrar epidemias:
É a festa da torcida campeã.

3
Vamos celebrar a fome
Não ter a quem ouvir
Não se ter a quem amar
Vamos alimentar o que é maldade
Vamos machucar um coração
Vamos celebrar nossa bandeira
Nosso passado de absurdos gloriosos
Tudo o que é gratuito e feio
Tudo o que é normal
Vamos cantar juntos o Hino Nacional
(A lágrima é verdadeira)
Vamos celebrar nossa saudade
Comemorar a nossa solidão.

4
Vamos festejar a inveja
A intolerância e a incompreensão
Vamos festejar a violência
E esquecer a nossa gente
Que trabalhou honestamente a vida inteira
E agora não tem mais direito a nada
Vamos celebrar a aberração
De toda a nossa falta de bom senso
Nosso descaso por educação
Vamos celebrar o horror
De tudo isso — com festa, velório e caixão
Está tudo morto e enterrado agora
Já que também podemos celebrar
A estupidez de quem cantou esta canção.

5
Venha, meu coração está com pressa
Quando a esperança está dispersa
Só a verdade me liberta
Chega de maldade e ilusão.

Venha, o amor tem sempre a porta aberta
E vem chegando a primavera
Nosso futuro recomeça:
Venha, que o que vem é perfeição.
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(do site: Youtube. áudio extraído do álbum: O descobrimento do Brasil. artista: Legião Urbana. canção: Perfeição. letra: Renato Russo. música: Dado Villa-Lobos / Marcelo Bonfá / Renato Russo. gravadora: EMI.)